CONTO – Nobre, uma lição de vida – Parte XVII
 

CONTO – Nobre, uma lição de vida – A BRASOLEO e o Senhor Jamil Santos – 17.04.2012
 


...No interregno o Nobre, que estava morando numa casa encravada num “convento” alemão de freiras, dirigido pelo Frei Solano, foco de cobras (algumas foram pegas dentro de casa), pernilongos, lagartos e de malária, longe do centro da cidade, conseguiu arranjar uma casa antiga na avenida principal para onde se mudou com a sua família. Nessa altura, suas quatro filhas já haviam contraído malária, doença própria da região, inclusive uma delas, a mais nova, vivia constantemente em Recife, na casa de sua avó, pois sempre era acometida de inflamações na pele e aquilo preocupava bastante. Dona Adijanir, sua mãe, vivia viajando constantemente, levando-a e trazendo-a para tentar sua adaptação à cidade de Bacabal. Nunca dera certo...

            Mas, continuando... Quase no final do prazo de 60 dias concedido, o Jamil fora ao Banco saber como continuar com sua situação amenizada, ouvindo do gerente Nobre a promessa de que se ele conseguisse mais trinta mil o leilão seria adiado por outros sessenta dias. Admirado, não conseguira esconder seu ar de satisfação. – O senhor está falando a verdade? – Claro, não sou homem de mentiras. Então ele correra e novamente trouxe o dinheiro, amortizando a conta. O cheque era de outro banco, só poderia ser liberado após a compensação. Mais uma vez comunicada a GERAM esta apenas respondeu meio sem jeito, mas dando a sua conformidade ao procedimento. De outro lado, o Jamil recebera a “intimação” de que movimentasse sua conta de depósitos na Casa, recebendo a garantia de que nada lhe seria debitado sem comum acordo.

            A nova residência do Nobre, por coincidência, era praticamente colada na parede da indústria; a casa do Jamil era do outro lado da rua, e isso possibilitou a que eles de vez em quando conversassem sobre os mais diversos assuntos, inclusive, é lógico, a respeito da empresa, do mercado, seu faturamento, etc. Formou-se uma amizade, digamos assim, porém com “as barbas de molho”. Mas isso contribuiria para que o empresário se tornasse um grande admirador da maneira de administrar de seu vizinho ao qual passara a contar e se “abrir” sobre coisas e fatos de seus negócios. E nessa nova morada passou a conhecer muitas pessoas que se tornaram amigas: Vicente e sua mulher, Doralice, que viriam a ser compadres, mãe Cota, Terezinha e muitas outras.

            Com os leilões suspensos, a SUDAM retomou a liberação de verbas do incentivo, dando condições à aquisição de matérias-primas, voltando a BRASOLEO a produzir e a faturar para empresas de primeira ordem, tanto de São Luís (OLEAMA – Oleaginosa Maranhense S.A.) como do Rio de Janeiro. Mas aí já havia feito compromisso de só descontar suas duplicatas em outro lugar se o Banco do Brasil não o fizesse. Entendia o Nobre que não era justo facilitar a vida da firma e na hora de o banco ganhar dinheiro com as operações de descontos, no momento de comer o filé, o entregar graciosamente a concorrentes. Raciocínio lógico, todos diriam, mas descontar como se o limite da firma havia sido cancelado por causa da sua situação de inadimplência? 

        Mantida a palavra... Correu até Teresina, capital do Piauí, sem ônus para o banco, que já possuía serviço telefônico de longa distância e falou com o Diretor da Região Norte, Dr. Oziel Carneiro, pedindo que autorizasse os descontos da empresa, retendo-se dez por cento do líquido para abatimento da dívida, porquanto a agência era deficitária e ele tinha também a missão de dar lucro, recuperar o tempo perdido. Admirado com tanta coragem e disposição o grande diretor autorizara, mas pediu que fosse encaminhado tudo por carta em seguida. Era a primeira vez que o fazia por telefone.


            A recomendação do Diretor fora cumprida, inclusive submetida uma proposta de composição do restante do débito para pagamento em 36 meses, em parcelas mensais, com o que a situação passaria a ficar absolutamente normal tanto na sua condução como nas amortizações previstas. Seria saneada a empresa, não havia dúvidas.

            Mas há um porém. A uns cinco dias do balanço de junho/1971, examinando as contas de receitas e despesas, notara o gerente Nobre que não daria para a agência sair do prejuízo naquele semestre, seu primeiro à frente dela. A perspectiva, pelos cálculos, era de um prejuízo de 38 mil. Poxa, depois de tanta luta, dessa e de outras menores aqui não relatadas, inclusive a do Januário Silva!  Então surge uma brilhante, mas não muito ética ideia que fora posta em execução. Ele escrevia muito bem na época. Foi à máquina e “bolou” um aerograma como que partindo da Direção Geral para a agência em que dizia mais ou menos assim: “... em face disso... comunicamos que qualquer proposta da empresa BRASOLEO só será estudada se a postulante recolher o valor de 48 mil que se encontra registrado em “Rendas em Suspenso”, atinente a juros, comissões e multas contratuais não pagas nas épocas oportunas”. E assinou na primeira via, engendrando um carimbo do Banco. Convidou o Jamil à agência e mostrou-lhe a missiva. Para surpresa, ouviu dele: -“pode mandar fazer o recibo que pagarei ainda hoje”. E pagou, o lucro foi de 10 mil aproximadamente. A Direção Geral jamais soubera disso, nem ninguém nunca ensinara o Nobre a ser gerente.

  
            Composta a dívida, a partir de então passara a ganhar todo mundo: a cidade, o Estado, a produção, a mão de obra, o banco, a empresa. O dinheiro recomeçara a circular espalhando riqueza, a satisfação era geral. A BRASOLEO galgou a posição de segunda maior empresa a recolher o ICM do Estado do Maranhão, mas o Nobre não alcançou esse acontecimento, pois havia sido transferido em face da doença de sua filha. Soubera através de amigos e colegas que lá ficaram. O Jamil passara a ser mais respeitado no meio empresarial da região. O débito houvera sido pago em menos de 24 meses!

            O tempo passa, a vida encurta, e eis que quando o Nobre almoçava em sua nova residência em Aracaju, uns doze anos depois, seu telefone toca. Ao atender ouve uma voz sofrida, distante. Era o Geraldo, engenheiro, um dos rebentos do Jamil, falando de um hospital do Rio de Janeiro: “Nobre, papai acabou de falecer falando no seu nome, dizendo que nós tínhamos sido muito ingratos para consigo, nunca retribuímos o que você fizera conosco”, no que o Nobre respondera: “Coisa nenhuma, eu que nada fiz para vocês, por sua causa eu fui promovido na minha carreira. Que Deus o mantenha em bom lugar”. E se despediram, mas dos olhos desse gerente as lágrimas rolaram...

Um abraço. Até outra hora.
Aqui tudo é verdade e não há coincidências.
Em revisão.
Nota: A foto é via INTERNET, da antiga rua da Brasoleo e da casa em que o Nobre morava. Pena que não tenha encontrado o NS dos Anjos de antigamente, eis que hoje se transformou numa comunidade, sendo que praticamente todas as fotos de Bacabal estão sujeitas ao pagamento de direito autoral...isso é demais.
Ansilgus
ansilgus
Enviado por ansilgus em 22/04/2012
Reeditado em 23/04/2012
Código do texto: T3626650
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.