CONTO – Nobre, uma lição de vida – Parte XIII
 

CONTO – Nobre, uma lição de vida – Parte XIII - 03.04.2012 – Cuité (PB)
     
 
           No início dos anos setenta grande seca assolou o nordeste, causando enormes prejuízos ao povo do campo, não só aos pequenos, mas também aos médios e grandes produtores. O meu amigo Nobre, que fora um cavaleiro andante no Banco do Brasil, estava prestando serviços nessa época na agência de Cuité, na Paraíba, cidade que fica numa serra íngreme a mais de 700 metros do nível do mar e a uns 400 km do Recife, sua terra Natal. Há épocas de frio intenso na região.      
    

            Uma grande dificuldade foi arranjar casa para morar com a família. Conseguiu uma até razoável, com quintal que daria para plantar feijão e milho. A desvantagem era que o sanitário ficava justamente no final do terreno, e acordar no frio poderia gerar uma gripe. Mas ele não tinha luxo, era pau pra toda obra. Na verdade, bom que se diga, o meu amigo fora promovido, e isso aumentava o seu salário, pois lá em Limoeiro jamais poderia alcançar tal cargo, eis que havia muitos funcionários antigos, que tinham preferência.

            Fora chefiar a Carteira Agrícola.  Nunca se viu tamanha desorganização, nem arquivo tinha. Conta-se que o chefe anterior, na única vez que teve a chance de substituir o gerente, fez um empréstimo para ele mesmo, através de uma nota promissória, mas arranjou um “laranja” para assinar e outro para avalizar. No fim foi liquidada. Sabe-se que o tal chefe teria feito uma viagem para Goiás e nunca mais dera notícias, eis que teria sido devorado por índios.

             Cuité vivia da agricultura tradicional de algodão, milho e feijão, para subsistência, mas a principal mesmo era o “sisal” ou “agave” lavoura semi-permanente bastante resistente            às secas. Só precisa “chuviscar”, a fim de que suas folhas se ergam e possam produzir num beneficiamento primário fibras para a indústria de tapetes, cestas, cordões, tecidos e muitos outros objetos. O criatório de bovinos, geralmente destinado à produção de carne e leite ainda era incipiente. Aqui e ali um pecuarista mais adiantado nessa exploração, como o Cláudio Leite, o Geraldo Simões Pimenta, Dr. Medeiros, o senhor Jaime e outros. Mas nessa fase nem mesmo o agave salvara os produtores.    

               Cidade pequena, mas bem arrumadinha administrada com capricho, dispunha de hospital, razoáveis escolas, associação dançante, clube de futebol, o Cuité Esporte Clube, mas pouca vida noturna. Os Drs. Antônio Medeiros Dantas, Reginaldo e Roberto Lima de Góes prestavam inestimáveis serviços à comunidade, não havia dia e nem hora, sempre estavam presentes. Medeiros também era agropecuarista de médio porte e um dos bons clientes do banco. Detentor da propriedade “PROVIDÊNCIA”. Sofreu bastante com aquela estiagem, à falta de ração para o seu gado, já que nem o próprio capim natural brotara em abundância. Houve um suporte concedido a ele pra adquirir torta de caroço de algodão com o que foi atravessando precariamente, mas isso encarecia seus produtos.

            O serviço era intenso, o quadro da filial muito pequeno (13 valorosos funcionários). A única saída era praticamente passar o dia inteiro no banco. O subgerente Senhor Brilhante sempre facilitou o trabalho, mas ele havia tido uma doença que o fez esquecer tudo, tendo até de voltar a aprender a ler. Ora, se não havia arquivo, o “matuto” ia retirar ou resgatar uma parcela de seu empréstimo e nada se achava, nem ficha nem o dossiê. Foi uma trabalheira danada para montar tudo. Não fora a colaboração efetiva dos quatro servidores da carteira e nada teria sido feito. Olha, o Benjamim, que era do quadro de apoio, depois de devidamente orientado, conseguiu fazer um arquivo dos empréstimos que poderia ser considerado dos melhores do país. O João, que era fiscal, também oferecia seus trabalhos internos, juntamente com o Frazão e o Ary, depois reforçados na posse do Jesuíno. Agora, aqui pra nós, o Maia era um relâmpago na confecção de fichas cadastrais. Ainda nem se pensava na implantação de serviços mecanizados e, muito menos, em computação.

            Com as dificuldades, a clientela atrasara todos os financiamentos, pois o pouco socorro que viera da SUDENE- Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste - era insuficiente para resolver os problemas, apenas se ia dando um jeito com “frentes de serviço” e “carros pipas”. Mas, dizia o Nobre, ainda bem que a autarquia funcionava, embora não como gostaria o Dr. Juscelino Kubistchek de Oliveira, que a criara. Mas sempre respondia presente nas horas mais difíceis do povo sofredor nordestino.

            “Apertado”, “duro” e “liso” vai o Medeiros falar com o gerente, com medo de uma possível ação de cobrança executiva e de perder os seus bens.  E aí falara: “Senhor Maurício, o que o banco vai fazer comigo?” – “Tomar a PROVIDÊNCIA” fora a resposta. E começaram a rir. Claro que as ordens vieram e o Banco concedeu prorrogações para todo mundo com prazo de oito anos e até três de carência, inclusive novos financiamentos para recuperação, melhoria de açudes, barragens, etc., de modo a que não faltasse serviço para o povo... Mas não foi criado nenhum programa “bolsa família”... Os beneficiários trabalhavam sim. 
            

          Pois bem, pelo que o Nobre relatou seria o suficiente para se elaborar um livro. Muita coisa boa, muita recordação e dedicação incrível aos serviços da Casa. Nunca se viu igual e é bom que se diga sem nenhuma exigência de pagamento de horas extraordinárias além das que previstas nas instruções.

            No finalzinho, lágrimas nos olhos, dissera de sua grande saudade de Cuité, do seu povo, dos amigos que lá fizera. Preferiu não citar outros nomes, pois poderia cometer alguma injustiça. Mas do Zé Badé, alfaiate de boa qualidade, humilde e amigo de todas as horas, jamais poderia esquecer. E, para completar, ainda teve a felicidade de ser pai de mais uma filha, a Úrsula, que nascera forte e com saúde, hoje casada e já com uma filhinha muito linda.

A foto é do Zé Badé e esposa, gentilmente cedida pela grande amiga Ilca Costa, tradicionalíssima cidadã daquela cidade.


Até a próxima. Penso que ainda voltará a falar de Cuité.
Em revisão.
Ansilgus
ansilgus
Enviado por ansilgus em 09/04/2012
Reeditado em 26/07/2013
Código do texto: T3603317
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