CONTO – Nobre, uma lição de vida – Parte XII
 

CONTO – Nobre, um exemplo de vida – Parte XII - 05.04.2012
 

Cuidado com o trato da coisa pública
           
           
             Pereirinha era o mais "velho" fiscal da carteira agrícola do Banco do Brasil em Limoeiro (PE), no início dos anos sessenta. Funcionário antigo, gordinho, baixinho, tinha uma produtividade fora do comum. O trabalho dele valia pelos outros quatro fiscais, “dava um banho” como se dizia na época, segundo palavras do Nobre, que no período era ajudante de serviço do setor rural.


            De origem tradicional, que gozava de extraordinário prestígio no Estado, possuía uma família exemplar, quer de agricultores, pecuaristas e políticos de renome, alguns chegando a galgar várias posições de alto relevo na vida pública da região. Estava com quase trinta anos de inestimáveis serviços.

            Fazia as vistorias em seu “jipe” próprio, veículo mais indicado para enfrentar as estradas até então de barro, esburacadas. A quilometragem que rodava mensalmente era um “assombro”, jamais alguém poderia ultrapassá-la, só ele próprio. Também era o campeão em termos de laudos e de clientes visitados, uma verdadeira “maravilha" e já não era tão jovem.

            Ouvira-se um cochicho de que ele, o Pereirinha, estaria usando uma técnica infalível para oferecer tanta produtividade. Chegava, por exemplo, na cidade de Surubim, que pertencia à jurisdição de Limoeiro, e mandava o serviço de alto-falante divulgar a semana inteira que ele estaria na feira de tal dia e queria falar com todos os agricultores ainda não vistoriados em suas lavouras.

            Pois bem, no exato dia lá estava ele sentado em um tamborete, pompa incrível, caneta e bloco de papel na mão, atendendo àquela fila enorme de clientes, oportunidade em que fazia entrevista com cada um. As indagações eram se o mutuário havia preparado a terra, plantado, se as sementes germinaram bem, se estavam já crescidinhas, se havia infestação de lagartas e, finalmente se o estado da lavoura era bom. As respostas, como não poderiam deixar de ser, eram positivas. Então ele anotava o nome do devedor, o numero do empréstimo e informava que o banco podia efetuar a liberação da parcela seguinte, porquanto o laudo oficial seria entregue até o dia da prestação de contas, no final do mês. Era um “bilhetinho” digamos assim, não havia condições de preparar cerca de cento e cinquenta laudos, dava muito trabalho.

            Essa sua ideia tornara-se bastante econômica para ele, é claro, pois não gastava tanta gasolina (rodava apenas da sede para o local, ida e volta), não se cansava, muito menos pagava as refeições. Dos relatórios das visitas (?) constavam as distâncias percorridas para cada propriedade com a maior “cara de pau”. A prestação de contas era como que tivesse comparecido a cada sítio, um por um. Aí o Nobre notou, não aceitou, levou o caso ao gerente (homem bom aquele senhor Guerra!), que mandou corrigir a documentação imediatamente. As despesas foram reduzidas em dois terços. Os outros fiscais, que aprenderam a trilhar quase pela mesma linha, também tiveram de se adaptar ao normal, mas sofreram um tiro certeiro naquele mau exemplo dado por seu colega.

            Certa vez um mutuário que não havia sido visitado (?) foi diretamente ao banco buscar a sua parcela. Discorreu sobre a lavoura, disse que o milho estava com quase um palmo (aí um funcionário numa piada falou que nem queria imaginar o tamanho das lagartas, riso geral), o feijão já com vagens e o algodão florescente. Não poderia ficar prejudicado sem levar o dinheiro por culpa do BB que não o havia vistoriado.

            Mas o interessante é que se examinavam todos os laudos, a fim de verificar se as operações restavam normais, até porque o cliente tinha mais de um empréstimo. Dificilmente aparecia uma ou outra irregular. Mas as parcelas já haviam sido liberadas, agora só restava esperar que o camponês tivesse lucro e fosse liquidar o débito. Num desses relatórios dizia o seguinte: “Estive com o mutuário em sua fazenda e com ele percorri todo o roçado. Plantas viçosas, dentro das áreas contratuais, sendo boas as perspectivas de safras, não devendo haver problemas na liquidação da dívida”. Normalíssima à situação não fora o exame que o Nobre fizera no laudo anterior, no processo, que assim se resumia: “O cliente faleceu no dia tal. A vistoria foi feita juntamente com sua mulher, a viúva. Há boa esperança de safra”. Mas como se o devedor havia falecido, indagara a si próprio o funcionário?

            Convidado a ir à gerência o Pereirinha o fizera. Levou aquela “chamada”. Resolveu aposentar-se. Estava cansado. O segundo na hierarquia andou comprando uma pistola para dar cabo do Nobre... Desistira, porque a razão vence tudo. Os outros três se encaixaram nas normas regulamentares, tal de CIC – Codificação de Instruções Circulares.

            E se o gerente fizesse “vistas grossas”, dissesse que não tomara conhecimento. Decerto o prejuízo dos brasileiros seria muito grande...É como diz o velho ditado: “O mal se corta pela raiz”.

            Com a palavra meus leitores.

Em revisão. Qualquer semelhança de nomes e/ou fatos relatados é mera coincidência.
Ansilgus


ansilgus
Enviado por ansilgus em 05/04/2012
Reeditado em 21/05/2012
Código do texto: T3595513
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