Preparativos de casamento
Markylene sempre age com parcimônia quando é para gastar o seu dinheiro. Muito cautelosa, cuida de seus parcos recursos, ganhos com muito trabalho, como uma economista com formação em Harvard e aluna dos mais renomados economistas do planeta. A preocupação com o amanhã a deixa sempre desconcertada.
Noiva há mais de seis anos, somente pela pressão das amigas e dos familiares do noivo ela resolveu dizer o sim para o noivo. Colocou em campo algumas amigas, que receberam o título de cerimonialista, decoradora, preparadora da lista de presentes, da lista de convidados e endereçadora de convites, com o objetivo de procurarem locação do salão de festa, preparação dos convites, relação dos convidados, escolha do vestido, que seria alugado, a confecção do bolo e o fornecimento de salgadinhos e bebidas. A todas pedia cautela quanto aos gastos, era necessário ter o preço de pelo menos três fornecedores, procedimento aprendido em suas atividades como responsável pelo setor de compras da igreja evangélica que frequenta. O casamento foi acertado entre os noivos para dali a três meses.
Com as amigas que ficaram encarregadas de encomendar o bolo, Markylene tomou conhecimento das primeiras dificuldades na preparação de um casamento. A reserva de um salão de festa é feita com antecedência, entre seis meses e um ano. Isso elas ficaram sabendo depois de telefonarem para diversos bufês da cidade. Todos só tinham vagas para o fim do próximo ano. Mas isso não foi problema, na verdade uma solução para não gastar dinheiro com esse item, o casamento e a recepção seriam no salão de sua igreja, gentilmente cedido pelo pastor.
Faltava o bolo, o bolo de noiva, o principal ornamento da cerimônia. Também foi um Deus nos acuda. Foram vários telefonemas, os dedos das amigas já estavam inchados. A resposta era sempre a mesma: só aceitamos novas encomendas no próximo ano. Outra complicação! Já desanimadas, resolveram telefonar para o último número de uma lista que elas haviam preparado atendendo a sugestões de várias pessoas.
- Alô, de onde fala? - perguntou Markylene. É da casa de dona Antônia?
Do outro lado da linha uma voz jovem de mulher respondeu que sim.
- Estou precisando de uma pessoa que faça um bolo de casamento para mim, para o mês de março. Ainda era janeiro.
A resposta positiva deixou Markylene e as amigas bastante animadas. Tomaram nota do endereço e as referências necessárias para se chegar até ao local indicado por dona Antônia, a data do pagamento de 50% da encomenda foi acertada e o telefone desligado. A referência dada por dona Antônia era do conhecimento de uma das amigas. As duas acertaram que a visita à confeiteira seria no dia seguinte.
Cedo, elas estavam no ponto de ônibus que as levaria ao local de destino. As duas amigas subiram para um ônibus lotado, não conseguiram cadeiras para sentar-se e depois de mais de uma hora desceram na parada onde dona Antônia havia indicado. Era a parada em frente de uma igreja, de lá elas seguiram, a pé, três quarteirões a mais, conforme indicado por dona Antônia. Nada da rua recomendada. Pensando ter se enganado na orientação, Markylene convenceu a amiga a andarem mais seis quarteirões para frente. No final da caminhada encontraram um entregador de gás que informou que a rua procurada ficava do outro lado da parada de ônibus em que elas desceram. Nova informação errada. Então elas apelaram para o celular, mesmo gastando, e telefonaram para a dona Antonia.
Novamente foram passadas referências para se chegar à casa da boleira. As informações indicavam que elas estavam muito longe do endereço procurado e que não havia ônibus a partir daquele local para a casa de dona Antônia. Novamente elas tomaram o rumo do roteiro informado: andar até a um viaduto que passava sobre a rua, que elas estavam, entrar à esquerda e andar oito quarteirões mais. A recomendação era que elas deveriam apressar o passo, pois dona Antônia tinha compromisso agendado para logo mais.
Ao chegarem a casa tão procurada, encontraram em frente da porta um tremendo carro importado.
- Poxa! Que carrão – comentou Markylene. Essa mulher deve ser muito chique, olha que casa bonita!
Com receio, a amiga tocou a campainha e pelo interfone pediu para falar com dona Antônia. Do outro lado da porta a empregada, vestida a caráter, avental branco, gorro na cabeça, para evitar queda de cabelo, solicitou às duas que esperassem na sala de visita, pois a patroa estava atendendo a outra cliente.
As amigas, aproveitando-se da presença da empregada, pediram água para beber. Levadas à cozinha, foram servidas com água da torneira, que exalava forte cheiro de cloro e apresentava gosto forte dessa substância. Da cozinha perceberam que havia uma senhora comendo um pedaço de bolo e imaginaram ser ela a cliente mencionada pela empregada. As duas começaram a salivar em demasia, pois a andança até aquela casa provocou fome em ambas. Em vão esperaram o oferecimento de um pedaço desse bolo.
A cliente era realmente a dona do carro importado estacionado em frente da casa. Pouco tempo depois essa senhora se dirigiu ao carro e desapareceu da visão das duas amigas. Em seguida dona Antônia apresentou às novas clientes sua mãe, dona Maryluce, a verdadeira confeiteira, a filha Antônia era a encarregada de anotar os pedidos dos clientes e agendar as entregas.
