CONTO – Nobre, uma lição de vida – Parte XIV - Cuité PB
 

CONTO – Nobre, uma lição de vida - Parte XIV –Cuité (PB) - 10.04.2012
 

           A cidade de Cuité, no agreste paraibano, como já falara anteriormente, de clima maravilhoso, eis que mais de 700 metros acima do nível do mar, de um povo caído do céu, calma, sem qualquer tipo de violência, salvo casos excepcionais de pequena monta; carecia de mais opções de lazer para a sua jovem população, porquanto além da festa tradicional da padroeira, apenas um clube social onde se reunia a sociedade para bailes e pequenos “assustados” e inexpressiva atividade esportiva, limitada ao time de futebol ao qual lhe emprestara o nome, Cuité Esporte Clube, de tradicional camisa azul. Para provar da falta de violência naquele lugar basta dizer que só havia um detento, Jairo, irmão de um colega de banco, que era liberado durante o dia com o compromisso de retornar à noite...e sempre o fizera.

            Naquela época – 1970 – só existiam dois partidos políticos por obra do General Castello Branco, que extinguira a todos, criando a ARENA e O MDB, o primeiro representando a situação, o governo, enquanto que o segundo era a oposição ao regime militar. Por convenção natural o azul era a ARENA, enquanto que o vermelho seria o MDB. E era uma beleza ver nas frentes das casinhas do interior a declaração de voto de seus inquilinos ou proprietários, isso num clima de muita paz, não se agredia o vizinho porque votara nessa ou naquela cor. Aliás, ninguém neste país vota em partido, mas sim no seu candidato. Casinha com a bandeirinha azul significava que a votação era na ARENA, e com uma vermelhinha, no MDB. Mas muita gente tinha medo de ficar, digamos assim, “marcado” por abrir o seu voto, a revolução era recente.

            Pois bem, apaixonado por futebol, inclusive tinha vindo de Limoeiro, interior pernambucano, onde pôde prosseguir desenvolvendo suas atividades de atleta, porquanto jogava e muito bem o futebol de poeira e o futebol de salão, chegando a defender as cores do Colombo, do Centro e da AABB. Sentia-se o Nobre, com apenas 30 anos de idade, agoniado em não poder demonstrar suas qualidades de bom jogador, em face de não ter ambiente no Cuité Clube, isso no futebol de várzea, enquanto que no de salão não havia ainda na cidade um campinho da espécie. Mas ele fizera um time com o pessoal do banco e com amigos. Todos os domingos passeavam para exibições em cidades vizinhas, em especial no Rio Grande do Norte (Jaçanã, Santa Cruz, Coronel Ezequiel e outras). Na Paraíba as viagens eram para Nova Floresta e Picuí.  Quando a equipe (Nobre, Toinho, Basílio, Lira, Dr. Roberto, Gilberto Maia) ia para esta última, o colega Brilhante, subgerente do banco, que adorava uma “lourinha suada”, sempre se fazia presente. Ficava “abarrancado” num barzinho com uns amigos e só saía quando a refrega terminava.

            Numa comissão composta por desportista da cidade pedira à prefeitura que marcasse uma data para que visitasse a Prefeita, Doutora Neusa, esposa do Dr. Orlando (grande advogado), quando seria feito um apelo no sentido de construir uma quadra poliesportiva (salão, vôlei, basquete, handebol), que já se tornara uma necessidade premente para o povo, notadamente os jovens, até mesmo como forma de se desenvolver a “educação física”, que era obrigatória naquelas épocas de muita saudade. O encontro fora realizado e a prefeita se comprometera a atender àquelas reivindicações com urgência. E assim o fez. Em pouco mais de três meses dispunha a cidade de uma quadra das melhores para a época.

