CONTO – Nobre, uma lição de vida – Parte XIX - Catolé do Rocha (PB)
 


Conto – Nobre, uma lição de vida – Parte XIX – Catolé do Rocha (PB).
 
          Na Chefia da Carteira Agrícola, o Pereirinha, baixinho de uma capacidade extraordinária, auxiliado pelo Távora, trabalhavam agoniados, com ares de malucos dada à situação de insolvência que se instalara na época, não que o povo fosse “trambiqueiro”, muito pelo contrário, como de resto é todo o nordestino, bom pagador. Mas sem safras condizentes com as necessidades, por falta de chuvas, porquanto o seu índice pluviométrico não passava de 500 mm ao ano, em condições normais, salvo quando São Pedro tinha pena e ordenava mais piedade com aquela gente. É que conduzir negócios anormais sempre fora matéria muito difícil no banco, as alçadas eram pequenas, não se podia criar, tudo tinha de vir da direção geral. Além do mais estava iniciando, ou melhor, já atrasada a época de financiamento das novas safras. Faltava gente. Ta vendo, quem mandara o gerente dispensar tantos funcionários, diriam alguns!

          Reunião com a CREAI. Então se bolou um modelo de empréstimo, por meio de NCR (Nota de Crédito Rural), rápido e eficiente. Ao assinar a proposta o “matuto” digamos assim, não em termos depreciativos, eis que a família dele o era, já estava também validando o instrumento de crédito. No verso seria o estudo da operação. Uma beleza. Mandou-se imprimir tais formulários em Patos, cidade próxima e também do sertão, numa gráfica já bastante acostumada com trabalhos da espécie, até mesmo porque em Catolé não existia indústria do ramo.

          De início ficara pactuado, isso constando em ata, que todo o mutuário que liquidasse seu empréstimo deixaria desde logo, isto é, no mesmo dia, a sua proposta para o período agrícola em curso, e já ia embora com o dia marcado para levar a primeira parcela do financiamento. Isso fora a primeira novidade do Nobre naquela cidade. Chegou-se a marcar o atendimento de mais de cem rurícolas por dia. Os serviços fruíam com celeridade, a notícia se espalhara pela região e isso possibilitou a que muitos dos que não estavam quites comparecessem à agência para fazê-lo, agora com a vantagem de economizar dias de viagens, que muito oneravam o pequeno agricultor. Arranjavam dinheiro com o compadre, vendiam criações miúdas, etc. Até então não se tinha a classificação de “mini”, que a meu ver é descabida, é reduzir muito aquele que já é pequeno pela própria natureza; “até porque julgo que o pequeno é o máximo”, falara o Nobre.

          Muito antes de chegar o dia estabelecido o dinheiro já estava na conta de depósitos, porquanto havia sido instituída uma cláusula dizendo que toda e qualquer movimentação financeira do empréstimo poderia ser feita através dela. Aí já viu. A quantidade de contas aumentou numa proporção fora do comum. Isso facilitava em muito, porque ao invés de irem à carteira compareciam direto aos caixas, que orientados estavam para persuadir o cliente a deixar um pouco na conta para eventuais necessidades. E era afixada uma relação num quadro de avisos onde todos podiam ver se havia ou não sido liberado o empréstimo. Qualquer dúvida o conduziria ao setor especializado do Pereirinha.

          O movimento da filial agora era rápido e eficiente, todos estavam satisfeitos com a celeridade, em todas as áreas a partir do atendimento, cadastro, ordens de pagamento. O entrosamento era perfeito. Godeiro era o chefe da parte de atendimento, enquanto o Guy respondia pelo cadastro. Pra falar a verdade fora uma das melhores equipes que o Nobre formara ao longo de sua carreira, que não era tão expressiva, mas já havia “desarnado” o suficiente para administrar, notadamente depois de fazer um curso da espécie em Brasília, que durara cinquenta dias, isso ainda em Bacabal (MA).

          Olha, povo bom, prestativo, amigo, solidário eram qualidades que o Nobre soube aproveitar para se entrosar na sociedade com extrema facilidade. Teve um susto na chegada. Os boatos sobre violência entre famílias rivais, os Maia e os Suassuna eram pra valer. Dava-se bem com as duas, seus membros eram clientes do banco, o tratamento era cortês. Qual a cidade que não tem disputas internas entre famílias tradicionais? Não se conhece uma ao menos.

