O caminho de um menino pobre.

É sempre muito importante relembrar o passado e, muito mais se este traz em seu bojo informações que possam atuar positivamente na atualidade.

Sou de origens humildes e, a pouco tempo descobri que fui adotado, mas não me importa muito isto, pois, Deus me colocou no seio de uma família amorosa e sincera, pobre na verdade, mas meus pais Sebastião e Branca, dotados de um amor celestial, fiizeram de um sonho renegado, um ser humano realmente humano e, hoje reune em si condições de continuar a sua peregrinação neste mundo de meu Deus.

Papai era uma pessoa sem instrução, mas guerreiro que nunca afrouxou em qualquer batalha. Em vida , realizou muitas coisas, as que me lembro e testemunho com mais veracidade foram o de preparar couros bovinos em um cortume fétido e depois do expediente a de carroceiro.

Somos naturais de Piraju, interior do Estado de São Paulo e, para todo aquele que um dia quiser perguntar pela cidade quem foi Sebastião de Mello, obterá em sua grande maioria muitas boas informações, algumas talvez não tão agradáveis, porém daqui breves palavras poderei explicar, em defesa da memória de meu grande heroi.

Depois do trabalho no cortume, meu pai atrelava o cavalo à carroça e seguia em direção ao centro da cidade e de lá retornava para casa depois das 21h para se levantar no outro dia às 5h30 para começar a labuta no cortume e continuar a sua jornada com a sua carroça.

Quando chegava no final do dia, trazia para casa o pão, o leite, o danone, a carne, enfim, tudo o que nós precisávamos e desejávamos comer. Como ele fazia para comprar ,certamente me faltarão palavras para descrever, mas bem sei que derramava o seu sangue em suores,não poucos, mas em bicas e ainda trazia estampado em seu nobre rosto, o sorriso misturado com o cansaço e até mesmo exaustão do trabalho, para fazer-nos sorrir e acreditar na vida.

Nos finais de semana, pegava sua carroça e ia aos campos ou invernadas, como ele próprio dizia e, recolhia em sacos de nylon as bolotas de fezes das vacas .Carregava a carroça e as trazia para casa, para depois moê-las, ensacá-las e vendê-las como adubo.

Muitas vezes eu e um de meus irmãos ajudávamos a moer o chamado esterco e carregávamos a carroça.Eu na época tinha pouca idade, oito e nove anos, mas via todo o sofrimento e o queria ajudar.

Em muitas vezes, quando triste em virtude de não realizar os trabalhos com a carroça, meu pai me falava: "Estuda filho, para que você nunca puxe carroça como o teu pai!". Tais palavras gravaram em mim com tintas fortíssimas e segui o conselho.

Quando comecei a minha trajetória escolar, minha saudosa mãe Branca me levava todos os dias para a escola da Vila São José, em Piraju, a antiga E.E.P.G.Prof.João Baptista da Rocha Corrêa, hoje Diretoria de Ensino da Região de Piraju.

Mãe Branca sempre me conduzia com todo o carinho, roupinha limpinha, material escolar impecável, lancheira cheia com suco e esfirra do Bar do Binhaça, existente até hoje na cidade.

Fiz os primeiros anos do ciclo I do Fundamental e prossegui. Não fiz a pré-escola, mas com 6 anos e meio fui para a primeira série. Na sequência fui para a quinta série no período da manhã e depois mudei de escola para cursar o Ensino Médio à noite, na sempre E.E.Cel Nhonhô Braga.

Um dos fatos que lembro-me no período de quinta à oitava série é, que como meu pai havia se aposentado do trabalho no cortume, ele agora trabalhava o dia todo com a carroça. Por isso, ele fazia questão de me levar na escola.

Muitos iam à escola a pé ou em seus suntuosos carros, eu pobre menino, achado e adotado, privilegiado por Deus, ia de carona na carroça de meu pai. Isto durou alguns anos, à medida que ia ficando moço, comecei a ter vergonha disto e, dispensava a carona e a dádiva dos cuidados paternos.Hoje,me envergonho não de meu pai, mas de minha burrice e falta de consideração.

Realizei meus estudos somente na escola pública.Certa vez, minha professora de português, Senhora Maria Solange Porto Sanches, me perguntou: " Sérgio, o que você quer ser quando crescer ?"- eu lhe respondi: "Quero ser professor de português!".

Deus selou estas palavras no céu e as cumpriu.Sou docente há 14 anos, pós graduado pela USP, efetivo na rede estadual e municipal.Sou feliz , porque segui os conselhos de meu pai, e trilhei caminhos de justiça.

O carroceiro, que muitas vezes abusava dos seus cavalos, fazendo-os trabalhar além dos limites para que pudesse me assistir, para que hoje pudesse aqui relatar fatos de minha doce dura vida, bem falado por muitos em Piraju pela sua honestidade e amor ao próximo, mas criticado também pelos seus cavalos adoentados em virtude do excesso de trabalho, deu-me condições de ser um homem com H maiúsculo.

O pobre menino abandonado, recolhido e amado pela família Mello, já deu aula para os filhos dos ricos e dos pobres, em escolas públicas e particulares de São Roque,Ibiúna e Mairinque, é o que hoje se apresenta em decorrência de um amor incondicional e celestial, que me abrigou e me fez sentir importante.

Hoje, tenho condições através das minhas palavras propagar além do conhecimento da minha área, o amor, a solidariedade e enfatizar que quando se acredita e investe de fato no ser humano, sem pensar num retorno imediato, este pode dar fruto e este ser de bom paladar.

Caminhos são muitos, mas poucos são capazes de apontar e direcionar uma criança com tanta eficácia, quando não se tem recursos materiais e instrução. Porém agradeço a Deus pelos meus grandes pais e, que meus escritos possam inspirar outros a fazerem o mesmo a tantas crianças abandonadas, desacreditadas e renegadas pelos seus geradores, neste Brasil e mundo afora.

Amar é acreditar, acreditar é ter esperança naquilo que hoje nada simboliza, tal como o que planta a semente na terra, pois, a semente se esconde,morre mas depois dá muitos frutos, se regada e cuidada com amor por aquele que plantou e acreditou na força da vida.

Obrigado meu pai, minha mãe, descansem junto a Deus, pois vocês merecem uma eternidade de gratidão deste sempre teu pequeno, mas grande filho!

SérgioLumell
Enviado por SérgioLumell em 21/04/2012
Código do texto: T3625362
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