O SEGREDO
O SEGREDO
Na cidade a família Moreira era bem conceituada. Dona de uma fábrica de doces primava pelo modo de tratar os funcionários, com humanidade, se preocupando com a parte social. E era bem afamada pelos doces que produzia além de ser uma empresa familiar, que passava de geração em geração.
Pedro Moreira é o atual, vamos dizer assim, presidente função que assumiu com a desistência de seu pai “seu” Orlando, quando adoeceu e se viu impossibilitado de continuar exercendo o que mais gostava de fazer: cuidar da sua fábrica. Família muito unida contava ainda com o Zé Roberto, filho adotivo e muito querido, Maria Helena a filha mais velha e, como Zé Roberto, formada em Administração de Empresas e Solange que também ajudava e cursava Contabilidade na faculdade local. A esposa, Graça cuidava da parte da preparação dos doces. Era tudo muito bem calculado e administrado. E a empresa ia muito bem, tanto é que estava em fase de expansão.
Havia ainda o seu João, uma figura bem simpática e que estava muitos anos com a família Moreira, e que era encarregado da parte de manutenção e controle dos estoques dos produtos para fabricação dos doces. Era semi-alfabetizado, mas muito inteligente e gozava de muita estima por parte do pessoal. Já tinha recebido outras propostas para trabalhar em outros lugares, mas não pensava nisso. Tinha muito que agradecer pelo o que os Moreira vinham fazendo por ele. Estava com cinqüenta e seis anos de idade e continuava firme. Além do que se dava muito bem com o Zé Roberto, pois estavam sempre juntos ajudando em qualquer coisa que o jovem precisasse.
Um dia, conversando com seu João, Zé Roberto lhe perguntou:
- João, você nunca pensou em se casar de novo?
- Não, Zé. Eu só tive uma esposa, que eu amava muito, e depois que ela morreu preferi continuar assim. – respondeu João.
- Nunca teve dúvida, então? – continuou a perguntar Zé Roberto.
- Nunca. Estou bem assim. Além do mais aminha família agora são vocês. Há vinte e seis anos estou com vocês e pretendo continuar assim. Vamos mudar de assunto?
- Mas só mais uma pergunta. Você sabia que sou filho adotivo?
- Vai mudar alguma coisa se você descobrisse quem era seu pai verdadeiro? – rebateu João.
- Não vai mudar em nada. Mas gostaria de saber quem era. Quem sabe, ter dois pais...
Não seria bom?
João não respondeu nada. Puxou Zé Roberto pelo braço e levantaram-se para ir almoçar, pois os estavam chamando. João era como se fosse da família, almoçava junto com os Moreira sempre. E era sempre chamado de Tio.
No domingo depois do almoço, João chamou Pedro a um canto e foram conversar.
- Pedro, estou preocupado. Zé Roberto e eu somos muito apegados um ao outro e agora deu de fazer perguntas sobre o seu verdadeiro pai. Isso não pode atrapalhar?
- João, quando adotei o Zé prometi para mim mesmo que não iria lhe esconder nada. Tanto é que quando teve idade suficiente para entender lhe contei que era filho adotivo, mas nós o amamos como se fosse filho verdadeiro. E nada mais natural que venha essas perguntas. Tem de ser assim.
João concordou com o que Pedro falou. Um dia a verdade teria que aparecer. O resultado disso não se poderia saber.
Já havia surgido uma ligação afetiva entre João e Zé Roberto e sempre estavam juntos.
Pedro, uma noite, chamou a esposa e falou:
- Graça, parece que cada dia que passa está chegando o dia. Parece que não vai ter jeito.
- E a promessa que você fez? Como fica? – questionou Graça.
- Uma hora ela vai ter que ser rompida. Não vai poder continuar assim para sempre.
- Como será que ele vai reagir? – retrucou a esposa.
- Ele vai entender.
Dias se passaram. O assunto ficou por um tempo adormecido. Nada se falava.
Era uma terça-feira. Pedro chamou João e lhe falou:
- João, tenho ume entrega de doces para fazer e se você puder ir até a cidade vizinha entrega-la, me faria um grande favor. Não estou podendo sair agora, pois tenho alguns negócios para resolver. Faz esse favor?
- Claro, pode deixar que eu levo. - disse João.
Zé Roberto que escutou a conversa, falou:
- Estou meio folgado hoje e poderia ir junto. Se não houver nenhum empecilho.
Pedro e João se olharam, mas não podiam fazer nada.
- Pode ir sim. Vai ser de boa ajuda para o João, pois são vários pacotes. Ele vai precisar de ajuda. – concordou Pedro.
Pegaram a perua e saíram. Contavam em estar de volta antes do anoitecer.
Durante a viagem de volta Zé Roberto voltou a tocar no assunto, o que deixou seu João com uma “pulga atrás da orelha”. Mas encarou.
