O Fusca amarelo

A igreja estava lotada. De um lado ao outro do altar o noivo, Camilo Fernandes, andava aflito. Lá fora um calor insistente teimava em desanimar alguns convidados. Mas eles iam chegando e se acomodando embaixo dos ventiladores. A sala paroquial para os convidados, ao final da cerimônia, estava bem vigiada por dona Ermengarda, viúva virgem e tia da noiva.

– Sai daí demônio! Disse a infeliz esbofeteando um menino magrelo.

Todo dia, nos cento e oitenta que antecederam aquele dia, Ermengarda fora a grande general da festa. Guardou o vestido a sete chaves, cuidou do terno do noivo, vigiou a roupa do casal de pajem e se encarregou de pegar bolo, salgados, guloseimas, refrigerantes e tudo o mais que a festa pedisse. Uma “sargentona”. O menino do tapa já estava aos berros na nave da igreja.

– Onde se meteu aquela infeliz? Perguntava o noivo em tom raivoso.

Aos poucos a igreja era tomada. De repente entrou esbaforido o sacristão anunciando que o padre já estava pronto. Não demorou muito e o sacerdote, um senhor de idade avançada e andar lento, nem por isso menos ranzinza, adentrou a nave e dirigiu-se ao altar.

– Cadê a noiva, menino?! Olhou com cara feia para o infeliz do condenado.

– Já devia ter chegado. Um calor desgraçado desses e ela brincando com o povo.

– Cale a boca, infeliz. Você está na casa de Deus. Olhe os modos. Retrucou o velho padre.

As horas iam passando, o povo chegando, o murmurinho tomando conta e as especulações já começavam a reinar no salão.

– Ela desistiu. Disse uma cinquentona que ficou pra titia.

– Que nada, mulher demora mesmo. Retrucou outra cinquentona, mas casada.

– Pois se eu fosse ela não vinha. Desdenhou uma mal-amada.

A igreja cheia, o povo impaciente e a noiva nada. A essa altura do campeonato a sala de festa já estava tomada de meninos. Todos em volta da mesa, alguns nas cadeiras e outros já roubando os quitutes. Ermengarda sentada num banco se abanava e murmurava algo ininteligível. Pela cara que fazia, devia estar soltando os maiores palavrões em honra ao capeta.

– Ela não vem! Ela não vem! Desesperou-se o noivo.

– Então decida logo, ainda tenho uma extrema-unção para hoje. Apressou-se o padre.

Nisso entra um garoto correndo e se dirigiu até o noivo. Chama-o no reservado e lhe cochicha algo aos ouvidos.

– Vagabunda! Piranha! Rameira! Grita o noivo, saindo em direção à porta de entrada.

Antes não tivesse arrumado aquilo. Viu a noiva amada dando um tchauzinho aos convidados presentes do lado de fora e um sorriso leve e desconfiado para o noivo que vinha chegando. Ela estava dentro de um fusca amarelo, caindo aos pedaços, dirigido por Armando, o entregador de leite.

– Me trocou por este “Zé Roela”! Constatou o noivo corno.

– Pode ser “Zé Roela”, mas deu o que ela gosta. Você é um frouxo. Vaticinou a irmã da noiva.

Camilo deu um sopapo na cara da futura ex cunhada e saiu dali morto de vergonha. A irmã da noiva, com a cara vermelha do tabefe, liberou a farra para os mortos de fome e também aproveitou para desistir da dieta.

Esse foi o casamento de Camilo e Gertrudes. Foram namorados durante cinco anos, noivaram outros três e iriam se casar. Dizem as más-línguas que ela já vinha enganando ele desde o namoro. Mas ele sempre a respeitou, e nunca teve nada com ela, pois se dizia virgem. Desgraçadamente o infeliz não usufruiu da honestidade para com ela e o leiteiro, dono do fusca amarelo, a esta hora estava se refestelando no corpão da moça.

Camilo desistiu de tudo, e antes de enforca-se na mata, no galho da mangueira, onde os dois costumavam se encontrar, passou a noite no cabaré da cidade chorando as mágoas com uma puta.

– São trezentos reais. Disse a quenga sem remorso.

– Mas eu nem comi. Retrucou o pobre.

– A “xana” tava aqui. Não veio porque é frouxo. Finalizou a moça.

Depois dessa, só mesmo a morte como saída honrosa.

Oh! vida.

VALBER DINIZ
Enviado por VALBER DINIZ em 09/04/2012
Reeditado em 18/06/2018
Código do texto: T3602466
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