O Caso Jaqueline

Era um dia de festa. Embora fizesse frio, todos saíram às ruas e houve fogueiras e músicas, sorrisos, e era julho. Houve quentão. E brincadeiras de roda e doces de amendoim. Houve também o sorriso da mulher morena de tranças negras e sardas pintadas com caneta esferográfica nas bochechas vermelhas, e que ora se abriam, como uma espécie de mar vermelho para que toda a felicidade daquele instante explodisse em seus lindos lábios de Afrodite com chapéu de palha.

Saibam aqui os senhores: estas não são palavras de amor, nem tampouco de desejos. É apenas uma nota explicativa sobre a velha que apareceu para roubar a cena. E saibam também os senhores, que sou um homem de conflitos. Que não gosto da capacidade que tenho de sentir falta. E por quase todas as noites, quando vou me deitar, rogo à vida, não por um amor, mas sim, por um sono de três ou quatro semanas, para que eu sonhe com alguma vagina saltitante em meus lábios, ou com singelas borboletas num jardim de flores com nomes desconhecidos.

E os senhores irão me sentenciar. Eu sei, pois também me sentencio. Me julgarão como insano e desventurado só porque sou dono de sorrisos! No entanto, alego que a sentença mais árdua também apenas me fará sorrir mais uma vez. Nem que seja a última das vezes. Por fim, então, comecemos.

Eu havia acabado de chegar à cidade. Fui demitido do quarto emprego em menos de dois anos, e precisava de férias. Cheguei na recepção de um hotel, e lá estava também o sorriso da mulher morena de tranças negras e sardas pintadas com a glória do meu próprio memorial de insanidade. Claro, senti tesão.

Devo dizer também, caros senhores, que mulheres morenas estão por toda a parte. Aquela, no entanto, só resolve me aparecer quando eu fecho os olhos e me sinto livre. Mas tratei de conhecer a vida, senhores! De esgarçar bocetas de prostitutas drogadas, de chupar os peitos das mocinhas amarguradas e lamber as pernas das orientais, como se fossem um sorvete de flocos.

Esta mulher morena, na verdade, era uma garota. Dezesseis anos, escrevia uns versinhos e não era virgem desde os quatorze.

Há tantos anos antes de ela vir ao mundo, ali perto, uma senhora que aparentava seus sessenta anos me olhou e disse que queria chupar as minhas bolas.

- Vou te jogar praga, rapaz! Tenho idade para ser sua mãe.

Confesso que a velha causou em mim deliberado espanto, e infelizmente não pude deixar com que ela desfrutasse dos meus sabores e dissabores sexuais.

Agora, no entanto entrou pela porta uma senhora cabisbaixa e sonolenta, me olhou e disse:

- Eu me lembro de você!

- Caralho!

- Eu quis chupar as tuas bolas!

- Sim, era você, ou quero dizer, a senhora!

- E a tua mãe, como vai?

- Ela morreu.

- Ah, meus pêsames... Éramos amigas.

- E seu pai, como está?

- Fugiu de casa pouco antes da minha mãe morrer.

- Oh, sim, éramos amantes...

A mulher morena me olhava e sorria de soslaio. A velha ainda carregava a essência de uma juventude mal comida, eu olhava a velha, decifrava o sorriso da mulher morena e sentia tesão pela mulher morena, tentando despachar a velha.

- Quer suco? - Perguntou-me a mulher morena.

- Qual é o teu nome? - Perguntei a ela.

- Jaqueline.

- Olha, vê se não começa, Beto!

- Não vou comer ninguém, Cleusa. Pode ficar tranquila.

A velha então se aproximou de mim, colou os lábios no canto da minha orelha e disse em tom baixo e confidencial:

- Que pena, Beto. Essa aí é pra você, menino! Tá louca pra dar, mas aqui ninguém consegue comer. Sabe como são essas garotas, né... Selecionam uma foda como se fosse feijão.

- Mas quando se está com fome, qualquer coisa vale, não é assim?

- É.

- Então, o que me diz?

