SEXO conforme o COMBINADO

Os dois estavam sentados no sofá da sala. Estava tudo escuro, e tudo que os iluminava era a luz da televisão de 42 polegadas comprada na semana anterior. Assistiam ao penúltimo capítulo da novela, aquele aonde a vilã morre no começo, aparece no meio viva de novo, e transa duas vezes com o galã antes do final. Ele, Roberval, sabia disso. Por causa de Gorete, sua esposa, ele assistira à todas as últimas três novelas das nove. E, no fundo, no fundo, perdera aquele preconceito com os folhetins da televisão. Além de entender que todas são exatamente parecidas nos últimos capítulos.

Ela estava deitada com a cabeça sobre o ombro esquerdo dele, e acariciando os poucos cabelos no peito que o marido possuía. Com os dedos, ela fazia voltinhas sobre os pelos, criando pequenos rolinhos, que, mais tarde, ele teria muita dificuldade de desfazer.

Já Roberval, esse apenas assistia à novela automaticamente, olhando apenas para a beleza das atrizes, agora em HD, e contando as horas para que o jogo de seu time começasse. Era a semifinal de campeonato, e seu time ganhando, iria para a grande decisão com um time infinitamente mais fraco. Estava ansioso e muito nervoso. Isso o deixava distraído, muito distraído. Distraído o suficiente para lembrar, por exemplo, de que aquela enrolação de pelos do peitoral com os dedos, era uma maneira de Gorete dizer que queria fazer amor assim que a novela acabasse. Ele não notara isso até então. Talvez se notasse, poderia ter argumento o suficiente na hora em que o jogo começasse, pois teria todo um tempo para formulá-lo. Porém seu nervosismo e ansiedade, o fizeram lembrar-se disso somente no último intervalo da novela, quando foi exibido um comercial de camisinhas comestíveis.

Ao olhar para seu peito e notar que os pelos estavam todos enrolados em pequenos tufos feitos a dedo, o homem foi tomado por uma agonia indescritível. Precisava de um argumento. Enquanto pensava, sentia que agora as mãos de Gorete acariciavam seu umbigo. Era justamente o segundo sinal de um total de três. Carícias nos pelos peitorais, as caricias no umbigo, e, por fim, mão por dentro da cueca. Quando o terceiro sinal fosse concretizado, era o fim de uma noite emocionante de futebol.

-Ai, hoje essa novela tá demorando a acabar, né, amor?

Roberval não escutou a pergunta da esposa, seu pensamento voava até o estádio, tentando adivinhas qual música a torcida cantava naquele momento.

- Roberval, tô falando contigo! – disse gritando, e puxando alguns dos pelos próximos ao mamilo esquerdo, justamente o mais sensível mamilo do marido.

-Oi! Oi?... É... Flamengo e Vasco. Vamos ganhar fácil... – respondeu no susto, e voltando suas atenções para seu campo de futebol imaginário.

Gorete imediatamente retirou a cabeça de cima dos ombros do marido e o ficou encarando. Enquanto fazia isso, recolheu também suas mãos de perto do umbigo e respirou fundo. Na verdade, ela deu aquele suspiro irritante e assustador que algumas mulheres dão quando estão irritadas. Mas até então ele não tinha reparado. Ele só notou que havia algo de errado quando ela deu uma risadinha irônica e disse: “EU ME-RE-ÇO!”, assim mesmo, pausadamente.

- Que foi, Gorete? Não tá gostando da novela? – perguntou passando a mão sobre os cabelos desgrenhados da esposa.

-Tô amando! Só acho que ela tá demorando muito pra acabar, e você demorando muito pra começar! O que você tem hoje?

-Eu? Nada ué... – aqui ele se lembrou de que seria um ótimo momento para inventar algo para poder assistir ao jogo. – Na verdade, estou com uma leve dor de cabeça. Meu trabalho está estressante, amor.

-Ah, está?