            De outro lado, carente de futebol, alugara um carro de propaganda e mandou circular na cidade a notícia de que à noite daquele dia (não se recorda da data), na metade de 1970, haveria uma reunião na “Câmara Municipal”, adrede combinada, com a finalidade de se fundar mais um clube, o Expressinho Esporte Clube Recreativo, que na verdade já existira, todavia só no nome, à frente o Tenente Galdino, Delegado do lugar, que fora solicitado a comparecer. Nem queira imaginar a quantidade de pessoas que acorreram ao local. O prédio não cabia tanta gente, muitos ficaram de fora. Sessão concorrida houve gente do outro time que foi contra a ideia, mas o Nobre, que assumira a presidência dos trabalhos por aclamação, e já de posse até do rascunho do estatuto da novel agremiação (copiara parte de um modelo que o banco fornecia para AABB), colocou-o em votação, fora aprovado por unanimidade e já elegera o presidente do conselho e o presidente do executivo. Aprovadas as cores, alvirrubra, o encontro fora sucesso absoluto, nem desconfiara que estivesse se tornando um líder na cidade. E com a notícia da transferência de seu título eleitoral, correu até um “zunzunzum” de que seria candidato a algum cargo político. Desconversava sempre.

            Fundada a nova agremiação, que pretendia além do futebol funcionar como escola de primeiro grau, clube dançante e local de reuniões. Encarregou-se de adquirir o material esportivo necessário (chuteira, meias, calção, camisa e outros acessórios), por sua conta, o que faria numa viagem ao Recife, quando mataria dois coelhos: cumprir a missão e tornar a ver seus familiares. Ainda não havia recursos no clube. Só depois é que o Nobre passou a visitar as casas, uma por uma, fazendo “sócios” contribuintes, a fim de se formar uma caixa, abrir uma conta-corrente no banco e dar vida àquela, nova sociedade, cujo estatuto fora registrado no cartório competente. Fazia gosto ver pessoas pobres, humildes, aderindo voluntariamente, uma lição de solidariedade. Todo final de mês ia um cobrador visitar os sócios e receber a sua contribuição. Ninguém atrasava... Que coisa linda!...Arre Égua!

            De logo, Dr. Medeiros se pôs à disposição para problemas médicos, enquanto o Dr. Roberto, que também jogava no time, se prontificara a realizar todos os exames laboratoriais sem custo para os atletas. Era uma integração total. O amigo Nobre sempre afirma que a sua passagem por Cuité fora da maior felicidade em seu tempo de banco.

            A diretoria executiva também foi nomeada no mesmo dia da constituição, maioria absoluta de gente humilde. O Zé Badé, alfaiate prestativo, solidário e homem de bem era o diretor de futebol e, claro, dava mais riqueza aos uniformes, pregando números, bordados, costurando calções, etc., sacrificando até seus próprios trabalhos, numa época difícil, quase sem faturar por conta das secas. A profissão estava se tornando ingrata, porquanto a indústria de roupas em franco progresso já produzia de tudo, bastando seguir o número de qualquer manequim. A roupa pronta começara a ser coqueluche.

            E fora lançado o primeiro desafio ao Cuité para uma partida, um “clássico” como diriam os comentaristas esportivos. Apenas uma condição deveria ser cumprida, qual seja a de não se colocar jogador de fora, porque valorizar o povo de casa era mais interessante, dar divertimento aos nativos seria nossa missão. Fora assinado um termo entre os dois presidentes, de um lado o Nobre e do outro o Barros, também do Banco do Brasil, o todo poderoso do outro clube, inclusive treinador, o “cão chupando manga”. Adorava uma “geladinha”, mas que entendia de futebol não resta dúvida. Outra coisa, era um bom árbitro, já o demonstrara na cidade de Mossoró (RN), de onde procedera.

Ansilgus
 
Em revisão
Qualquer semelhança aqui não será mera coincidência.

A foto é de uma árvore produtora do Cuité: SM (cuia+tupi eté, legítimo). 1) Cuieira. 2) Fruto da cuieira. 3) Pequena vasilha feita com o fruto da cuieira. 4) Cabaça, de que se fazem cuias. 5) Pacová. 6) pop Chapéu velho, já sem forma, que afunilou. Var: cuietê, cuieté, coité. C.-açu: o mesmo que cardamomo-da-terra.

 
ansilgus
Enviado por ansilgus em 12/04/2012
Reeditado em 13/04/2012
Código do texto: T3607756
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