A jovem e a velha
Eram dois casais sentados cada qual em uma mesa de restaurante. O casal jovem era recém-casado. Já o casal idoso faria bodas de ouro no dia seguinte.
- Mas que menina mais bonita! – observou a senhora, olhando para a jovenzinha da outra mesa.
- Que velhinha mais fofa! – pensou a jovem, olhando para o casal de idosos ao seu lado.
Embora imersas em suas próprias conversas com os respectivos maridos, as duas mulheres se entreolhavam a todo instante, como que duas analistas uma da outra.
- Olha pra mim, Mônica! – diz o jovem rapaz, querendo atenção. Mesmo com poucos dias de casados, o casal já estava brigando.
- Sim, amor. – diz Mônica, dando ao noivo um sorriso falso.
- Veja como ela sorri pro namorado! – pensa a velha senhora. – Ai, que saudades da minha juventude!
- No que você está pensando, Edith? Parece que não está nem aí pro que eu ‘to falando!
- Nossa, que velho mais grosso! – pensou Mônica ao ouvir o velho levantando a voz para a “velhinha fofa”. – Ai do Eduardo se um dia gritar assim comigo!
- Mônica, quer por favor prestar atenção em mim?! – diz o moço. – Não vê que estamos no meio de uma briga? – Eduardo a toca no ombro, como que chamasse a atenção de Mônica, que parecia alheia.
- Mas como ele é carinhoso! – nota a velha. – Fazendo carinho na namorada aqui, na frente de todos! Quem dera que Jurandir fosse assim...
- Edith, você ouviu o que eu falei? Peguei ontem o resultado dos exames que fiz. – Jurandir deixa cair uma lágrima. – E... e...
- Além de velho e grosso é gago! – repara Mônica ao ouvir o “e... e...” de Jurandir. – Coitada dessa senhora! Já deve ter sofrido muito nas mãos desse aí!
- Mônica, o que eu quero te dizer é que... eu já não agüento mais. Pensei que a vida de casado fosse outra coisa, mas me enganei.
- Como se enganou? E nosso filho, Eduardo? Não se esqueça que estou grávida. – diz ela colocando a mão na barriga.
- Mas ela está grávida! – pensa a velha, com alegria. – Que casal bonito! E vão ser pais!
- Não sobreviverei até o fim do ano. – revela Jurandir, limpando a lágrima e fazendo com que Edith começasse a chorar.
- Mas que velho idiota! O que ele terá dito à velhinha para fazer ela chorar?! Ai, que ódio! – pensou Mônica.
- Nosso filho? Você sabe que nos casamos unicamente por causa dele! Seu pai me obrigou! Eu achei que fosse agüentar, mas não dá. Quando nos casamos já estávamos meio brigados. Mônica, por favor, olha pra mim! – diz ele, pegando-a no braço.
Edith pensou, enquanto chorava:
- Morto, meu Deus! Jurandir vai me deixar! Como será minha vida? Tomara que a vida desse casalzinho não seja como a minha! Certamente não será, veja como eles se amam! Ela está grávida e ele é todo carinho para com ela! Que Deus os abençoe!
- Edith, justamente por isso, por causa do meu testamento eu tenho que lhe contar uma coisa: eu tenho um filho com outra mulher.
A velha senhora parece estar em choque.
- Ah, não, ‘to quase indo lá bater naquele velho! – pensa Mônica. – Olha a cara da coitadinha! Ele deve estar dizendo horrores pra ela!
- Mônica, eu quero me separar. Registro nosso filho, te dou uma boa quantia em dinheiro e depois me mando. – diz Eduardo. Mônica até que é indiferente. Não gostava mesmo de Eduardo como antes.
- Faça como você quiser, Eduardo. E espero que você seja muito feliz, querido. – diz ela, irônica, passando a mão pelos cabelos de Eduardo.
- Jurandir me traiu! Como ele foi capaz? E que burra eu sou! Jamais percebi nada errado! – Edith não sente mais pena de Jurandir. Agora começa a sentir um pouquinho de raiva. – E aquele casal ali do lado também! Agora é ela quem o acaricia! Tanta felicidade assim é impossível!
- Desculpe-me, Edith. Mas preferi te falar agora do que você descobrir depois, na leitura do testamento. – Edith estava incrédula.
- Que raiva desse velho! Olha a cara da velhinha! Ela está morrendo de raiva dele! Até eu estou! E o Eduardo também, que saco, não pára de falar! Quer me deixar, que deixe! Morra, mas pára de me encher! To quase mandando ele pra puta que o pariu.
- Como ficamos, Mônica?! – pergunta Eduardo. – Quando você vai falar com o seu pai?
- Eu? ‘Ta louco! Você que fale com ele!
- Eu? Mas ele é capaz de me matar!
- Não seja exagerado! Você é muito covarde, isso sim!
- Até que enfim estão brigando. – pensa a velha. – Já estava mesmo desconfiada de tantas carícias. Quando a esmola é muita, o santo desconfia. E esse Jurandir, hein... quem diria! Pensei que fosse um marido exemplar e no fim da vida dele, descubro que tem um filho com uma meretriz qualquer! Ordinário! Que morra mesmo!
- Como ficamos, Edith? – pergunta Jurandir. – Quando você vai contar aos nossos filhos?
- Eu? Você bebeu, Jurandir? Fale você com eles! Conte a eles sobre o novo irmão! Sobre o bastardo!
- Eu? Mas eles são capazes de me bater!
- Não seja exagerado! Eles são seus filhos! Você é muito covarde, isso sim!
- Graças a Deus a velhinha ‘ta dando o troco! Deve estar botando pra quebrar com o velho mulambento! Que nojo! Olha aquela barba! E aquele bigode branco? Argh! Perto do nariz os pêlos são amarelos! Será que é porque escorre meleca? Cruzes, imagina eles se beijando? Coitada da velha...
- Então vamos embora, Mônica! Em casa resolvemos isso melhor! Já vi que você não faz objeção nenhuma! Esperamos o garoto nascer e depois nos separamos!
- Ótimo! Só não espere fidelidade da minha parte, Duduzinho... Se nosso casamento é de fachada, eu não vou me privar de conhecer outros caras!
- Como você quiser! E eu digo o mesmo! Vamos então, querida? – diz ele levantando-se e estendendo a mão para Mônica, com ironia.
- Vamos, meu amor! – diz ela, sarcástica, pondo os braços ao redor do pescoço de Eduardo.
- Hunf! Já ficaram de bem! Essas jovens de hoje não se dão mesmo o valor! Tomara que ele a chifre muito, assim como esse canalha aqui na minha frente!
- Vamos então, Edith? Em casa eu me entendo com meus filhos. Eles já são homens, hão de me entender.
- Perfeito. Só não espere compaixão de minha parte, Jurandir. Você me traiu e isso eu não perdoarei. E como direito que tenho sendo sua esposa, quero tudo em meu nome! Irei com você ao cartório amanhã mesmo. Quero estar junto quando você fizer seu testamento.
- Como você quiser, Edith. E peço desculpas mais uma vez.
- Não perca seu tempo. Aliás, será que ainda te resta algum tempo? – diz a velha, com sarcasmo.
Os dois casais se encontram na fila do caixa. Saem ao mesmo tempo. Quando cruzam a porta do restaurante, Mônica não deixa passar em branco sua repulsa por Jurandir, que fica sem entender nada; já Edith também não sai sem dizer à Mônica o que pensa dela:
- Velho imbecil! – diz a jovem.
- Cadela! – retruca a velha.