-Sim, muito! Estão se apro...

-Aproveitando de você? Sempre estão, né? Todas as empresas em que você trabalha alguém sempre se aproveitam de você! Acho que você que não sabe se aproveitar dos outros. Você nem se aproveita da sua esposa!

-Ei, como assim?

-Roberval, carinhos no peito? Hã? Carinhos no umbigo? Nada?

Ele viu que teria que ser mais convincente.

-Ué, você quer transar na hora da novela? Sexo só num rola na hora de dormir, ou quando estamos de folga, logo à tardinha? Não é assim, conforme o combinado?

Gorete levantou-se do sofá e acendeu a luz da sala. A claridade incomodou os olhos dele, porém aos poucos foi se acostumando. Parou de pé na frente do marido e com as mãos na cintura.

-Então você notou os sinais, e ignorou? – perguntou num tom agressivo.

-Eu notei, mas pensei que você queria esperar a novela acabar!

-Mentira! Antes, quando eu acariciava seu umbigo, mal eu fazia isso você já estava alegre. Agora, fiz isso e você nem “tchun”! Num precisava nem fazer o terceiro sinal! Não tem mais desejo em mim?

Roberval foi quem respirou fundo dessa vez. Sabia muito bem o diálogo que se formaria a partir dali.

-Você sabe que não é isso, Gorete! Só achei que você queria ver o final do capítulo, afinal a novela acaba amanhã!

-Mas ela repete no sábado, querido! Você sabe disso! O que está havendo?

Roberval se levantou e foi para a cozinha sem olhar para a esposa. Mas ela o seguiu...

-Não vira as costas para mim! Já faz uma semana que não fazemos sexo! Antigamente eram todos os dias! O que houve?-perguntou a mulher já alterada, impedindo que o marido abrisse a geladeira.

-Posso beber água?- perguntou forçando a porta da geladeira, e assim conseguindo abri-la. – Num tá havendo nada. Deixa de ser maluca!

-Não me chama de maluca! Tá ou não está acontecendo alguma coisa? Me diga! Pensa que não noto? Pensa que não percebo? Eu só me faço de boba, mas tô sacando tudo... – dizia Gorete sem tomar ar entre as palavras, e chegando ao final da frase totalmente sem fôlego.

Roberval continuou calado, apenas derramou água dentro do copo, e a bebeu de uma vez só. Feito isso, arrotou o mais alto que pode e tentou abraçar a esposa, porém ela se desviou.

- Me chama de maluca, e depois vem me abraçar? Não é assim! Não sou como suas amiguinhas!

Chateado, e já prevendo que o jogo teria de ser cancelado, Roberval sentiu o estágio imaginário ser destruído por um terremoto, e assim, virou suas atenções para Gorete, que após o silêncio do marido, sem saber que na verdade, ele estava apenas destruindo um estádio que construíra mentalmente, e por isso calou-se por alguns segundos. Ela então voltou para a sala e apagou as luzes novamente. Feito isso, sentou-se no sofá e voltou as suas atenções para a novela.

Devagar ele voltou também e sentou-se ao seu lado, mas com uma almofada de distância. A do meio ficou fazia, e o casal, um em cada ponta. Mas esse silêncio duraria pouco, pois assim que a novela acabou, surgiu um narrador irritante e escandaloso na tv.

-Ah, então é por isso que não me correspondeu? Num estava com dor de cabeça porra nenhuma, você estava era preocupado com o jogo? – perguntou a esposa num tom de voz acusador, mas tão tranquilo, que faria um recém-nascido chorão dormir em questão de segundos.

-Isso, amor. Entendeu agora? – respondeu ele com um sorriso de quem estava satisfeito por aparentemente tudo estar resolvido.

Porém, imediatamente o sorriso dela se fechou como por mágica.

-Você prefere um monte de homens a transar com sua esposa! E olha que só estamos casados há três meses!