Um bem montado álbum de fotografias foi apresentado à Markylene, mostrava todos os tipos e tamanhos de bolo confeitado, bolo para aniversário, bolo de noiva e para outras ocasiões festivas. Os olhos de Markylene brilhavam maravilhados com o que viam. Aquilo ela só conhecia pela televisão. Sua preocupação de imediato foi em relação aos preços de cada exemplar exposto naquele álbum. Verdadeiras obras de arte.
- Quanto custará um bolo deste? - perguntou baixinho Markylena à amiga. A resposta, também baixinho, veio como um salto acrobático:
- Deve custar o preço que você vai gastar com a festa inteira. Isso, na verdade, não parece bolo para festa de pobre.
Dona Maryluce, a confeiteira, passou às mãos de Markylene uma lista que continha o nome do bolo, o número correspondente à foto no álbum e o preço de cada unidade. As duas amigas ficaram fazendo comparações entre o bolo mostrado na foto e seu preço. Alguns caríssimos, outros de custo mediano e poucos dentro do valor determinado por Markylene para esse item da festa de casamento.
Já quase decididas sobre qual número encomendaria, as amigas pediram para dona Maryluce um pedaço de bolo para provarem.
- Hoje não é dia de provar bolo, respondeu a confeiteira. Se você quiser venha na quarta ou quinta-feira, você provará desse bolo, pois tenho encomenda dele para essa data.
Assentindo, Markylene apontou no álbum o bolo que queria, cuja lista marcava R$ 80,00. A confeiteira, olhando desconfiada para a nova cliente, foi taxativa:
- Você tem que deixar uma caução de 50% do valor do bolo!
- O que é caução? Perguntou mais desconfiada ainda Markylene. Era a primeira vez que ela ouvia falar essa palavra.
Dona Maryluce, com olhar de desdém, explicou que era um adiantamento que toda cliente tinha que pagar para garantir a confecção do bolo, pois ela não poderia perder caso não viessem apanhar a encomenda no dia marcado.
- Mas eu não fui avisada sobre isso, exclamou Markylene. Eu não trouxe dinheiro comigo, somente o do transporte.
- Então a senhora traz, paga amanhã, senão não terá seu bolo para a festa do casamento, sentenciou a confeiteira, já demonstrando aborrecimento.
Com receio de perder a oportunidade, Markylene assentiu e prometeu que na manhã do dia seguinte, bem cedo, estaria lá para entregar a caução.
Depois da despedia, as duas amigas fizeram todo o percurso de volta sob um sol escaldante e abafado, comum nas tardes de janeiro em Fortaleza.
Ao chegarem à parada de ônibus, cansadas, perceberam que já havia uma fila enorme. O primeiro ônibus passou, depois de quase uma hora de espera e quase não pegou ninguém. Ali era a segunda parada do início de uma linha. Do céu as nuvens começavam a tingir as ruas em cinza fechado, prenúncio de chuva forte. E ela veio forte, fria e acompanhada de vento também forte e cortante. Nessa parada não havia abrigo para os passageiros, tampouco marquises que pudessem ser usadas como proteção contra a chuva que teimava cair forte.
Como providência apareceu logo um outro ônibus, todos que o esperavam estavam molhados, uns mais outros menos, principalmente aqueles mais prevenidos, que traziam capa ou guarda-chuva. As amigas, sem proteção, estavam encharcadas.
Ao entrarem no ônibus perceberam que ele era novo e dotado de ar-condicionado. Markylene então falou para a amiga: - Há oito anos que moro aqui em Fortaleza, nunca peguei um ônibus com ar-condicionado, foi a primeira vez. Como já pagamos a passagem não podemos descer, só no terminal.
Alérgica a ambiente frio, a futura senhora Markylene passou a espirrar, a amiga também. Todos olhavam para aquelas duas moças, molhadas até aos pés, que num compasso cadenciado espirravam alto. Alguns passageiros se afastaram delas, foram para a parte posterior do ônibus. Outros ficaram, mas guardavam certa distância de ambas. As duas tremiam como vara verde, o motorista não abaixava o controle do frio do aparelho. Elas, com vergonha da situação, não pediam.
Com seus botões Markylene conversava: - Eu nunca pensei que fosse tão difícil casar, muito menos encomendar um bolo de noiva. Agora entendo por que as noivas ficam tão cansadas e estressadas na véspera do casamento. Sempre minhas amigas dizem que não viam a hora de chegar o dia da festa, principalmente de seu término. Eu pensava que era por causa da lua-de-mel, agora eu sei que são os preparativos para o casamento que as levam a pensar assim.
Na manhã do dia seguinte, bem cedo como prometera, e sem os atropelos do dia anterior, mas gripada e com febre, Markylene batia à porta de dona Maryluce. Ao solicitar o recibo correspondente à caução, dona Antônia, muito ciosa de sua condição de guardiã do dinheiro e dos negócios da mãe, informou que estava faltando pagar o valor total da armação para sustentar o bolo.
Bastante contrariada e já explodindo de raiva, Markylene informou que só tinha trazido o dinheiro da caução, pois não fora avisada da necessidade de pagar a armação. Argumentou se o bolo não poderia ir sem a armação e teve uma resposta negativa. Respirando fundo, ela procurou se acalmar. O interesse era dela, não tinha como retroceder na encomenda. Já que havia chegado a esse ponto, o jeito era voltar no outro dia e fazer o pagamento pedido. Senão, a festa de seu casamento ficaria sem bolo. E o que iram falar os parentes do noivo e as suas amigas? Pensariam que era mais uma demonstração de seu pão-durismo.