Interruptor

Bruno abre os olhos lentamente, como se acordasse de um sono profundo. Um daqueles sonos que você acorda sem saber por quanto tempo dormiu. O cair da noite invadiu o quarto. O silencio e a escuridão, junto com o peso da cabeça o convence ficar mais um pouco na cama. Lentamente ele levanta-se. Encaminha-se para a porta sem saber o porquê de estar dormindo de roupas e sapato. Deixa o quarto sem nem ao mesmo se dar o trabalho de acender a luz. A casa inteira está apagada, o que da a sensação de estar sozinho. Espreguiçando-se e ainda sem saber que horas e que dia é, ele se arrasta para a cozinha. Como todo mundo no escuro a primeira coisa que faz é tatear a parede a procura do interruptor para ligar a luz, por mais tempo que você more numa casa nunca vai acertar o interruptor sem antes dar uma tateada na parede, você alisa a parede, ela te leva até o botão. Acende a luz, o que faz o branco dos seus olhos estourarem, ele fecha os olhos para que eles reconheçam o que está acontecendo, quando finalmente consegue abri-los, se depara com varias pessoas. A primeira coisa que vem a cabeça é, “caramba uma festa surpresa, não acredito que dormi até meu aniversário”. Mas a ausência de bolo, bexigas, refrigerantes e principalmente do parabéns, cantado energicamente, anulam a possibilidade de uma festa surpresa. Todos parecem estar muito sérios para uma festa surpresa. Alias muito dos presente são pessoas que ele não reconhece. Sua mulher o recebe na porta com um abraço silencioso.

- O que está acontecendo? – pergunta Bruno para a esposa.

- É melhor você se sentar. – ela o encaminha para uma cadeira.

- Que dia é hoje?

- Não importa.

- Como não importa? Claro que importa, por que você não me acordou?

Ele da mais uma olhada em volta, então começa a reconhecer alguma das pessoas que a principio não sabia quem era. Perto da geladeira está uma senhora de jaleco, uma cara amistosa, com os cabelos finos e brancos, ela é muito parecida com a sua professora do primário, a Sueli, a que sempre o protegia. Do lado dela cinco homens, todos de terno, com a seriedade de todos os seus ex patrões. Eles falam sobre Bruno, de como apesar de tudo ele foi um bom funcionário. Ao lado dele estão todas as suas ex-namoradas, desde a que deu o primeiro beijo, que na época era uma gordinha que cheirava a morango, e hoje é uma mulher alta e esbelta, com um corpo que o faz se arrepender de não ter investido nela e ainda cheirando a morango. Até as outras que passaram, deixando sempre alguma coisa, uma escova de cabelos, uma embalagem de bombom, uma peça de roupa, etc. coisas que de alguma forma ainda as ligava a ele. Todos estavam lá presentes, os amigos do trabalho, do café, do futebol. E ele cada vez mais confuso.

- Amor, o que está acontecendo?

Um silencio se estendeu no local, os murmurinhos cessaram.

- Paula? O que todo mundo está fazendo aqui?

- Vieram te ver.

- Me ver?

- É.

- Até elas?

- Sim. – responde a mulher, fazendo cara de quem não gostou.

- Aquela dali parece minha professora do primário.

A senhora de jaleco ergue a mão pra ele.

- É ela. – diz Paula.

- Ah é?

- Sim.

- Mas o que estão fazendo aqui? Alguma festa surpresa? Eu cheguei muito cedo? Desculpa, não queria estragar nada.

- Não, não chegou cedo. Alias chegou tarde. Já ta quase na hora de você ir.

- Tarde? Ir? Ir pra onde?

- Seguir seu caminho, ir para a luz.

- Não, eu não quero me separar de você. Eu não fiz nada, seja lá o que for não fui eu. Você quem colocou elas aqui. – aponta para as ex.

- Também não queria me separar de você. Mas acontece. É a vida. Todo mundo vai passar por isso.

- Não, não precisamos.

- Precisamos sim. Todo mundo vai morrer um dia.

- Mas até lá não precisamos ficar separados.

- Bruno você está morto.

- Já pedi desculpa.

