NA ROÇA

Verão! Sol causticante, vento quente e sufocante; ofegante e cansado, sedento, acompanho o meu pai, pé ante pé, - pise sempre onde eu pisar – dizia ele caminhando em frente com um facão cortando todos os galhos e ramagens que pudessem atrapalhar nossa andança pela roça. De vez em quando perguntava: - Pai, para que serve essa árvore? Ele respondia: - Para sombra, para fazer cerca, essa dá uns mourões bons, lenha, dá prá tanta coisa, meu filho.

O sol brilha incondicionalmente! Nuvens?! Nem sequer uma. Tudo é azul “a vistar olhos”. Sempre gostei de sair com meu pai para essas caminhadas pela fazenda, minha mãe é que sempre recomendava, olha bicho do mato, cobra, formiga, caranguejeira, fica de olho aberto, ouviu? Pegando em minha mão e sacudindo, como se minha mão precisasse ouvir, ou pudesse. – Sim mãe, eu vou com meu pai. Para mim, ir com meu pai, era sinônimo de segurança. O que me poderia acontecer estando com ele?

Uma copa enorme: guarida; apresso o passo. Paro. Olho. Desisto. O boi mais bravo da fazenda está deitado debaixo. É linda! O verdume das folhas reflete o brilho amarelado do sol formando uma linda visão o choque de tais cores. O brilho se torna azul, verde, amarelo e lilás; no vislumbre rápido do meu olhar esguio. Copa grande! Gigantesca! Tronco forte! Bonito! Orgulhoso! Imponente! Entre as pequenas árvores, a ladeá-la: Uma laranjeira! Contam-se grandes histórias sobre as laranjeiras, que as almas vêm morar em uma delas assim que começam a nascer e que de noite nenhum homem pode acolher-se debaixo das mesmas, pois as assombrações não deixam. Meu tio contava tantas histórias para nós, à boquinha da noite, sentados no eitão da fazenda, histórias de assombração, de bois bravos, de cavalos que precisavam ser domados, de caçadas de tatu e onças na serra. Momentos que com certeza aprendemos muito. Um aprendizado gostoso que nos fazia rir, chorar, ter medo, mais acima de tudo viajar nessas histórias tantas vezes contadas e recontadas.

Embaixo de uma das laranjeiras, nem tão verde, nem tão majestosa fiquei eu observando e passando o tempo enquanto meu pai consertava a cerca, objetivo que nos trouxe ali. Nunca me incomodei em aprender a consertar cerca, achava aquele trabalho perigoso e meu pai sempre dizia: - preste atenção ao que eu estou fazendo, eu aprendi assim com o meu pai, seu avô. Naquele momento balançava a cabeça afirmativamente, mas meu coração dizia baixinho: - nunca vou precisar desse trabalho. O certo é que um dia já adolescente, precisei consertar uma pedaço de cerca com meus primos e aquilo que eu sempre achei que não tivesse aprendido, fiz como gente grande.

Bois e vacas a remoer sossegadamente em tão refrescante oásis, mosquitos e mutucas a perturbá-los, que com um simples levantar de rabo, afasta-os. Ela, Rainha, a vaca, elegantemente deitada! Ele, Vermelho, o boi, de pé inusitado olhando às vezes com segurança, desconfiança, outras com despreocupação. O tronco da árvore visivelmente se mostra um ótimo amolador de cornos. Resistente e eficaz! Um assanhaço azul-cinza canta despreocupadamente em sua copa; Uma revoada de anuns chega e, obriga o assanhaço ir cantar em outro galho. Estou ali olhando essa lição da natureza que não percebo quando meu pai termina o conserto e se aproxima, convidando-me a seguir em frente para olharmos uma vaca que pariu e que ele precisa ver como está o bezerro. Levanto e vou correndo atrás dele. Ao longe o canto de uma rolinha fogo-pagô e o responder de uma caldo-de-feijão. Essas coisas, sei agora, naquela época não conseguia discernir entre o canto de uma e da outra, mas meu pai, ralhava comigo dizendo, esses meninos criados na cidade nunca vão aprender nada de roça. Engano dele. O sol continua majestoso! Inclemente ao canto insistente e mortífero das cigarras, as quais chegam a explodir, na súplica pela chuva. E quantas!!!!!!!! Quantas já deixaram de cantar, acometidas é claro pela explosão. Impressionava-me o canto das cigarras, estridentes, enjoados, mas dizia Mãe Preta: elas é que pedi a Deus chuva purque os omi são tudo pecador, não servi para pedi, Deus nun ovi. Mãe Preta praticamente nos criou, quando íamos para a roça ela ia conosco, quando voltávamos para a cidade ela passava alguns dias lá depois voltava para a fazenda. Não podia chover na noite que de madrugada ela já estava de pé para partir para roça, dizendo: - vou vê cuma tão as coisas por lá, se incheu os tanques, se moiô as roças e assim rezava uma porção de coisas que faria ao chegar à roça.

Os grilos! Chegam a despertar-me do vislumbre, com um cricrilar orquestral de tinidos agudos e ensurdecedores: cri!!!!! cri!!!!! cri!!!!.... Aguço o tino. Olho. Mas não os vejo. Difícil localizá-los. Novamente a rolinha ecoa seu rular no silêncio ensolarado do verão nordestino! Meu pai agora luta com a vaca que não quer deixá-lo olhar o bezerro, ele a enfrenta com um pedaço de pau, batendo-lhe nas ventas até deixá-lo ver a situação do bezerro, põe remédio nas feridas do bezerro, põe no umbigo e diz tá pronto, como se a vaca escutasse e entendesse, suado e raivoso deixa o local sem nem sequer chamar-me. Sigo-o correndo, com medo da vaca e de ser deixado para traz.

Ao avistarmos a casa, vemos também um gavião espreitador, que com as asas abertas e olhos laser, meu pai diz: preciso dar um jeito nestes bichos, já comeram quase a ninhada toda. No terreiro as galinhas estão em barulhos, o gavião deixa todo o galinheiro alerta: os pintinhos procuram as asas da mãe; a galinha reclama zangada: có...có...có...O galo se enche de autoridade e põe-se em defesa do terreiro. É alarme falso! Com seus gritos de terror e morte, sua sombra ameaçadora afasta-se. Estou suando e cansado. Louco de sede. Reclamo e meu pai diz que já estamos chegando.

Ao longe mugi um boi: Muuuuuuuuuuuuu!! Outro responde prontamente: Muuuuuuuuuu! O quê dizem? Não sei. O vento quente invade novamente tudo, paramos um pouco numa sombra, pois meu pai percebe que estou cansado e agora mais calmo e sem tanta raiva da vaca, me puxa para perto dele e unimos o nosso suor. Ele passa a mão pela minha cabeça e diz, tá vendo tudo isso, vai ficar para vocês um dia. Não ficou. E a sombra já não é tão refrescante como antes. Partimos. O sol continua sua trajetória. Inconsciente! Imponente! Sem misericórdia. A cigarra ainda canta sua suplica pela chuva. É mais um dia no verão nordestino. Transpiro por todos os poros. Tenho sede! Como a cigarra porta-voz da natureza: Quero água.

CARLOS MOREIRA
Enviado por CARLOS MOREIRA em 24/05/2012
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