CONTO – Nobre, uma lição de vida – Parte XV – Cuité (PB)
 

 
CONTO – Nobre, uma lição de vida – Parte XV – 11.04.2012 – Cuité (PB)
 
         
        ...Dia do jogo. Da sede do Expressinho ao campo distava mais de 1 km. Todos de pé, caminhando, o “esquente” e também uma maneira de mostrar ao povo que se “embandeirava” à frente de suas casas, do povoado, que o Expressinho se tornara uma realidade. Ao chegar, “casa cheia”, gente saindo pelo “ladrão”, eis que a circunvizinhança da cidade se fez presente (o estádio era cercado de avelós, planta braba da região, oriunda da África, que produzia um líquido branco leitoso, dizem que era bom pra feridas, mas que cegava; quando adulto, fechava mesmo e era difícil alguém penetrar através dele), foi quando o Zé Badé correu de encontro ao Nobre e “azogado” (virado na peste, puto, agoniado e brabo) falara que não deveríamos jogar porque o outro time estava com alguns jogadores de outras cidades.  Nada disso, dissera-lhe o Nobre, o povo está querendo jogo e não tem culpa de nada, aliás, nem sabe do acordo que fora feito. O Badé era um cara admirável: “Se é assim então vamos jogar”, disse o grande alfaiate. Que Deus o tenha guardado no melhor dos cantinhos do Céu


            Ao sempre cordial Manu (que era do Cuité) fora confiada à direção da partida, era o árbitro central, e os bandeirinhas arranjados de última hora dentre os voluntários que apareceram e que conheciam um pouco das regras do futebol. Bola rolando, jogo duro, havia um atleta adversário que pontapé do “peito pra cima era canela”, advertido logo de cara pela arbitragem, portou-se dignamente até o final da partida, cujo resultado foi contrário ao Expressinho (1x0). Perder na estreia não era coisa boa, ainda mais com material todo novinho em folha. O nome do jogo fora Massangana, grande craque que jogara nos principais clubes da Paraíba e até no time Santa Cruz, do Recife. Já terminada a carreira profissional, vivia numa propriedade rural nas redondezas de Cuité, por quaisquer dez cruzeiros ele jogaria. Nada não, seria pedida uma revanche, vamos treinar mais e mais, desabafara o Nobre.

          Novo desafio fora feito, porém sem condicionantes. A família do Tenente Galdino, diretor do Expressinho, morava em João Pessoa, para onde ele se deslocava toda a semana. Data marcada, o Nobre o chamara para uma conversa. Encomendou que trouxesse dois grandes atletas na véspera do novo jogo, isto é, no sábado por volta das 18h30min, mas que tudo fizesse para ninguém desconfiar, que despistasse, assim como nem os conhecesse, e os conduzisse à sede do clube, onde já estava tudo montado, camas, toalha de banho, um enxoval, digamos assim. Dona Adijanir, mulher do Nobre, pagava o pato, trabalhava demais para que tudo desse certo.  Toda infraestrutura, comida farta, roupa lavada, por conta do presidente. Só apareceriam na horinha do jogo. E assim fora cumprido religiosamente. Eita tenente “barra de gota”

            Todos ao campo, a refrega estava sendo aguardada com muita ansiedade. O Expressinho já era detentor de uma grande torcida, menos do que a do Cuité, mas quando se adicionava os simpatizantes do entorno os lados se equivaliam. Hora do jogo, o adversário contestara quanto à colocação de pessoas de fora do município. Não receberam guarida suas alegações, pois “quem faz aqui paga aqui mesmo e com a mesma moeda”. Contornada a divergência, exigiram que o Nobre apitasse o jogo. Pura sabedoria, a fim de desfalcar a equipe, o presidente queria jogar... Além de tudo estava em disputa uma taça oferecida pelo gerente do banco, Senhor Caldeira... Ninguém queria perder.

            “Clássico” duro, bem disputado, o ponta direita que o Tenente trouxera era mal comparando como Garrincha, da seleção brasileira. Tudo caminhava para o zero x zero, empate sem gols. E não havia sido combinado quem ficaria com a taça no caso de não haver vencedor. Até que driblado pelo ponteiro um zagueiro do Cuité, em última instância, coloca a bola para escanteio. O atacante se encarregara da “cobrança”, de recolocar a bola em jogo. Ajeitou a “redonda”, mirou a pequena área e mandou um chute enviesado, de curva, sem defesa, no ângulo, “onde a coruja dorme” no dizer dos locutores de rádio. A bola desnorteou completamente o goleiro Zezinho e ultrapassara a linha de gol, indefensável. Nobre confirmara o gol. Confusão geral... Protestos do time, da diretoria e de torcedores. O Cuité decidiu não continuar jogando, só se anulado o gol, “correra da parada”... Fora roubado segundo eles! Saiu de campo, abandonou a partida.

            Acalmados os ânimos, refeita a normalidade, a difusora comunitária desde as 19:00 horas não fazia outra coisa a não ser falar do jogo e a criticar a atuação do árbitro. Como uma notícia triste, fúnebre. De casa, o Nobre ouvia tudo, aí deu a gota. Vestiu uma camisa e fora tomar satisfações com o locutor, que também era atleta do Cuité. Tomou-lhe o microfone “a pulso” e deu seu recado ao povo, colocando as coisas nos seus devidos lugares, contando com a ajuda do Delegado. Foi o suficiente para que o sujeito parasse com a gozação. Depois o radialista tornou-se amigo do Expressinho e até jogara algumas partidas. Bom jogador.

            Manhã da segunda, mais parecia quarta-feira de cinzas. As paredes de todos os muros disponíveis na cidade estavam todas pichadas: Nobre 1 X 0 Cuité. Crítica infundada, de apaixonados, criação típica do Barros, que não sabia perder. O gerente vendo aquela pichação convidou o Nobre para uma conversa. A quem entregar a taça? Ao Expressinho, claro. Ganhara. Além do mais o adversário fugiu de campo, ainda havia tempo suficiente para fazer gols e até ganhar o jogo. Convencido, Caldeira entregara a taça.

            Decorrido pouco mais de um ano de sua investidura na presidência da associação o Nobre resolvera entregar o cargo a um sucessor de primeira linha (funcionário de menor escalão), porquanto os serviços do banco não mais permitiam que pudesse se dedicar ao cargo. Trabalhava até pela madrugada, morava parede com parede ao banco. Em muitas ocasiões saía às 18:00 horas e voltava pro banco às 19:00 para atualizar os serviços, ficando noite adentro. Era como deixar a família em segundo plano. A sua esposa ouvia de seu quarto as batidas da máquina de escrever e isso lhe dava a certeza de que estava mesmo trabalhando. O banco nunca exigira formalmente tanto sacrifício, porém dizia que os serviços obrigatoriamente deveriam ser concluídos de pronto, rapidamente. “Como fazê-lo sem funcionários suficientes? Não havia como. Valeu a pena, diz o Nobre, minha carreira foi montada no sacrifício, mas venci. Sempre fui feliz em Cuité. Nesses dias, antes de morrer, tenho de fazer uma visita para rever amigos que lá deixei”, concluíra...

Ansilgus
 
Até a próxima. Sem revisão.
As semelhanças não são coincidências.
ansilgus
Enviado por ansilgus em 16/04/2012
Reeditado em 17/04/2012
Código do texto: T3615420
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