Steve, o navegador
Steve, nem McQueen, nem Martin. Não sei o sobrenome de Steve. Só sei que o Steve bebia muito. Muita cerveja o tempo todo. Era macérrimo. Eu sei que cerveja engorda, porém, no caso dele ocorria o efeito oposto. Não tinha vontade de comer pois estava sempre bêbado. Não era dessas bebedeiras que você conhece. Nada disso. Você nem percebia seu estado. Era como se ele estive em transe, em meditação. Eu sabia porque sabia, a maioria das pessoas, quem não o conhecia, nem percebia. Outra coisa, não pense que ele era vagabundo, nem nada. Trabalhava direitinho, claro, sempre “em estado de transe”. Era mecânico de máquinas e trabalhava quatro lagos de distância de sua casa. Isso mesmo, havia muitos lagos na região e Steve morava num trailer. Usava uma velha caminhonete Ford para ir ao trabalho. Ia serpenteando nas estradas em volta dos lagos para chegar. As pssoas falavam para ele, que serpentear ele iria de qualquer jeito, mesmo sem lagos, com todo aquele álcool na cabeça. Acho que ele não entendia. No serviço, Steve era perfeito, só tinha um defeito. Alguns minutos antes de terminar o turno, ele já pegava suas coisas, cartão de ponto na mão, e olhava fixamente para o relógio, daqueles antigos. O danado era de uma precisão incrível. Nanosegundos após o relógio clicar, já estava tudo registrado e ele no estacionamento. Ninguém sabia explicar como ele sumia tão rápido. Próxima parada: 7- Eleven. Juntava uns pacotes de latas de cerveja e “voava”, quero dizer, serpenteava, pela pequena estrada. Chegava afoito em casa, nem entrava no trailer, sentava-se do lado de fora, olhava para o lago e começava a beber...de novo.
Um dia “a casa caiu.” Não, o trailer não caiu. Steve foi pego dirigindo bêbado para o trabalho. Um policial novo, transferido para a região e que sabia distinguir “estado de transe” normal ( se é que existe, normal?) de estado de embriaguês profunda, achou que algo estava esquisito e parou o motorista. Steve, otimista, pensava dentro de seu nirvana, que tudo se esclareceria na posto policial. Nada. Foi preso, perdeu a licença para dirigir, ou como a gente diz no Brasil, perdeu a habilitação. Passou por um longo drama, advogado e grana emprestada para pagar o mesmo, cursos de direção. Processo longo mesmo, mas um dia voltou a dirigir. Estava feliz e feliz como estava, precisava beber. Afinal, a cerveja para Steve era como água e água é a própria vida, não? Foram só semanas até que o mesmo danado policial, cumpridor insaciável de suas funções de vigilante da sociedade, pega o Steve de novo. Desta vez ia ser difícil conseguir a carteira de motorista de volta. Deu-se por feliz por não ficar muito tempo na cadeia. E agora, sem “drivers license”, como trabalhar? Não havia carona, e ônibus naquela região, nem pensar. Pensou, pensou. Montou então um sofisticado sistema “cicloaquático”. O nome é meu, me desculpem. Era mais simples que isto, embora complexo. Ele ia de bicicleta até o próximo lago, amarrava a bicicleta numa árvore, pegava um bote, descia do outro lado do lago, pegava outra bicicleta que tinha deixado lá previamente e assim ia, repetia a operação e finalmente chegava ao trabalho. Não dava para pôr a bicicleta no barco pois este era muito pequeno. Barco maior, algum policial poderia querer prendê-lo por “navegar” bêbado. Simples: três barcos e três bicicletas depois, lá estava Steve pronto para o serviço. Explico: não precisava da quarta bicicleta e do quarto barco porque entre o segundo e o terceiro lagos a distância era pequena e ele podia arrastar o barco pela chão.
Steve, perguntou um amigo, “Vale a pena tudo isto? O seu irmão mais velho é solteiro também, e com certeza, te daria lugar e comida no trailer dele, você nem precisaria trabalhar”. Indignado, Steve, bom trabalhador, responde que “ Nem pensar, comida e morada? E minhas cervejas? Você quer que meu irmão seja responsável por minhas cervejas?” Claro, pensei comigo, é tudo uma questão de prioridades...
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