Uma história sem fim
Estava de saco cheio. É isso mesmo. Devemos desculpá-la pelo uso de palavras curtas e grossas ao longo deste texto. Não que ela fosse assim, curta e grossa, mas somente essas palavras expressariam da melhor maneira o que estava sentindo no momento: raiva.
Raiva dela mesma, raiva do mundo. Raiva das pessoas que a cercavam, de sua casa, de seu trabalho, de tudo.
Estava sozinha há um ano. Era isso. Bom, não que isso fosse o fim do mundo, pelo contrário. Ano passado estava adorando ficar sozinha. Mas estava cansada. Cansada mesmo, já chegara ao seu limite. CHEGA! (em maiúsculas, para parecer um grito).
Há um ano que vivia única e exclusivamente para sua faculdade e para seu trabalho. Há um ano que chegava em casa, não para uma pessoa, mas para um gato dorminhoco e sempre faminto. E ela morria de inveja de seu gato. Gatos não sentiam amor.
Ah, o amor! Este sim é o grande mal do século. Para ela, felizes eram aqueles que não sentiam amor no coração. Seu maior objetivo era tornar-se uma pessoa extremamente fria. Amar para quê? Amar é sofrer – dizia ela. Nenhum amor dura para sempre. Quando não termina por traições e/ou brigas, termina quando chega a morte de um dos apaixonados. E como ela odiava sofrer! Bom, quem é que gosta? Tudo bem que, quando sofria de paixão, adorava ficar em seu quarto sozinha, ouvindo suas “músicas de fossa”, sentindo-se um personagem de novela das oito, tipo a personagem de Regina Duarte em “Por amor” na cena em que, após brigar com o personagem do Antônio Fagundes, se debulhou em lágrimas atrás da porta, caindo lentamente ao som de Zizi Possi cantando “Per amore” – ela adorava telenovelas. Assistia a todas. E adorava comprar o CD com a trilha sonora justamente para, em seus dias tristes (geralmente os domingos) chorar um pouco enquanto ouvia, sentindo-se a própria protagonista. E ai de quem viesse tentar consolá-la! Queria curtir sua tristeza. Ela adorava esses momentos de melodrama e sentia um prazer quase mórbido ao interpretá-los.
Mas até disso fartara-se. Já estava enjoada de suas músicas, e por mais que procurasse outras diferentes, não encontrava. Ia quase toda semana a alguma loja de CD, mas rodava, rodava e saía da loja sem comprar nada. Na verdade, não era aquilo o que ela estava procurando... E o que ela queria, não encontraria em uma loja de CDs – infelizmente.
Estava em um momento único de sua vida, isso ela sabia. Nesse “já chega”, ela percebia que era um “já chega” não só “já chega de solidão”. Era um “já chega DE TUDO”. Suas amigas já não a interessavam mais. Papos de academia, namoros, artistas de TV, fofocas... Estava saturada disso tudo. Encontrava-se em um momento em que não queria superficialidade; queria profundidade.
E isso a afastou de suas amigas. Principalmente quando entrou numa de só dizer a verdade e “foda-se o que os outros vão pensar!”. Se perguntavam a ela algo do tipo “amiga, eu engordei?” ela respondia na lata – se fosse a verdade – “nossa, horrores! Nunca te vi mais gorda!”. Já estava cheia do cinismo e da hipocrisia de outrora, cinismo esse que a sociedade impusera como parte de seu ser. Mas agora, só agora que estava sozinha em SEU mundo, ela percebera isso: foda-se a sociedade. De quê adiantaria continuar a mentir? Manter as amizades? Mas qual amizade pode existir em uma relação de mentiras, de falsidades? Se era pra continuar a viver assim, ela preferia morrer. Não morrer fisicamente, e sim deixar de pertencer àquela sociedade. Mas será que existe outra diferente? Em SEU mundo existia. Mundo esse que ela só descobriu agora – estando sozinha. Sozinha. Só. Só ela e nada mais. Só ela e – ninguém – mais.
Valera a pena esse um ano de solidão. Sim, valera, mas... já chega dele também! Onde estaria sua alma-gêmea? Sua cara-metade? Ora, será que isso existe? Será que somos mesmo seres incompletos que necessitamos de um outro alguém para sermos felizes? Não... Não somos. Bom, não sou eu quem está dizendo, mas ela (outra conclusão que tirou de seus momentos solitários). Ela era um ser só, nem gêmea era, nascera sozinha. E filha única! Sua felicidade dependia dela e de mais ninguém. E estava disposta a procurar. No geral, era feliz. Fazia a faculdade que sempre sonhara, tinha um bom emprego, morava sozinha, mas... Queria outra coisa. É a eterna insatisfação humana. Não a critique, você também é assim. Todos somos. Sempre seremos.
Pois bem, acho que já enrolei o bastante. Você deve estar querendo saber o final dessa história e eu estou querendo parar de escrever também. Porém, sinto em decepcioná-los, mas o fim dessa história não cabe a mim. Aliás, caberia a mim escrever aqui SE eu soubesse o que vai acontecer com nossa personagem, mas eu não sei. Pensei em colocar um homem fabuloso em sua vida, mas isso aqui não é conto de fadas, além do que, já vimos antes que a felicidade de alguém não depende da chegada de uma outra pessoa. Também pensei em fazer com que ela cometesse suicídio, mas acho que seria trágico demais, principalmente por causa da última conclusão que a solidão fez com que nossa amiga tirasse: a vida é banal. Banal mesmo, ‘to falando sério. Quer uma prova? Pegue uma foto de qualquer estado ou cidade tirada por um satélite. Mas tem que ser uma foto que dê para ver as luzinhas acesas, as ruas bem pequenas... Pegou? Então... Olhe e perceba o quanto somos pequenos. Pense agora em quantas pessoas há no mundo. Pense também em quantos planetas há no universo. Somos insignificantes. Formiguinhas de Deus... E então? Você se achava o máximo, não era? E agora? Continua com a mesma sensação de antes? Ainda acha que é o centro do mundo? Ainda acha que Deus lhe ouve quando você reza à noite? – se é que reza. Não nos enganemos mais... Nós não somos nada. E a personagem deste conto também não é. E se a vida dela – assim como a nossa – não vale nada, será que ela merece um final? Eu acho que não.