Rompimento ( Fluxo de Consciência )

Para Marco Teixeira ( obrigado pela inspiração, velho amigo ).

Como todos os outros, assisti estarrecido àquela tragédia que se abateu sobre a cidade de Nova York naquela data fatídica que por mera coincidência era o dia dos meus anos. Só que no meu caso eu teria que resolver a queda das minhas torres gêmeas pessoais e internas.

Meu casamento tinha acabado fazia dois dias. E não era por falta de aviso. As mulheres agem enquanto nós ficamos matutando bobagens megalomaníacas. É da natureza intrínseca delas. Nós homens achamos que controlamos alguma situação. Que engano terrível! Um erro histórico imperdoável. “Elas tem o que a gente quer”? Que raciocínio simplório! E foi o que aconteceu. Um belo dia – a caminho do meu trabalho no consultório odontológico – comecei a pensar seriamente como seria que nos separássemos. Isso já fazia quase um ano. O que eu faria? Onde eu moraria? Será que poderia novamente me apaixonar por outro alguém? Será que poderia voltar a beber todos os dias? Será faria novos amigos ou reencontraria meus amigos de solteiro para um churrasco na casa de alguém? Será que... Tantas ideias... Algumas de nenhuma natureza prática. E quando expus minha teoria para minha esposa recebi dela os papelada legal. Eu estava consciente de que perderia metade do meu patrimônio acumulado em quinze anos de relação. Assinei tudo àquilo com um peso no peito. O peso da derrota de não ter sido ao menos original. O peso da consciência de que eu não passava de outro bestalhão divorciado que apenas engrossam as estatísticas. E o que seriam de meus amados filhos Hadra & Lineu? Minha mais velha tinha acabado de completar quatorze e o mais novo doze. Sempre tive orgulho deles. Sempre cri que foram a única coisa decente que eu tinha feito em minha vida. Sempre preguei uma educação liberal dentro dos limites da decência. Sempre fui um pai “prafentrex”. Era exatamente aí que me iludia. E outra ilusão era de que aquele sentimento louco, arrebatador, profundo duraria para todo o sempre. Como fui cego para o óbvio!

Depois da cerimônia de matrimônio e sua respectiva lua-de-mel tudo entrou nos eixos. Não saia aos sábados para o futebol com os amigos porque sempre detestei futebol. De jogar ou de assistir. Eu achava minha união perfeita e dizia para mim mesmo que não precisava de subterfúgios banais e machistas. Sempre me julguei um homem sem preconceitos, sem moralismos falsos e de emoções controláveis. Meus pais que já não estão entre nós sempre pregaram o “evangelho do trabalho” & “os preceitos” como eles diziam. Nasci, cresci, estudei, me formei, fui trabalhar e me casei de tive filhos. O cidadão perfeito? Puro engodo. Do trabalho para casa de casa para o trabalho com cinema no fim de semana de pizza após a sessão. Mercado aos sábados pela manhã. Feira livre na manhã de domingo. Passear e viajar para a praia com as crianças. E as obrigações conjugais sendo deixadas para amanhã. Não sei que falou que o amanhã não existe. Ou que ele nunca chega. Tenho que pesarosamente concordar. Eu ganhava um bom dinheiro e investia em carros, móveis, eletrodomésticos e eletrônicos de última geração e me achava realizado e “feliz”. Estaria eu feliz com meus livros e minhas coisas materiais? Onde foi que errei? Onde todos erram. Em achar que felicidade é uma conta bancária recheada e que o resto é pura perfumaria. Sempre bati no peito para me dizer um homem integro. E integrado. E agora? Onde essa ilusão me levou. Minha separação foi da forma mais fria e formal possível. Será que preferi ignorar os sinais e novamente ficar esperando o amanhã? Sem sombra de dúvidas. De que adiantava morar numa linda casa se essa nunca foi um lar? Não vou ficar me culpando. Apenas narro os fatos. Não vou ficar me justificando por isso cansa a mim e ao meu próximo. Sempre achei que minha mulher e eu discutíamos como qualquer outro casal sem perceber que cada ser humano é único. Sempre imaginei em meu estado de torpor que era dono da razão e da situação e que sempre a palavra final era minha. Pretencioso, eu. Quando me casei fiz questão absoluta de abandonar os amigos com quem eu bebia. Passei a tomar apenas uma dose de uísque antes do jantar como qualquer outro. Comida, televisão, uma foda mecânica & cama para fazer tudo igual no dia seguinte. Essa é a ideia geral de relacionamento. Não percebi em momento algum que o fogo se não alimentado se extingue. O ciúme é o veneno que mata o amor? Sim. Mas a rotina é muito mais cruel e implacável por ser mais duradouro. Você tem a impressão que tudo vai se resolver enquanto outros problemas se acumulam. E não estou falando de contas para pagar. Chega uma hora que a coisa toda fica monótona, tediosa e insustentável.