-Claro que não! Num fala besteira! Mas é um jogo importante! É a semifinal! Transar a gente pode transar depois do jogo, e é algo que fazemos quase todos os dias!

-Ah, então caímos na rotina? Mal nos casamos e já caímos na rotina, é isso?

Roberval se calou e coçou a cabeça. Estava ficando nervoso. Nervoso não só pela mulher estar irritada, mas também por estar perdendo tudo o que o locutor dizia sobre a partida que ia se iniciar.

-Num foi isso, Gorete. Poxa não dificulta as coisas! Eu te amo, morro de tesão em você! Olha essas pernas! Essa bunda! Num tem como eu querer outra mulher!

-Sei, sei... Num é isso que suas atitudes mostram. Tem muita coisa que eu reparo e não falo, tá?

-Ah é? Então pode falando! Pronto! Agora eu fiquei puto! – disse Roberval abrindo os braços e se sentando numa cadeira de frente para a esposa, que se levantou.

-Teve um dia aí, que você chegou do trabalho...

O dia em questão era uma terça-feira. Sim, as maiores confusões sempre ocorriam nas terças. Geralmente todos os problemas do mundo acontecem na terça-feira, onze de setembro ta aí pra não deixar negar.

Apressado, Roberval se arrumou às pressas para ir ao trabalho, e nem se quer reparou que sua cueca de bolinhas coloridas, presente da esposa, tinha sido vestida ao contrário, do lado do avesso. Foi trabalhar tranquilo, se divertiu com os amigos falando de futebol, mulheres e problemas estomacais, e após a jornada de oito horas, resolveu voltar para casa e curtir a noite com Gorete. O problema é que, quando chegou, sua esposa estava no quarto, deitada e pode reparar, ao vê-lo trocando de roupas, o problema da cueca ao contrário. Nem precisa se dizer os milhões de pensamentos e dúvidas impuras que permearam a cabeça dela.

-Uma cueca? Você guardou isso por tanto tempo e com raiva?

-Não foi simplesmente uma cueca! Foi uma cueca ao contrário! Por que diabos a cueca estava ao contrário? Colocou-a com pressa? É isso?

-Provavelmente sim! Saio de casa atrasado quase todos os dias! Às vezes esqueço o crachá, às vezes esqueço minha carteira, porque não poderia esquecer de colocar a cueca da maneira certa!

A mulher pensou por alguns instantes. Estava analisando aquilo tudo que escutara e com seu detector de mentiras natural, tentava ater um veredicto sobre o argumento.

-Tá... pode ser. – concordou por fim. – Mas e naquele dia em que você chegou com uma cueca de presente? Aí vem me dizer que foi presente de amigo oculto... e de homem! Quer que eu engula isso?

-Mas meu Deus! Gorete, a gente tem essas brincadeiras! A gente brinca assim! Você sabe que a gente não respeita nem a mãe, nem esposa, nem porra nenhuma do outro. Zoamos tudo! É o nosso tipo de brincadeira!

-Muito estranho!- sussurrou.

-Muito estranho é sua esposa ter ciúmes de homens! Parece até estar insinuando que sou viado!

-Eu não disse isso! – reagiu ela imediatamente, mas logo se acalmando. – Se bem que... com seu desempenho sexual...

-Gorete, um dia em que eu não queira fazer sexo, é o suficiente para sua mente doentia e ciumenta concluir que eu já não tenho mais tesão em você? Que estou esgotado?

-A gente transava todos os dias! – respondeu sentando-se no sofá novamente e afundando entre as almofadas.

-Mas acontece, ué! Antigamente não morávamos juntos. Então qualquer hora era A HORA de sexo! É no corredor do prédio, é na rua, é no beco sem saída... Enfim, precisávamos nos desdobrar para conseguir fazer sexo...

-Fazer amor...

-Que seja! Mas agora, moramos juntos. Se quisermos transar às duas da tarde depois do almoço, transamos...

