Pão Doce
Pão Doce era um menino muito levado da breca.
Não era este o seu nome de batismo, é claro, mas nem a avó se lembrava de como o neto se chamava. A mãe morreu de complicações no parto, e o pai era desconhecido.
Resultado: Pão Doce foi batizado com algum nome cristão, mas a avó, que na verdade se tornou sua mãe, devido à idade avançada nem se lembrava mais do nome que tinha lhe dado.
Precisava procurar a certidão de batismo para saber o nome do neto, mas, como ela não soubesse ler e os problemas da velhice não ajudavam muito, ela sempre deixava para depois.
O apelido veio desde antes mesmo de o umbigo cair. Ainda era petititico, alguém olhou para ele e o chamou de Pão Doce.
A alcunha pegou na mesma hora. Sabe como é, apelido, quando cai na boca do povo, nada trata meio de tirar.
Pão Doce era um bom menino, apesar de arteiro. Adorava mexer com as beatas, soltando pequenos camundongos na hora da missa em que elas estavam ajoelhadas. Era um alvoroço. Ele sempre fazia isso na missa das 11 horas, porque a igreja estava mais vazia e ninguém lhe notava a presença.
O padre Ezequiel ficava doido com bafafá das beatas, que interrompiam sua missa para subir nos bancos, com medo dos pequenos ratinhos.
Pão Doce ria, escondido perto da sacristia, e depois que via o mal que tinha feito, saía correndo como um corisco, destrambelhado ladeira abaixo.
Porém Pão Doce também tinha qualidades. Era um ótimo moleque de recados entre os enamorados. Havia uns quatro casais que utilizavam seus serviços, em troca de alguns trocados. Coisa pouca, o suficiente apenas para comprar cocada preta e algumas balas de coco ou de tamarindo na venda do seu Messias.
Outra qualidade de Pão Doce: era bom em lidar com os bichos de todas as espécies. Parecia que o moleque sabia se comunicar na linguagem deles, e qualquer cachorro vira-lata ou roedor de beco vinha saudar-lhe como se fossem velhos amigos. Daí a facilidade que tinha para arrumar camundongos e soltá-los na missa do padre Ezequiel.
Não pense que Pão Doce fosse um garoto mau; não, ele tinha um bom coração. Mas, como todo moleque saudável, era levado e fazia estripulias, desfrutando os curtos momentos da infância, que passa tão rápido.
Pão Doce, apesar dos pesares, era querido e sabia cativar os outros com seu sorriso branco e largo. Mesmo as beatas acabavam lhe desculpando e volta e meia utilizavam seus serviços para comprar alguma coisa na venda do seu Messias ou na farmácia do seu Fausto.
Foi assim até o dia em que o padre Ezequiel bateu à porta da casa de sua avó para contar que tinha conseguido um lugar para Pão Doce num seminário lá na capital.
A avó do menino, ciente de que já tinha idade avançada e que qualquer hora dessa iria se juntar a Nosso Senhor lá no meio do céu, havia pedido ao pároco que achasse uma posição para o neto em algum seminário, garantindo ao moleque estudo, moradia e proteção.
Pão Doce, quando foi informado de que o padre havia conseguido a vaga, não quis ir de jeito nenhum.
Largar a boa vida de moleque solto na campina, sem preocupação com estudo e hora?
Ah, não queria, não! O padre Ezequiel que tratasse meio de colocar outro garoto, que ele ia ficar por ali, subindo em árvore, dando recado para os enamorados, comendo a cocada preta e as balas de coco da venda do seu Messias, sendo feliz do jeito que era.
Foi um rebuliço na casa. A avó de um lado querendo excomungá-lo pela heresia, e o padre Ezequiel tentado apaziguar os ânimos e buscando convencer o garoto de que a senhora estava fazendo apenas o que achava que seria bom para ele. Afinal, crescer um menino solto na vida não daria em boa coisa.
– Não lembra do filho da sinhá Madalena, o Zequinha fura-bolo, que morreu de morte matada? – questionava o padre ao garoto rebelde.
