OS EMBALOS DE SÀBADO À NOITE
OS EMBALOS DE SÁBADO À NOITE
Todo sábado era a mesma rotina. Quando chegava à tardinha, Manuela sentia-se uma bruxa. Não gostava nem de se olhar ao espelho. Estaria certamente, descabelada, bochechas avermelhadas, cheia de poeira e suor. Vestida de trapos e cheia de caras e bocas, ninguém reconheceria naquela figura a gerente de banco competente que ela era. Ficava assim, pois era maníaca por arrumação e limpeza. Aos sábados era o dia do ataque. Ela se munia de balde, milhares de panos de chão, sabão, água sanitária e demais utensílios de limpeza e tentava colocar tudo brilhando. Com o passar dos anos, a mania aumentou e antes que seu marido e filhos erguessem da cama nas manhãs de sábado, eles já sabiam que tinham que sumir para deixar o campo livre para o ataque da matriarca.
Nenhuma faxineira ou empregada voltava á casa de Manuela depois de um primeiro dia ao lado dela. Parece que ela tinha olhos de águia e enxergava até no escuro um pouco de pó, ou gordura no chão. Era exigente e limpíssima. O marido cansara-se da mania da mulher e já não reclamava, pois conquistara a liberdade de ter um dia só para si. Saía cedo e só voltava bem tarde, geralmente quando a Manuela, cansada, já estava praticamente desmaiada no sofá. Ficava por ali mesmo, e só ia para a cama de madrugada. Domingo, era diferente, ela exigia a família sempre em casa. O casal de filhos e o marido sabiam de sua predileção pela reunião da família aos domingos e procuravam estar em casa.
Manuela não perguntava ao marido aonde ele ia aos sábados. Desde que não a atrapalhasse em suas arrumações ou faxina, ela esquecia o resto. Assim Manoel conheceu a Rita e com ela passou a dividir o sábado. Cada vez ficava mais difícil ir embora no sábado à noite, e cada vez menos tinha vontade de passar o frio domingo com a mulher e os filhos. Com a Rita, ele ia ao shopping, ao cinema, à praia, aos churrascos dos amigos, e tantos outros passeios, que de vez em quando se esquecia de que era casado com a Manuela. A Rita era vinte anos mais jovens do que ele, parecia sua filha adolescente, querendo viver tudo num dia só. Ele era generoso com a garota que ainda estava nos primeiros anos da faculdade. Andava tão entusiasmado com o namoro que passara a fazer academia, dieta, mudara a maneira de se vestir e até arriscava umas gírias do momento quando estava com a turma de amigos da Rita.
Os primeiros que observaram as mudanças foram os filhos. Acharam que o pai estava em uma crise de meia-idade, e que estava numa fase de afirmar-se. Com o tempo, esqueceram a novidade até que um dia, era a madrugada de um domingo, e estavam todos pirados e loucos dentro de casa, procurando o pai e o marido no celular. Ele não atendia. O aparelho estava desligado. Manuela e os filhos pensavam o pior. “Ele foi sequestrado”. “Ele sofreu um acidente de carro e morreu”. As horas passaram, amanheceu e Manoel não apareceu. A mulher colocou a mesa do café da manhã, os filhos estavam mudos, parecia que sabiam que o pai não voltaria, mas não arriscavam dizer nada. Tomaram café em silêncio. Quando Manuela começou a tirar a mesa, escutaram o ronco do motor do Manoel e levantaram-se rapidamente para ver se era ele que estava chegando. Manoela ficou sentada onde estava.
Ele entrou. Três pares de olhos o indagavam curiosos. Ele simplesmente sorriu com naturalidade e disse: - Bom-dia, família. Que bom encontrar todos juntos. Eu preciso ter uma palavrinha com vocês, mas primeiro vou tomar um banho e livrar-me destas roupas sujas. Manoela levantou-se da cadeira, e atacou-o com uma voz ríspida que ele nunca tinha ouvido sair de seus lábios. : - Como é, livrar-se das roupas sujas, sem sequer dizer onde estava, enquanto estamos preocupados, sem saber onde você estava? Ele foi andando para o banheiro. Ficou lá dentro por uma eternidade. Saiu todo arrumado, barbeado e perfumado, vestia o pijama e parecia preparado para cair na cama. E assim o fez sem dar nenhuma explicação para a família. Lá pelo meio-dia, a Manoela, estava cada vez mais indignada e comentou com o filho: - Estou tão surpresa com o comportamento do seu pai, que não tive inspiração para fazer o almoço. Chame sua irmã e vamos almoçar fora, quando voltarmos, e ele estiver acordado, vamos conversar.
Após o almoço, Manuela queria voltar para casa rápido, ansiosa, para ouvir o que o marido iria lhe contar. Para sua surpresa ao chegar a casa com os filhos, não o encontrou. Foi até o armário e teve uma surpresa, toda a roupa do marido, sapatos e objetos pessoais não estavam mais lá. As malas também tinham desaparecido. Nem um telefonema, nem um recado nada.
Passaram-se dois anos e meio. Manoel casou-se com Rita, que já tinha terminado a faculdade e esperava o primeiro filho do casal. Eles eram felizes, não tinha dia especial para faxina ou arrumação de casa. Não tinha rotina, nem situações previstas. Adoravam-se um ao outro, e se contentavam com qualquer situação, desde que estivessem juntos.
Manuela largou o banco, precisou passar por um tratamento psiquiátrico para enfrentar a depressão a que se entregara. Desfez-se da casa, perdeu a antiga mania pela limpeza e arrumação e deixou de ser tão exigente com os filhos. Esses foram morar na Austrália, em busca de aperfeiçoamento profissional para suas carreiras. Ela começou a viver das glórias do passado que jamais viveu com o ex-marido. Aos sábados à noite, partia com mais duas amigas divorciadas, para as baladas, boates e qualquer embalo que pintasse e ela pudesse frequentar e buscar preencher o vazio de sua alma, bebendo, bebendo até cair. Num desses embalos ficou por lá mesmo, caiu depois de beber uma dose após a outra e sofrer um infarto agudo. Em seus ouvidos a música alta, deva-lhe uma sensação de tontura, enquanto as pessoas iam sumindo e voltando na pista de dança, e as luzes apagavam-se e acendiam, para depois apagarem-se totalmente numa escuridão total. Amanhecia, era domingo, ela ia ter sua família reunida, só que dessa vez, quem ela encontrou foram seu pai, sua mãe e sua irmã já falecidos, que a olhavam com ternura e amor incondicional, esperando-a em sua nova vida.