Ele fica de pé, ela vira de costas pra que ele não a veja chorando, a mãe de Bruno, uma coroa bonita, enxuta, que ninguém acredita ter um filho na idade dele, acalma Paula, acolhendo ela nos braços. Bruno vai para o lado dos amigos.

- Cara o que eu fiz?

Silencio.

- Eu devo ter feito algo muito ruim.

Diz para Rui, o melhor amigo, que observa, e assente com a cabeça como se lamentasse.

- Diz pra mim o que eu posso fazer.

Silencio.

Bruno olha em volta, todos estão olhando pra ele. Mas ninguém fala nada.

- Alguém por favor quer me dizer o que está acontecendo aqui? Parece que alguém morreu.

Paula desaloja-se dos braços de Marise, enxuga as lagrimas, se recompõe e tenta explicar para Bruno o que está acontecendo.

- Desculpa.

- Você não tem culpa.

- Ah não? Ufa!

- Acidentes acontecem.

- É o que eu sempre digo. Acidentes acontecem.

- O guarda disse que provavelmente você deve ter dormido no volante.

- Eu o que?

- Dormiu ao volante, um pouco antes da batida.

Bruno fica em silencio sem entender.

- Eu disse pra você não dirigir quando estivesse com sono. Mas você não me ouve. Por que você não ouviu? Por que?

- Ele nunca escutou nenhuma de nós também. – fala uma das ex namoradas e as demais todas concordam.

- Nem nós no serviço. – falam os ex patrões.

- Foi assim desde a escola. – diz a ex professora, ainda com cara amistosa.

- Como assim dormiu? Batida? Guarda? Do que você está falando? – questiona, ainda sem entender.

- Tadinho sempre foi meio devagar também. – diz um dos amigos.

- Não, ele só entende o que era conveniente pra ele. – retruca outra ex.

Dessa vez sem falar nada, todos parecem concordar, assentindo com a cabeça positivamente.

- Você morreu num acidente. Estava voltando do futebol, dormiu no volante e o carro foi parar num buraco.

Bruno recua até a cadeira e senta.

- Não pode ser.

Da uma olhada em volta todos ficam em silencio.

- Eu cheguei em casa e fui dormir.

- Não chegou. Queria eu que você tivesse chego. Mesmo tarde e com bafo de cerveja, queria que tivesse...

- Mas se eu morri o que eu estou fazendo aqui? O que eles estão fazendo aqui?

- Vieram acertar as contas com você.

- Acertar contas? Como assim acertar contas, não devo nada pra ninguém aqui.

- Ei claro que deve. – retruca o amigo do qual ele tinha feito um empréstimo.

- Opa, quase ninguém.

- Não é nada relacionado a dinheiro.

- Ei o meu é.

- Tirando o dele. – ela da uma olhada pra ele, que o faz recuar para um canto.

- Acerto de contas?

- é eles virem falar alguma coisa que ficou no passado, que queriam ter falado, mas não tiveram coragem ou oportunidade de fazer.

- Isso deve ser alguma brincadeira.

Olha para os amigos do trabalho, eles ficam sérios, e fazem que não com a cabeça.

- Você não está brincando né?

Ela faz que não, abaixa a cabeça e começa a chorar. A mãe novamente vem aparta-la e a leva para o outro cômodo. Bruno da mais uma olhada em volta. Todos estão olhando. Ele fecha os olhos, abre, eles ainda estão olhando. Fecha mais uma vez, abre, nada. Fecha a terceira, dessa vez se mantem de olhos fechados. Começa a passar flash’s com alguns momentos que marcaram, com cada um ali presente. A mãe mordendo o pé dele, quando ele ainda era uma criança, o pai ensinando a andar de bicicleta, correndo do lado dele, então o soltando, ele olhando para trás e vendo o pai lá atrás. A professora fazendo chamada. Os amigos de sala de aula, a gordinha com cheiro de morango olhando pra ele. O primeiro beijo com cada namorada. E o ultimo beijo que deu na sua mulher antes de sair pra ir jogar futebol. Quando ele abre os olhos uma luz alta vem em sua direção, acompanhado de uma buzina ensurdecedora. Só da o tempo dele puxar o volante com tudo para o lado esquerdo. Tudo apaga.

Afonso Padilha
Enviado por Afonso Padilha em 07/05/2012
Reeditado em 08/05/2012
Código do texto: T3655596