- Digo que quero fumar, Cleusa. E fiquei surpreso por ter encontrado você outra vez. Desculpe por não ter te deixado chupar as minhas bolas há alguns anos atrás...

- É, o mundo dá voltas, Beto...

Olhei Jaqueline, que arrumava cuidadosamente o último gomo da trança. Tinha uma virilidade incoerente, um cheiro de boceta lavada e peitos pequenos. Senti um golpe de ar gelado que veio lá de fora, e logo fui obrigado a mudar a linha de pensamento. Não comeria ninguém. Jaqueline era um pecado!

A Joyce acabara de se mudar para a Venezuela. Seus olhos eram azuis e ela uma vez disse que iria se casar comigo. Eu acreditei e abri um sorriso largo, talvez o sorriso mais bonito que eu haveria de ter presenteado a alguém.

Mais tarde, Jaqueline e eu conversamos e eu lhe contei sobre o “caso Joyce”. Disse que iríamos nos casar quando ela voltasse da viagem, e a menina começou a sorrir.

Devo dizer que Jaqueline era linda. Não parecia ter dezesseis anos, eu lhe daria vinte! Não parecia tão juvenil, porque eu lhe teria dado a eternidade no quintal de alguma estrela!

Na manhã seguinte, a velha não acordou. Engasgou-se com a própria saliva porca, e a saúde já debilitada pelo fumo e pela solidão – Jaqueline era tudo então o que a velha possuía – lhe causaram o fim de todas as cores.

Foi Jaqueline que entrou no quarto e disse:

- Beto, minha avó morreu.

- Como?

- Não sei, mas eu chamo e ela não fala nada. Tá gelada feito um picolé, Beto! Beto, ela tá morta, cara! Ela tá morta!

Jaqueline chorava bastante e era triste vê-la assim. Fortes emoções no meu segundo dia nessa cidade!

Então abracei Jaqueline, e ela me beijou o pescoço e disse que queria trepar.

- Agora?

- É.

- Agora não dá, porra. Sua avó tá morta.

- É, eu sei. Sou uma imbecil, mas quero ser sua hoje, Beto. E para sempre! Minha avó falava que você era o melhor garoto que ela conheceu. Cresci ouvindo ela dizer que queria ter chupado as tuas bolas.

- Jaque...

Quando me perguntaram sobre o que escrever o que havia acontecido naquela fabulosa semana de julho, onde as madressilvas se excitavam ao som dos grilos e as vozes cantarolavam melodias de desejo, logo imaginei também e me pude lembrar, em fragmentos dispersos e confusos, da mulher morena e da velha que morreu com vontade de chupar as minhas bolas.

E saibam os senhores, que naquela noite não trepei com Jaqueline, nem tampouco com ninguém. Não me faltou o desejo, confesso, nem tampouco faltaram beijos, beijos tivemos por tudo o que era canto do corpo, mas as horas trataram de narrar nossos devaneios.

E saibam também os senhores: não me acusem pela morte da velha. Ninguém jamais se interessou pela velha. Nem mesmo vós. Ela é, foi e será para sempre de toda inutilidade para nós, seres humanos. Meu pai amou aquela mulher. Fugiu com ela para o interior e deixou uma família sem mais nem menos, alegando ser coisas do coração. Depois morreu, e a velha foi então ao encontro dele.

Não compreenderam a profundeza da alma da velha. Meu personagem mais desnecessário e perfeito. Não entenderam que ela chorou a noite, nem tampouco entenderam o peso daquelas lágrimas e daquela angústia toda e daquela sabedoria estranha de velha que possuía.

- Só tem louco nessa porra!

E se me perguntares – o que houve com a tua narrativa, Seu Benedito? Conte-nos sobre a trepada louca com a mulher morena – eu vos responderei: é segredo. A culpa é toda da velha. Que resolveu morrer no meio da história e acabar com a narrativa. E que também morreu com vontade de chupar as minhas bolas, mas antes me apresentou meu mais novo caso de amor.

São Paulo, abril de 2012.

Heitor Henrique
Enviado por Heitor Henrique em 17/04/2012
Código do texto: T3617013
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