          De início se metera em bater bola de salão na quadra da AABB, jogava bem para quem tinha uma vida sedentária. Metera-se no futebol. Duas equipes se destacavam, mas não eram essas coisas todas. Marcou uma reunião na sua casa com os presidentes. Seu desejo era que se formasse uma seleção, a fim de que pudesse trazer clubes de fora, até mesmo de capitais para movimentar a cidade nos dias de domingo. Todos concordaram até porque não teriam despesa alguma, a responsabilidade caberia ao gerente do banco, desse lucro ou prejuízo, mas em havendo superávit seria “rachado” entre as duas equipes. O campo era enorme, terra firme, dura, não tinha um pezinho de grama sequer. Piçarra pura!
          
          Na viagem seguinte que fizera ao Recife comprou todo o material necessário, até roupa para os juízes (não se falava em árbitros). Reunidos com o mesmo pessoal, fizera todo o planejamento para levar o América Futebol Clube, do Recife, o chamado “campeão do centenário” para a estreia do selecionado. O clube pernambucano estava numa fase não muito boa, já não significava tanto para o futebol pernambucano, ele que era a segunda opção de todos os torcedores. Dirigido pelo competente rubro-negro (Sport Clube do Recife), Dr. José Joaquim, foi fácil o contato e acertado ficou que a taxa seria de 500 mil (não se recorda bem), mas era um bom dinheiro. Fora premiado com um título de “sócio remido” daquele clube, por obra e graça de seu presidente.


          O Nobre, sua mulher e outras distintas senhoras da cidade, inclusive esposas de funcionários a tudo organizaram. Conseguira o colégio do padre franciscano Frei Marcelino, boa liderança da oposição, com a finalidade de alojar os representantes da equipe visitante. Ninguém parava, o comércio era induzido no sentido de comprar ingressos antecipadamente (impressos no mimeógrafo do banco, daqueles movidos a álcool) e também fornecer alimentos, carne, macarrão, feijão, arroz, verduras, colchões, aparelho de TV, geladeira, pratos, panelas e talheres, de sorte a que se levasse uma boa impressão da cidade. A coleta era geral. No sábado já estava em mãos a cota cobrada pelo América, dinheiro em caixa. Tudo que se viesse a apurar nas bilheterias seria lucro. O prefeito, Dr. José Sérgio Maia, por intermédio do secretário Benedito, colaborou em nome da prefeitura, homem direito, sério e justo, agropecuarista de “mão cheia”.

            Dia do jogo. A delegação atrasara, mas era muito longe a distancia entre Recife e Catolé. Finalmente chegara. Todos devidamente acomodados, carros de clientes e de funcionários do banco mostravam a cidade, davam umas voltas e sempre saíam no mesmo lugar. Cidade pequena do interior é assim mesmo... A faixa colocada no ônibus chamara a atenção de todos, a cidade se alvoroçava...afinal era um clube do Recife que ali estava...era uma grande novidade. Os atletas falaram que nunca tiveram um tratamento tão especial... Que bom!!!

            Equipes em campo. O juiz seria o Nobre, cuja liderança já atravessara as redondezas, o território sob a jurisdição do banco. Mas é que ninguém teve coragem de se apresentar. Topou a parada, conseguiu dois funcionários do BB para bandeirar, um deles o caixa Severino (Biu). Equipes em campo... Estádio lotado...havia até cadeiras numeradas. Iniciada a partida... A poeira dominava e se espalhava com a ventania quente e forte daquele sertão árido. O calor enorme. O traje preto do juiz ficara quase amarelo esbranquiçado.  

            Partida encerrada... Somente 5 x 0 para os visitantes. Os atletas se recolheram... Tomaram banho e à noite viajaram de retorno...a viagem seria longa...pagamento feito...tudo em ordem...disseram que precisando era só convidar. Aos da cidade só restava comentar o jogo na linda Praça da Bandeira, local privilegiado e bem cuidado, onde os jovens desfilavam com suas paqueras... Às 22 horas todos se recolhiam... Não havia esse negócio de dormir na casa da namorada ou da noiva... A educação era diferente... Na marra, “é pra casar ou pra que é”?

Bem, o espaço ficou pequeno. Até a próxima.
 
Em revisão
Ansilgus
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Enviado por ansilgus em 04/05/2012
Reeditado em 04/05/2012
Código do texto: T3649591
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