JULGAMENTO DE SUPERMERCADO

Sofro um julgamento, sou vitima de vários, e na cabeça de cada juiz se fazem dezenas de leis. Será que em alguma dessas constituições eu nem réu serei? Sei que em centenas delas eu já estou condenado.

Pergunto-me, o que farei para evitar esses condenamentos precoces, preconceituosos e medíocres? Quantos são os adjetivos que eles usam para me definir? Serão suas vidas assim tão chatas e monótonas que a distração é julgar minhas contradições.

Para eles sou isso e aquilo, mas em momento algum me lembro de ter lhes pedido uma definição. Acho que existe um grande sonho da sociedade ser um supermercado em proporções ligeiramente maiores, onde as pessoas são produtos devidamente rotulados em prateleiras. É difícil entender que isso não daria certo, ou dá certo. Porém sempre aparece um produto pensante que enlouquece e pula da prateleira. Já que parece loucura achar mais importante saber quem é a aceitar quem deve ser.

Pode ser esse o motivo pra me condenar, uma aparente loucura. Mas não fui eu quem começou essa revolução. Que revolução? Ah é que certo dia sonhei... Caída no chão de um imenso supermercado com rotulo ilegível, estranha sem data de validade nem numero do lote, e eu vi outros potes, frascos, pacotes e garrafas no chão. Muitos já de pé ofuscando aqueles que os olhavam de cima e tinham um jeito convidativo para os dispostos a se jogar.

De cima os que olhavam horrorizados com tamanha loucura, se agarravam aos seus livros de leis, princípios e deveres enfiavam seus olhos por entre as paginas para não mais ver. Outros viravam as costas, colocavam vendas, tapavam os ouvidos pra não ver-los levantar tampouco escutar suas vozes. Também tinham aqueles que ficavam irados, com dedos apontados e até pedras preparadas. Por fim eram poucos, mas existiam os que admiravam a coragem, e entre esses tinham os que mesmo admirando criticavam, entretanto suas criticas não passavam de uma simples questão “por que eu não tenho essa coragem?”.

Nesse cenário um pouco louco levemente delirante, uma garrafa de hidratante se levanta, grita, dança de põe num pacote. Vendo o espetáculo da transformação outros se jogam, uns amassam e quebram um pouco quando se arremessam de lugares muito altos, mas nem se importam. Depois de juntar um numero maior de produtos livres, descobrem juntos que são ainda mais fortes. Então sacodem as prateleiras, desparafusando-as, desmontando-as. Assim as vêm desmoronar. Ainda sobram muitos que não querem mudar, pois são livres pra isso, mas agora mudar é uma opção.

Como isso me ajudará a sobreviver aos milhões de juízes que me apontam com suas gordas constituições. Sinceramente ainda não sei, não faço idéia. Mas se eu sou como um produto caído vou achar uma forma pela qual queira me transformar. Primeiro tenho que ir descobrindo quem sou e ir mudando para o que eu quero ser. O que eu sou nunca estará impresso num rotulo já que sou extremamente mutável. E que nenhuma mudança seja a mudança final. (texto de 2011)

Bela Pessoa
Enviado por Bela Pessoa em 05/04/2012
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