- Sabe João, eu gostaria muito de saber quem é meu pai verdadeiro. Não vai mudar em nada em relação ao Pedro. Acho que tenho o direito de saber, você não acha?
- Porque não conversa com sue pai e pergunte mais sobre isso? Tenho certeza que vai achar uma solução.
João já estava se sentindo inquieto. Subia um nó na garganta que a vontade de contar tudo era enorme. Tentava se segurar o mais que podia. Mas agüentaria?
Desde que sua esposa morreu no parto, ele se afastou por alguns anos. Era caminhoneiro e não tinha como cuidar do filho. Os familiares da esposa nunca deram notícia, pois eram totalmente contra o seu casamento com Dora. Depois que ela faleceu... Não, não se arrependeu do que fez. Foi o melhor. Mas será que o filho o perdoaria? “Vai ser uma noite muito longa” – pensou.
Por outro lado Zé Roberto andava desconfiado. Por que tanta afinidade com João? Parece que ele o conhecia há muito tempo! Não sabia explicar.
Ao chegarem à empresa João pediu a Zé Roberto que descarregasse a perua enquanto ia falar com Pedro sobre a entrega do produto e o pagamento a ser feito. Esquecendo de pegar a chave do veículo, Zé Roberto saiu atrás. Pedro e João foram até o escritório conversar e não notaram a presença do rapaz.
- Pedro, está ficando mais difícil essa situação. Estou pensando em me afastar para que as coisas voltem ao seu lugar, como deveria ter sido sempre. Estou atrapalhando.
- João, olhe bem. Eu te entendo. mas não vai poder ficar fugindo sempre. Vai chegar a hora que vamos ter que falar. Por isso... – não deu para completar.
Zé Roberto entrou no escritório e perguntou:
- Falar o quê, Pai? – perguntou o filho.
Surpresos ficaram parados por alguns segundos. Teriam que pensar depressa. Ou agora ou nunca, só que daí teriam que contar alguma coisa convincente. Olharam-se e resolveram.
- Senta aí, Zé. - disse Pedro.
- O que é de tão importante que quer me falar?- perguntou.
- Senta e escute. É importante. Você sempre quis saber quem era seu pai verdadeiro e acho que tem esse direito. Quando você nasceu sua mãe teve problema no parto e não resistiu, vindo a falecer. Seu pai, que exercia a profissão de caminhoneiro, desesperado não sabia o que fazer. Não tinha como sustenta-lo. Como sua mãe trabalhava com a gente, seu pai me disse para cuidar de você como um filho pois não teria condições de fazê-lo. Eu hesitei mas fui convencido. Ele foi cuidar da vida como caminhoneiro e se afastou por uns cinco anos. Acontece que sofreu um acidente e foi proibido de dirigir veículos pesados. Sem saber o que fazer voltou e contou a sua história. Resolvi emprega-lo e passou a trabalhar comigo e o considero como parte da família. Então...
- João é meu verdadeiro pai? Todo esse tempo e estava com ele perto de mim? Porque não me contaram? – perguntou Zé.
- Fui eu que pedi. Achei melhor assim. Não teria como sustenta-lo. – disse João.
- Mas eu disse quando chegasse à hora tudo seria dito. Era um segredo e que um dia teria que ser revelado. – explicou Pedro.
Zé Roberto estava perdido em seus pensamentos, não sabia o que falar. Os sentimentos vieram e tona. Não sabia o que dizer. Estava feliz? Por isso sentia a vontade quando estava perto de João. Era um sentimento que não sabia explicar. Mas Pedro também o criou como um filho e não poderia esquecer disso. Afastou-se e saiu para pensar no que fazer. João quis ir atrás mas Pedro o impediu. O que poderiam fazer, agora, era esperar pelo que vinha pela frente.
Zé Roberto só foi aparecer ao fim da tarde. Veio com o ar pensativo. Pensava em qual decisão tomar. Apesar de ter falado que gostaria de conhecer o verdadeiro pai e de que ter dois seria até legal, não deixava de ter preocupações. E agora? O que faria? A decisão já estava tomada.
Ao chegar a casa encontrou Pedro e João apreensivos e angustiados. O que iria ser agora?
Zé Roberto chegou, olhou para os dois, respirou fundo e falou:
- João, posso te chamar de pai, também? – disse emocionado.
A tensão reinante, de repente, transformou-se num largo sorriso de ambos os lados. Um abraço longo e apertado, com muitas lágrimas, selou o reencontro definitivo. Ele estava tão perto e ao mesmo tempo tão distante. Pedro chegou junto aos dois e os abraçou.
- Você também é meu pai, vamos ficar sempre juntos. Já somos uma família!
As irmãs e a mãe também vieram e se juntaram em um longo abraço.