O pároco tinha razão: sinhá não entortou o pepino enquanto era novo e, no final, perdeu o filho para um facão bem afiado. A desgraça aconteceu no Sábado de Aleluia, na venda do seu Messias, há dois anos.
Pão Doce azedou no mesmo instante, fechou a cara, bateu o pé e jurou por tudo que é santo que não arredava dali, nem que a vaca tossisse por três meses.
Para encurtar a conversa, no fim das contas Pão Doce embarcou no trem, mesmo a contragosto, e foi estudar na capital. O coração de cada um, tanto o da avó como o do neto, ficou cortadinho, cortadinho de saudade.
Mesmo que Pão Doce não compreendesse na época que aquilo que sua avó fazia não era por maldade, mas por amor, o coração chorou de saudade, porque é sempre assim quando a gente é obrigado a ficar longe de quem a gente ama, e os dois se amavam muito, demais mesmo.
Pão Doce com o tempo se acostumou à vida do seminário, com relutância, é bem verdade, porque moleque como ele, criado solto, não se acostumaria facilmente às regras e imposições de um bando de padres, dizendo o que ele deveria ou não fazer.
Aprendeu muita coisa naquela escola, coisas que nem sabia que existia. Tinha dificuldades em matérias como Latim e com aquelas decorebas todas que era obrigado a guardar. Mas era bom em matemática e fazia conta de cabeça como ninguém.
Teve uma vez em que fez uma arte em sala de aula e como punição foi obrigado a ajudar na cozinha do seminário. Pão Doce foi de muito má vontade. Na cabeça dele, cozinha era lugar de mulher, e ele era macho, sim, senhor. Mas acabou indo e lá encontrou um novo mundo de cheiros e sabores.
Padre Joãozinho, o responsável, adorava cozinhar e sabia como ninguém fazer iguarias maravilhosas; iguarias a que só os padres tinham acesso, porque os meninos comiam aquele feijão com arroz básico mesmo.
Foi lá que Pão Doce descobriu sua verdadeira vocação: as massas. Parecia até que o destino tinha lhe pregado uma peça fazendo-lhe ter um apelido que condissesse com sua real vocação.
Qualquer massa nas mãos de Pão Doce se transformava em algo macio, leve e divinamente saboroso! Um grande pecado da gula, diziam sempre os padres do seminário, queixando-se e sem poder resistir às guloseimas do ex-moleque.
É bem verdade que padre Joãozinho foi generoso, ensinando todos os truques que sabia. Contudo, o aluno ultrapassou o próprio mestre e inventou seus próprios truques. Em pouco tempo sua fama corria solta fora dos portões do seminário, e ele era obrigado a fazer pães e bolos para bispos, arcebispos e cardeais.
Quando chegou a hora de ordenar-se padre, Pão Doce explicou à direção do seminário que não daria certo. Que não era esta a sua vocação, que o que ele queria mesmo era ser padeiro. Os padres ficaram tristes, principalmente aqueles mais gulosos, porque iriam perder as delícias feitas pelo jovem talentoso. Mas, no final das contas, se conformaram e abençoaram o rapaz.
E foi assim que o empresário Pão Doce, ou melhor, Duval Leite, começou sua fortuna e sucesso. Saiu do seminário, alugou com a ajuda do padre Joãozinho um quarto numa pensão barata, onde a dona deixava que utilizasse sua cozinha, e começou a fazer pães e bolos para vender de porta em porta.
Em pouco tempo já tinha uma pequena padaria, logo depois comprou uma pequena casa de vila e trouxe a avó para morar junto. Em menos de cinco anos era proprietário da maior e mais bem conceituada padaria do Distrito Federal. Tinha filiais não só na capital, mas também em importantes cidades do país. Montou uma indústria e emprega uma porção de gente.
Na próxima semana, ele inaugura uma escola onde ensinará aos jovens carentes os segredos das massas.
O nome da oficina é 'Broinhas do amanhã'.