CONTO – Nobre, uma lição de vida – Parte XI
 

CONTO – Nobre, uma lição de vida – Parte XI
 

Em Bacabal – Maranhão:
           

              Fica bastante claro que entendi a tática do Nobre em não contar sua passagem no banco em ordem cronológica. É que assim no seu entender não teria tempo de vida (?) suficiente para dar uma pincelada em outras agências. Voltaremos às que já foram mencionadas na medida em que formos captando os dados desse arquivo ambulante.

             Durante a sua trajetória no BB passara por várias cidades deste nordeste e norte sofridos. Na maioria dos casos para resolver problemas de agências desorganizadas, deficitárias, com quadro de pessoal abarrotado de gente (como se diz na gíria: Saindo pelo ladrão), pouca produtividade, falta de criatividade, etc. Nunca recusara a cumprir ordem do patrão. Queria mesmo fazer carreira no maior banco de fomento do país.

            Pois bem, desta vez, oriundo de Cuité-PB (onde foi Chefe-de-Serviço da Carteira Agrícola, substituindo aqui e acolá o subgerente),  procedente de Limoeiro (PE), fora nomeado para a gerência de Bacabal (anos 1970), cidade maranhense, banhada pelo Rio Mearim (por sinal toda a sua família ficara abismada quando, da estrada carroçável, viu aquele montão de gente tomando banho nu).  O município era assim como um pólo de desenvolvimento, com sua produção agropecuária (arroz e gado de corte), e a indústria extrativa (amêndoa de babaçu, rica em óleo), bem assim as de beneficiamento de arroz, que se espalhavam por toda a jurisdição, composta de oito grandes municípios. Comércio forte e que era o foco de negociantes que vinham de Minas, Goiás e outros estados em busca de grãos do arroz. Nobre não entendera o porquê disso, em face de nessas unidades da federação ser produzido arroz de melhor qualidade. Pesquisou e descobriu que para cada saco do bom produto os comerciantes misturavam um do produzido no norte, aumentando seus lucros. Exemplificando: Se uma saca custasse cem reais nas suas plagas, misturavam com uma de cinquenta reais do norte, o que daria uma média de custo de R$ 75,00 a unidade. Vendiam por R$ 150,00 cada. Aliás, no comércio não se pode abandonar o preço médio, que é essencial na formação do superávit.

            Substituiria um gerente já antigo, perto da aposentadoria, que já havia dado tudo de si ao banco (?), mas que estava sendo punido por exercer atividades estranhas ao serviço, desvio jamais admitido naquela época. Transportaria gado gordo da cidade para a capital, detentor que era de carretas de grande porte. E em sendo gerente do banco toda a clientela lhe dava preferência. Era “mão na roda” como se dizia antigamente.

            Enquanto isso a agência caminhava sem direção, dava prejuízo, não captava depósitos, oitenta por cento dos empréstimos inadimplentes, cobrança nenhuma, verdadeira catástrofe. Sendo a primeira investidura do Nobre numa gerência pensara: “Porra, o banco agora botou pra me lascar”. Era topar ou largar a carreira que estava prosperando.

            Assumira as funções. Para surpresa geral eis que uma semana depois aparece um funcionário portando uma carta da direção geral, a fim de despojar o subgerente das funções, eis que também era detentor de atividade incompatível com o banco. Tinha, segundo informações, uma loja de produtos agropecuários, foice, enxadas, máquinas forrageiras, motobomba, arame farpado, etc. Ora, era o pessoal saindo da Carteira Agrícola e se dirigir diretamente à loja do colega, “um queijo”.

            Inimigo de operações irregulares começara o Nobre a examinar uma por uma e a recomendar providências, mandando fiscal, convidando os devedores a comparecer ao banco, etc. Disse-me que nunca mais se esquecerá dum tal de Januário Silva, um mulato de quase dois metros de altura, bem educado, mas que estava devendo há mais de dois anos um valor significativo que tomara para beneficiamento de arroz, isso acrescido de juros, multa contratual, comissões, etc.

            Chegando à agência, servido de um cafezinho pelo próprio gerente, contara o Senhor Januário, vaidoso demais, que sempre quis pagar a conta, mas o gerente anterior só queria receber de uma vez e ele somente poderia pagar em algumas prestações. E nisso o tempo foi passando até chegar àquela situação de insolvência e nada poderia fazer. Então teve de ouvir do Nobre algumas ponderações e o alerta de que iria mandar requerer a sua prisão imediatamente, em face de ter desviado todo o arroz da garantia, pois era “depositário infiel”, prática da área cível, mas que sujeita o infrator a ir pra cadeia. Sujeito maluco, em plena revolução ter a coragem de desviar produtos do governo, do Ministério da Agricultura! O pior de tudo é que o gerente de então e até o próprio BB poderiam ser penalizados.

            Duvidou, olhou com ares de insatisfação, e foi embora falando “coisas”, como que jurando algo em troco. Requerida a prisão, dera-lhe o meritíssimo juiz vinte e quatro horas para liquidar a conta. Não deu outra. Ele cumpriu sim senhor a ordem judicial e quitara o débito. Depois se soube que era detentor de várias propriedades e criatório extensivo de gado nelore; não lhe fizera falta a quantia despendida. A prisão é a maior instituição deste nosso Brasil...

            Certo é que naquela época nas cidades do interior deste país continente só se respeitavam quatro autoridades: O Juiz, o padre, o delegado e o gerente do Banco do Brasil.

            Depois, ficaram amigos, o gerente o visitara em suas fazendas, fizeram pescarias, comeram churrasco à base de cerveja e tudo voltou à normalidade, inclusive dando-se a ele nova oportunidade de continuar a operar no banco. O BB nunca desejou colocar ninguém pra baixo, mas na hora de exigir seus direitos tinha de fazê-lo, porquanto o dinheiro era do povo.

            Para resumir o orgulho daquele senhor basta dizer que veio ao Recife, certa vez, a fim de colocar dois dentes de ouro numa janelinha frontal de sua boca. A recepcionista vendo aquele homenzarrão mulato (e aqui se afaste qualquer ideia de discriminação), calça de linho “boca de sino”, desconfiara de que ele não teria recursos para pagar as despesas, que eram enormes. Disse-lhe algo que o magoara deveras. Então dele ouviu que “queria colocar toda a sua dentadura de ouro”. Foi o que fizeram. Passara a ser o sorriso mais caro do Maranhão.

            Vale aqui um registro. Já no primeiro semestre de atividade na agência o garoto Nobre (tinha apenas nove anos de banco) ofereceu lucro à direção geral, e o funcionalismo que nunca mais soubera o que era superávit foi comemorar a vitória na AABB local, numa farra que durou quase um dia e virou noite adentro.

Bem, até a próxima oportunidade.  

Nota: Estou tentando resumir, enxugar, mas fica difícil.
Ansilgus

Nota: A foto é do Colégio Nossa Senhora dos Anjos - Bacabal (MA).
ansilgus
Enviado por ansilgus em 01/04/2012
Reeditado em 21/05/2012
Código do texto: T3588112
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