Uma crise de ciúme
_Mas... o que foi que eu fiz?! Mas o que foi que eu fiz?!
De longe se podia ouvir os gritos de Valdeir. Ele acabara de disparar em Neto com o revólver de André.
_Você está louco, seu filho da puta! – rosnou André ao entrar em seu quarto e ver Valdeir com a pistola apontada para Neto. Desferiu-lhe um direto no queixo, ignorando a arma em sua mão.
Valdeir tombou com a boca encharcada de sangue. André pulou sobre ele, tomando- lhe a pistola, já pronto a distribuir coronhadas.
_Seu bêbado filho da puta! Sabe o que eu ia fazer se acontecesse alguma coisa com o meu irmãozinho? – André gritava furioso, apontando para a fronte de Valdeir.
_Desculpa André! Eu...eu...não queria! Eu não queria! – clamava Valdeir chorando, com o rosto sanguinolento e intumescido.
No mesmo instante, a porta do banheiro se abre e dela sai Valquíria, enrolada numa toalha, chorando e pedindo clemência pelo marido.
André ignora e continua batendo.
_Calma André! Calma! Ainda bem que tava sem bala! – bradou Neto, tentando conter a fúria do amigo.
_Eu nunca deixo meu “pretinho” descarregado, velho! Olha só! – e, abrindo o tambor, deixou cair as cinco balas de seu 38 cano curto no chão.
Neto ficou pálido. Suava. Como aquilo era possível? Ele viu quando Valdeir puxara o gatilho. Como poderia a arma não ter disparado. Talvez as balas estivessem vencidas. Existiria isso? Balas de revólver vencidas? Ele já não sabia mais em que pensar quando a voz de André o trouxe de volta.
_Vai se trocar sua vagabunda! Não quero você aqui! - Valquíria correu para o banheiro, chorando. _ E você, vaza! Some daqui! – ordenou a Valdeir, deixando em sua face mais uma impressão de suas mãos.
Depois despediu o pessoal que ainda estava na festa de seu aniversário de quarenta anos e voltou pro seu quarto.
Neto estava lá, com uma expressão meio débil. Parecia estar em outro mundo.
Nunca pensou que poderia ter morrido de uma maneira tão patética.
A festa estava animada e ele jogava truco com os amigos. Nem imaginava o que estaria prestes a se desenrolar, quando deixou seu copo de cerveja na mesinha e se dirigiu ao banheiro do quarto de André para “dar uma aliviada”, como dizia naquela época. Quando abriu a porta, que estava destrancada, deu de cara com Valquíria tomando banho. Fechou a porta imediatamente, mas não antes de Valdeir, bêbado e "noiado", entrar no quarto.
_O que você estava fazendo no banheiro com minha mulher? - grita insanamente.
_O que é isso, cara! Não é nada disso não! - replica Neto em vã tentativa de explicação.
Valdeir vê o “pretinho” sobre a televisão e, sob as lentes venenosas do ciúme, dispara contra Neto.
_Que coisa André...Por que o revólver não disparou?
_Velhinho...eu não sei. Isso é muito difícil! Você acredita em milagre?
E, depois de analisarem todas as possibilidades, decidiram fazer a prova prática. André recarregou a arma com as cinco balas, inclusive a que estava com a marca da agulha do ferrolho e os dois saíram em direção a um matagal próximo a sua casa.
Chegando lá, André pediu para Neto que iluminasse com a lanterna o tronco de alguma árvore. Então André, policial civil afastado, disparou contra ela. Ouviram-se cinco estampidos. André riu. Neto não sabe até hoje se riu ou chorou. Não era defeito da arma, nem das balas.
_E aí, velhinho: acredita em milagre?
Naquela noite, Neto nasceu de novo.