Quando peguei minha mala, minha esposa comunicou-me polida e friamente ( com era do seu feitio ) de que todos os meus pertences pessoais seriam mandados para um depósito que ela já tinha pago a caução até eu arranjar um apartamento decente para acondiciona-los. Que golpe profundo em meu EGO! Teria eu que fazer como os velhos monges budistas e aniquilar esse EGO? Teria eu coragem suficiente para negá-lo e apaga-lo. A impressão que eu tinha é que ela queria me banir daquela casa para todo o sempre e esperar meus filhos para as visitas do portão para fora e de preferência dentro do carro. Agora eu meu “Vietnam” particular. Na verdade, o que mais doía em minha consciência era que eu acompanharia o crescimento das crianças de longe, de muito longe. Que talvez eu fosse comunicado por um telefone do coordenador que eles estavam tendo problemas na escola. O que me ardia o peito era pensar que agora meus filhos, fruto de algo que julguei ser amor, estariam tendo uma criação a qual eu não iria participar ativamente. Que não seria mais eu quem decidiria onde iriamos passar as férias. Eu sentia um calafrio de morte ao pensar que em poucos meses minha esposa estaria com um homem dentro de nossa casa e que esse iria interferir na educação dos meus rebentos. Tinha vontade de cortar os pulsos. De bater a cabeça na parede do banheiro. De usar uma arma de grosso calibre em mim mesmo. Contudo o que me continha era a lembrança de Hadra e Lineu. Nunca tinha “traído”. Nunca fui de “casos extraconjugais” e sempre execrei isso. O que tinha acontecido era meramente que eu tinha me acomodado com todo a situação. Que não ousava. Que tinha me abnegado e tudo ao redor para vivenciar uma fantasia que na verdade haviam incutido no âmago do meu ser. E esse era o erro pelo qual me penitenciava e que transformada tudo em caos e desordem dentro de mim. Eu sentia que tinha perdido meu rumo, meu prumo, meu equilíbrio como se isso fosse uma situação de vem de fora e que vem do próximo. Que erro crasso, meu deus! Nunca admitia que o engano todo partisse de mim mesmo e não das “circunstâncias”. Só pensava lamber as feridas. E continuava trabalhando como se nada tivesse acontecido, todavia agora voltava para um solitário quarto de hotel findo o turno. Tentava pensar nos escritores existencialistas que tinha lido no final de adolescência e achava tudo aquilo mais uma justificativa. Claro que eu achava aquilo tudo uma abominação. Estava embotado por toda uma vida e o rompimento com a pessoa que pretensamente eu amava tinha embotada ainda mais. Não era amor. Hoje eu sei. Apenas posse. Apenas o fato de sermos “marido e mulher, até que a morte os separe”. O que mata é a solidão a dois. O que mata é o sentimento da propriedade só porque vocês assinaram um documento num cartório. Tudo muta e torna-se legislação vigente. E as pessoas assim vivem porque não sabem viver.

O mundo inteiro assistia a uma vulgar demonstração de força quando aqueles aviões pilotados por fanáticos colocaram abaixo aquele monumento que em minutos virou fumaça, vidros estilhaçados, fogo e ferro retorcido e em minha mente deturpada ninguém sequer percebia em meus olhos o meu drama... Egoísta, era a palavra que você estava procurando? Sim. É isso mesmo. Quando tudo ruiu eu estava pensando em mim mesmo. Eu que achava que nunca me justificava. Até quando pensava em meus filhos estava me projetando neles.

E alguma coisa aconteceu enquanto eu revia aquela cena tétrica naquela noite.

Algo me fez perceber que assim como o mundo teria que se refazer das cinzas eu precisava de alguma razão para não desmoronar. Que não podia apenas ficar sentado sentido pena de mim mesmo e me martirizando por ser apenas mais um imbecil burro e satisfeito com seus muitos desenganos.

Escrevi uma longa carta aos meus filhos e enviei no instante posterior em firmei.

E decidi começar um livro que explicasse para mim mesmo a vil criatura que ao decorrer dos anos acabei me tornando.

Curitiba, 09 de abril de 2012, 20 graus célsius, Outono.

Geraldo Topera
Enviado por Geraldo Topera em 09/04/2012
Código do texto: T3602694
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