Meninos de rua: o banho
A hora do banho é uma verdadeira festa. As crianças dão saltos e cambalhotas. Rodopiam antes do contato com a água dos rios. Estes são quentes caudalosos e dançam ao sabor da maré, num enche e seca que mais parecem um respirar. As águas são esverdeadas como as cores do mangue, ou às vezes se colorem de um cinza, depositário da sujeira da cidade.
Recife não é só formado por rios, dão suas contribuições variados canais que cortam os subúrbios da cidade. Suas águas também contribuem para a coloração do Capibaribe e do Beberibe; são veias que alimentam os dois grandes rios da cidade. São nestas águas que nossos meninos transformam seu sofrimento em brincadeira. São nestas águas que eles lavam um pouco da sujeira que o mundo lhes deu de presente.
Vemos muitos a brincar e a sorrir. Cada mergulho uma festa. Os mais acalorados gritam e assobiam. O caldo escuro escorre pelos seus corpos magros. O calção de cor clara ganha uma nova tonalidade no contato com a água escura. A miséria neste momento é lavada com a sujeira da sociedade diluída na água.
Suas piscinas não refletem o azul do céu, não refletem o verde do mar, mas sim as cores embaçadas de uma vida ainda indefinida. Um a um, eles vão pulando e gritando. Ao largo, as pessoas param para se chocar com a cena. Como seria possível a alegria e a brincadeira de criança naquelas condições? Parecem pequenos caranguejos ao se esconderem na lama da maré. Os galhos do mangue lhes servem como trampolim. Tudo funciona de improviso. Mas tudo funciona. Não é negado o direito de tirar proveito do rio ou do canal, tão nus quantos nossos menores abandonados. Até nisso a sociedade dá as costas.
O sol da tarde já se apronta para seu sono. Nossas crianças aproveitam os últimos raios para refletirem na sua meninice uma felicidade efêmera. Mais cambalhotas e assobios. Mais saltos mortais e gargalhadas. Estão lá nos últimos mergulhos da tarde, se preparando para o sujo da noite. Um a um vão se retirando. Os maiores colocam os pequeninos nas costas e se vão ao início da noite cumprir o seu destino. Quem sabe amanhã será um novo dia de banho, onde repetirão o ciclo de vida, onde irão arrancar seus grudes a esfregões e devolvê-los para o rio, de água suja e morna num paradoxal contexto de lágrimas claras.