O derradeiro poema
Foi proibido de escrever. Em sua visita semestral ao médico, descobriu que se saísse qualquer tipo de narrativa do seu cérebro – fosse poema, conto, prosa – morreria na hora. Era uma doença rara, e só ocorria nos artistas que forçavam muito o coração ao expressar sua arte. O desse jovem poeta já estava no limite.
O médico lhe deu um frasco com pílulas para reprimir suas idéias. Duas por dia e seu anseio por escrever seria encoberto. Mesmo sabendo que feneceria se não as tomasse, hesitou. Escrever era tudo pra ele, uma compulsão. Sua alma delicada e desenfreada sempre buscava refúgio nas palavras. De que maneira continuaria a vida sem esse vício? Com um conflito interno, saiu do consultório carregando o remédio.
A vida dele passou a ser controlada pelos comprimidos. Todos seus pensamentos importantes foram apagados, subjugados pelas preocupações corriqueiras do dia-a-dia; a imaginação fértil e viajante ficou cinza, tal como a sociedade em que coexistia; seu vazio, antes suprimido pela poesia, se tornou maior. O frágil escritor não percebia essas mudanças, tamanha sua falta de sensibilidade.
Contudo, um dia ele se esqueceu de tomar as pílulas. Um esquecimento simples, mas que desanuviou sua mente por completo. As idéias, os pensamentos, a imaginação... Tudo voltou. E o seu desejo de escrever também, muito mais forte, depois de tantos meses em desuso.
A vertigem tomou o escritor, e ele tentou conter suas sensações. Tentou dominar seu espírito insaciável. Não conseguiu; como um animal ferido que busca alívio na água, mergulhou em si próprio, escrevendo com frêmito desespero num papel velho. Cada batida do coração correspondia a uma palavra que redigia, e quando chegou ao fim do texto, espasmos invadiam todo seu corpo.
Segurando com força seu último poema, deixou a morte se aproximar.