VESTIDO DE NOIVA

Stela é uma linda e “legítima italianinha” nascida em Santa Felicidade, o bairro mais gastronômico de Curitiba, onde na avenida principal, a Manoel Ribas, sente-se o cheiro de polenta e frango frito no ar, vindo do Madalosso, do Cascatinha, do Iguaçu, do Veneza e outros tantos restaurantes típicos da região.

Olhos verdes como duas esmeraldas, pele alva como o trigo, cabelos castanhos levemente ondulados, esbelta, nem alta nem baixa, bonita, exceto quanto aos óculos fundo de garrafa que usa, assim é Stela, a italianinha genérica.

Marcelo é um sujeito bem apanhado, estatura mediana, vestido com elegância, cuidadoso com sua aparência, um tanto calado.

Ambos trabalhavam em uma grande empresa em setores diferentes, mas bem próximos.

Marcelo admirava Stela à distância. Sonhava em tê-la em seus braços, porém, tímido que era, olhava-a com olhos de cobiça, mas desviava o olhar se percebesse que ela o estava observando.

Certo dia Stela chegou ao trabalho com uma reluzente aliança na mão direita. Estava noiva. Marcelo sentiu uma dor enjoada no peito, uma melancolia, uma sensação de perda. O mundo ficou tão feio, o céu cheio de nuvens cinzentas, as flores do jardim murcharam. Deus não existia. Será que sentia ciúmes de Stela? Será que era amor que sentia por aquela italianinha formosa?

Por vários dias ficou triste. Andava cabisbaixo. Stela pareceu perceber a tristeza de Marcelo. No corredor, ao encontrá-lo, derreteu-se num sorriso. Marcelo ficou mais triste ainda. Nutria esperanças de que Stela não estivesse feliz, mas aquele sorriso radiante, ao contrário, demonstrava que ela estava vivendo momentos de intenso amor e felicidade.

Um dia Stela passou por ele, voltou-se e chamou-o:

- Marcelo, você está na fossa? O que aconteceu? Perdeu o seu amor?

– Não, Stela. A garota que eu amo está noiva. Não tenho mais esperanças. E assim dizendo afastou-se rapidamente, não sabendo onde houvera encontrado a coragem para dizer o que disse.

No dia seguinte o telefone tocou. Era Stela.

– E aí, garoto, está melhor?

– Nem um pouco, respondeu.

– Deixa disso, gatinho. Você não percebeu que eu ando te paquerando?

Marcelo quase caiu da cadeira. Stela surpreendeu-o com essa revelação. Nunca havia percebido em Stela qualquer manifestação de interesse por ele. Seus olhos tornaram-se mais brilhantes, o mundo ficou mais belo, o céu mais azul e as flores murchas reviveram e ficaram perfumadas. Stela lhe paquerava? Meu Deus, o mundo é bom. Pai, Você existe.

À noite sonhou que estava nos braços de Stela. Foi maravilhoso. Eram felizes. Passeavam de mãos dadas sobre brancas nuvens ao som de harpas celestiais. Estavam no paraíso.

Eram quatro da tarde quando o telefone tocou. Era Stela, ele tinha certeza. Era a sua amada, a italianinha mais linda que ele conhecera. E não é que era mesmo! Aquela linda voz suave e melodiosa estava a lhe fazer um convite:

- Quer comer uma pizza comigo? Quem sabe uns dois cálices de vinho?

– É claro que quero, respondeu prontamente. Marcaram de se encontrar às seis da tarde, hora em que se encerrava o expediente.

No estacionamento, Marcelo esperava ansioso olhando o relógio. Já eram seis e meia e nada de Stela aparecer. Não agüentava mais esperar. Ele sabia que ela iria passar numa loja da Praça Osório antes do encontro. Pela Rua Comendador Araújo foi caminhando em direção à praça. De longe avistou quando Stela vinha na direção contrária. Trazia nas mãos um grande embrulho. Parecia uma caixa quadrada embalada em papel branco. Encontraram-se com sorrisos estampados em suas faces. Marcelo fez meia volta. Juntos foram para o estacionamento.

– E a pizza, perguntou ele.

- Vamos deixar para outro dia, ela respondeu. - Tenho uma proposta para te fazer. Que tal irmos a um motel?

Marcelo quase despencou de seus um metro e setenta e três. Motel? Ela disse motel? Ah! Realmente o mundo é lindo, perfeito e maravilhoso. Ela me convidou para ir a um motel.

Na Rodovia dos Minérios Marcelo pisava firme no acelerador. Queria chegar o quanto antes no motel e desfrutar dos prazeres libidinosos da carne. E que carne.

No banco de trás repousava a caixa quadrada.

– Sabe o que tem naquela caixa, perguntou Stela. – Meu vestido de noiva, completou. Pela cabeça de Marcelo passou a sensação de que ele estava raptando a noiva e levando-a para bem distante; que ela seria sua para sempre. O vestido de noiva repousando sobre o banco era excitante; como se fosse um troféu arrebatado de alguém que não o merecia.

Na suíte espelhada, Marcelo pediu que ela colocasse o vestido de noiva. Ficou linda toda de branco e grinalda. De braços dados caminharam para o leito como se estivessem indo para o altar. Desnudou-a com paixão demorando-se em cada peça que retirava.

Nus, deitaram-se na cama redonda do quarto. Como era belo o corpo de Stela. Curvas perfeitas, seios que pareciam pequenas peras, coxas convidativas, pele aveludada e aquele belo rosto sem os óculos que repousavam sobre o criado mudo.

O êxtase da paixão tomara conta do jovem Marcelo. Perdido nas curvas de Stela esquecia-se das crises existenciais que habitam o interior de qualquer ser humano. Fim de mês? Dinheiro curto? Prestação do carro atrasada? Juro do cheque especial? De onde viemos? Para onde vamos? To be or not to be? Nada importava.

Stela, entregue aos braços de Marcelo, fazia-lhe confidências no pavilhão auricular: - Sabes que sempre te admirei? Sempre te achei bonito, simpático e elegante. Marcelo, com o ego inflado, ouvia extasiado as confissões da mulher dona de seus pensamentos. Estava cada vez mais apaixonado por ela. Ouvia palavras que queria ouvir. Era tão bom receber elogios de uma mulher tão bonita. Ah, as palavras! São elas que diferenciam o homem dos animais. São a expressão da inteligência humana. Quem tem o dom da palavra tem poder. Porém, as palavras quando ditas na hora errada colocam tudo a perder. E foi o que aconteceu. No embalo da entrega Stela largou uma frase fatal:

- Sabes o que o meu noivo falou para mim? Que se ele me pegar com outro ele mata o cara.

Marcelo empalideceu. Imaginou um atarracado italiano bigodudo correndo atrás dele com um facão gritando:

- Desgraciado, figlio de uma putana, porca pipa, io te mato, capiste?

Marcelo não sabe explicar, mas aquela paixão que ele nutria por Stela, misteriosamente, desapareceu, sumiu. Colocou a roupa e nem desculpa deu pelo súbito fracasso de sua virilidade.

Ma que! Esses home é tudo igual, mesmo, afirmou Stela com seu suave sotaque mediterrâneo.

Mama Mia! Que situação.