CONTO – Nobre, uma lição de vida – Parte XVI – Bacabal (MA)
 
     Apenas um pequeno preâmbulo: “Pirilampo, como vai a aceitação dos leitores a propósito dessa ideia maluca de escrever um livro”, perguntara-me o velhinho Nobre. – Sabe, meu grande amigo, na realidade o povo só aprecia mesmo leituras diferentes; por exemplo, se você passar a mudar o curso da história e começar a dizer que era desonesto, cachaceiro e outros adjetivos as leituras vão dar uma curva pra cima de muito mais de cem por cento; outro fato é que cada parte dessa sua vida eu estou tentando fazer com o máximo de mil palavras, justamente para não cansar os leitores; mas na verdade, e aqui pra nós, a grande maioria gosta mesmo é de ler textos de três versinhos, eis que mais rápido; sobre os comentários não há de que se preocupar, porquanto uma boa fração dos que comparecem ao Recanto das Letras não lê “piroca” nenhuma, basta ver um comentário de um leitor qualquer e em cima dele dá a sua opinião, coisa que acho uma vergonha; caso você queira desistir, tudo bem, mas estará dando muito valor a essa besteira; sim, porque o que estamos falando nesse trabalho é de coisas verdadeiras, fatos que aconteceram mesmo, e vão ficar na história; não importa que seja o Nobre, pois poderia ocorrer com qualquer outra pessoa do bem.
 
CONTO – Nobre, uma lição de vida – PARTE XVI – 17.04.2012
 
 A BRASÓLEO e o Senhor Jamil Santos
 
            Já contara o Nobre sobre a desorganização que encontrou na filial do Banco do Brasil  em Bacabal, interior do Maranhão, quando de sua posse na gerência, no início dos anos setenta. Deficitária, oitenta por cento de operações anormais, “lanterninha” na captação de depósitos, fechava mais cedo do que os outros bancos, gerente e subgerente convidados a deixar os cargos, etc.

            A BRASOLEO – era uma indústria que esmagava o babaçu, produto abundante e nativo da região, e dele se extraía o óleo bruto (essa prática continua), que depois poderia ser usado tanto para alimentação como para outros fins industriais; e a torta, esta destinada ao consumo do gado, rica em proteínas. Geralmente era exportada para a Alemanha, onde mediante solvente, ainda se retirava dez por cento de óleo. Nas fases de entressafra também beneficiava arroz (pilava), que é um dos principais produtos cultivados pelos agricultores daquelas plagas, predominantemente dedicada à pecuária de corte, de engorda de bovinos. Claro que por toda a região existiam pequenas indústrias de beneficiamento de arroz, isto é de tirar a casca, deixá-lo limpo já para o consumo.

            Dirigida pelo senhor Jamil Santos, de procedência árabe, homem inteligente, era apoiada pela SUDAM – Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia, autarquia que, juntamente com a SUDENE, fora retirada de circulação nos governos de Fernando Henrique Cardoso, a meu entender um grande mal que causara às regiões norte e nordeste. Sim, desvios existiam e muitos. Era só corrigi-los, mandar os ladrões para a cadeia, ao invés de fechá-las. Mas no Brasil tudo é assim, resolve-se da maneira mais fácil sem procurar o remédio ideal para sanear as irregularidades. É que a ladroeira já parte lá de Brasília, isso de diversas formas, até mesmo na confecção de leis; penso que muitos políticos ainda estariam recolhidos ao xilindró.

            No Banco do Brasil a empresa estava completamente irregular, atrasada nos pagamentos, já acionada na justiça, com dois leilões programados em face da penhora realizada, significando dizer que o Sr. Jamil perderia todos os seus bens, inclusive os particulares, que constavam das garantias reais dos seus débitos. Além do mais ele e sua esposa, principais donos eram fiadores do negócio. Não havia mais jeito... Seria o fim de tudo que conseguiram ao longo de sua vida; uma desgraça, mas a providência divina nunca falha.

