Ame Enquanto Há Tempo
- Pai!
Grita pela enésima vez Felipe.
E nada...
Absorto na telinha global o exemplar genitor limitava-se
a dizer:
- Cale a boca menino, não vê que estou ocupado!
Não poderia perder a novela...
Com o filho, porém, tecia a relação nos embaraçados
novelos do descaso.
Nos intervalos comerciais cobrava a atarefada esposa
quando ao jantar.
- Pai!
- Menino eu disse para você não me atrapalhar!
- Venha jantar Osvaldo – disse Nadir, a atarefada
esposa.
Nem pensar agora! Não saio daqui por nada!
Pega seu filho e vai dormir!
No caso o filho de ambos, à época com cinco anos
de idade.
Cansado de pedir pelo pai, o pequeno Felipe adormeceu solitário na imensa poltrona vermelha, como ocorria
de modo habitual, tendo do lado a pasta das atividades escolares.
Em silêncio, para não atrapalhar o marido, Nadir fez seu
prato.
Comeu em pé mesmo, ao lado da pia de louça que a
esperava.
Após as atividades, pegou o menino no colo, ainda vestido
com o uniforme escolar para levá-lo à cama.
Deixou cair a pasta colorida.
Passava das onze da noite quando Osvaldo enfim
“desocupou”.
Não fosse o tropeção jamais abriria a pasta de
atividades
do filho.
Desinteressado resolveu dar uma espiada.
Em todas as páginas do bimestre elogios para o
pequeno.
- Parabéns Felipe! Sue pai deve se orgulhar de você!
- Ótimo Felipe! Tarefa muito bem feita!
- Felipe, seu rendimento é especial, menino inteligente!
E assim, em todas as páginas frases incentivadoras
destacando o talento do menino.
Ao final de cada folha em branco os espaços “ciência aos
pais"...
Na última folha a atividade pedia para desenhar a família.
Felipe construiu a cena – a mãe na pia, o televisor enorme
com um globo desenhado no centro, que parecia estar
ligado.
Na frente um monstro horrendo usando fones de ouvido.
Ao redor muitas folhas espalhadas...
Nadir observou ao colocar Felipe no leito que o menino
estava com a mão direita fechada.
Abriu-a cuidadosamente para não acordar o pequeno,
encontrou um bilhete amassado umedecido pelo calor
das mãos.
Era um desenho dedicado ao pai – na cena um mágico
tocava um menino com a varinha e este se transformava
em TV.
Ao final estava escrito...
Pai, quando você me levará ao circo para encontrar
este mágico!
Não quero mais ser criança!
O mágico vai me fazer virar uma televisão só para você
poder me dar atenção!
Eu te amo!
Felipe.
(Ana Stoppa)