-Você trabalha, e nas folgas dorme a tarde toda!

-Eu sei... Eu sei... Só estou dizendo que a gente pode fazer o tempo inteiro. Temos nossa casa, nosso quarto, nossas fantasias! Vê se tem motivo pra você brigar comigo só por uma noite perdida?

Ela ficou em silêncio.

-Mas a gente prometeu na lua-de-mel nunca deixar a rotina cair sobre a gente. Iriamos fazer sexo todos os dias e hoje dei todos os sinais que estava a fim e você ignorou.

-Eu não ignorei, estava distraído. Me desculpa, sim? Você acha mesmo que um jogo de futebol vai ganhar de você. Eu te amo. Eu prefiro mil vezes minha ninfomaníaca a esse time de mulambos com salários astronômicos.

Um sorriso surgiu na face de Gorete.

Roberval pegou o controle remoto e levantou-se decidido e prestes à fazer um anuncio.

-Quer saber? Foda-se o Flamengo! Isso mesmo, fo-da-se! Não vou ver porra de jogo nenhum! Vamos transar...- proclamou desligando a televisão e depois pegando a esposa no colo, para surpresa dela.

-Calma, amor, calma! Também num preci...

-Num precisa o caramba! Vamos nem pro quarto, vai ser aqui mesmo no sofá! Tira a roupa! – ordenou ele, praticamente jogando a esposa sobre o sofá.

A expressão da mulher era outra. Seu rosto brilhava e nem parecia a megera de minutos atrás.

-Amor, faz assim... Calma! Guarda esse pinto! – pediu.

-Como assim? Guarda porra nenhuma, agora tô com vontade, pode vindo...

-Olha, faz assim. Vou pro quarto, tomo um banho, fico bem cheirosinha e depois do primeiro tempo você vai lá e fazemos uma rapidinha. Aí você pode voltar e terminar de assistir ao jogo.

Com cara de choro e frustração, ele se aproximou e ficou dando pequenos beijinhos na esposa enquanto falava.

-Tem certeza? -(beijos) - Num vai ficar chateada? -(beijos) – “Cê” sabe que é mais importante que o jogo né? -(beijos).

-Eu sei, eu sei... Me desculpa por esse show. Sou muito boba! Faz assim, me leva lá no quarto e volta pra ver o jogo. Vou vestir aquela calcinha fininha que você comprou em São Paulo pra mim.

Os dois se beijaram e ele levou-a para o quarto. Deixou-a confortavelmente sobre a cama, e saiu de ré, mandando beijos e fazendo suas caretas que julgava serem sexys. Ela estava adorando aquela explosão de virilidade do marido.

- Louca! Vou voltar e você vai ver... Delícia... Louca...- dizia enquanto fechava a porta lentamente.

Mas foi só o trinco da porta encaixar na parede, que Roberval saiu correndo o mais rápido que pode para a sala e se jogou no sofá. Desesperado, procurou o controle remoto por todos os cantos, e quando já era tomado pelo desespero, o achou caído no chão, enrolado na base do pano que cobria o móvel. Rapidamente ligou a televisão, e respirou aliviado ao perceber que a partida ainda não havia começado.

-Ufa! Foi por pouco... –disse retirando uma latinha de cerveja debaixo do sofá.

Ele sabia que iria ver o jogo, sabia desde o começo. Se existia uma coisa em que ele era craque, era em como lidar com Gorete. Sempre insegura, sempre com a pulga atrás da orelha desde o início do namoro, a maneira mais fácil de domá-la era fazê-la sentir-se por cima. E sempre conseguia. Provavelmente ela dormiria após o banho, sempre dormia, e o jogo rolaria tranquilamente, com ele, sua cerveja, seus pelos peitorais assistindo tranquilos, e prontos para a próxima desculpa, na final do campeonato.

FIM

Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 13/04/2012
Reeditado em 01/05/2012
Código do texto: T3609946
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