            No segundo dia de expediente na agência depara-se o Nobre com aquele homenzarrão, forte, já de cabeleira gasta pelo tempo, documentos à mão, inclusive plantas de fazendas e da indústria, querendo conversar com o gerente (naquele tempo não se falava em audiência no interior). Logo que avisado o Nobre pedira seu processo, fichas de escrituração e cadastral. Aguardou sua vez, pacientemente, até que entrara meio “azucrinado”, nervoso, e não era para menos. Ora, apresentar-se ao novel gerente com uma atuação calamitosa, inadimplente, o deixara assim... Seria humilhação ou estratégia de devedor em atraso?!

            Para amenizar, o Nobre serviu-lhe um cafezinho de sua garrafa térmica, e isso já causara admiração àquele senhor, pois o regime do banco era de completa “secura”; café só mesmo para os funcionários. A iniciativa da mudança partira da gerência: “Senhor Jamil não consigo entender como é que sua empresa deixa a situação ficar tão embaraçada no Banco, não recolhe uma prestação sequer há mais de dois anos, hastas públicas já marcadas, etc.”. Então ele justificara que as safras dos últimos dois anos, apesar de boas, não renderam o suficiente em termos de preços, pois o mercado estava abarrotado tanto de arroz como de óleo. Sem capital de giro e sem crédito na praça não pôde cumprir seus compromissos.  Atrasado no banco, a SUDAM por seu turno deixara de liberar as parcelas do incentivo que cabia à empresa. Já nem mais dormia, estava “no mato sem cachorro”.

            Aquilo era um grande desafio, logo na sua primeira investidura no comando de uma agência deparar-se com um caso tão grave, envolvendo uma quantia muito alta e além do mais já conduzida pela esfera superior da Direção Geral, o que significava dizer que qualquer ideia, opinião, sugestão deveria ser encaminhada antes de tudo àquele órgão... Mas não havia tempo para isso...afinal a sua nomeação foi feita no sentido de resolver problemas e não adiá-los, “empurrar com a barriga” como se diz na gíria.

          Claro que o Nobre pensara baixinho: “... porra, o banco botou pra me acunhar”. E decidiu testar o Jamil Santos, desafiando-o que se ele conseguisse amortizar a dívida em trinta mil imediatamente, o leilão seria suspenso por 60 dias. Não deu outra, o cliente saiu e voltou em menos de meia hora com o dinheiro. Fisgada a empresa, só aí veio notar o gerente da grande “besteira” que cometera. Feita a amortização, o próprio Nobre fizera uma correspondência ao Serviço Jurídico, que funcionava em São Luís, autorizando que fosse requerido ao Dr. Juiz que presidia o feito a dilação do prazo. Os advogados esboçaram não atender, alegando que não se poderia agir daquela maneira sem anuência da Sede, no que tinham razão, mas foram advertidos de que quem mandava na agência era o gerente, ele era o responsável por tudo. Tinha de falar grosso. Assim fora feito.

            Na expectativa de que estava “abafando” deu ciência da decisão que tomara a GERAM – Gerência da Região Amazônica, conduzida pelo competente Wilson Ribeiro Lopes, em face do que fora amortizado, mas isso gerou certa contrariedade aos superiores, que expediram uma carta considerada agressiva, deixando o Nobre desconcertado e até tristonho, porquanto no primeiro contato que manteve com a devedora conseguira uma amortização expressiva, coisa que não se fazia há mais de dois anos! Não engolira alguns termos... Foi à máquina e escreveu de volta pedindo que fosse retirado um deles, que enquadrava a agência como tendo agido com “preguiça”, “falta de movimento”, “inércia”. O competente Nilson Santiago, que chefiava a CREAI – Carteira de Crédito Agrícola e Industrial -, que depois fora requisitado pelo Banco Central, e o subgerente em exercício, Airton, estranharam a carta, mas como o Nobre assinara sozinho... 

          A resposta fora um severo não e ainda mais dizendo que confirmava tudo o que fora dito na mensagem anterior. De cabeça mais fria foi que raciocinou corretamente. Ora, a “chamada” estava sendo dada na filial, e como ele acabara de assumir nada lhe atingiria, claro. Além do mais a empresa é impessoal.

Fico por aqui, até a próxima.
Sem revisão de texto.
Ansilgus
           
 
 
ansilgus
Enviado por ansilgus em 19/04/2012
Reeditado em 19/04/2012
Código do texto: T3620987
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