Ruídos da Nostalgia

É fácil pro garoto falar com seus antigos amigos sobre como sua vida flui agora. Outra rua, outro tênis, outro colégio, outro número, outra pessoa, a mesma pessoa. Não há demônio com que lidar. Não há velas a acender. No diário do garoto, não há mais Errorex, na fogueira ele tocou suas antigas manias.

Mas os mesmos erros ele está prestes a cometer. Ele sabe disso. Enquanto volta pra casa, o vento frio e nauseante da noite que atravessa a janela do ônibus brinca com o seu cabelo. O passado é vertiginoso. Rodeado por outros, mas isolado no mundo, gruda a cabeça no vidro da janela e fecha os olhos. Cada pessoa naquele ônibus tem uma história pra contar.

O garoto se sente tão leve que se preocupa de sair voando por aí e se perder da realidade. Como pode alguém com tão pouco pra contar, sofrer de tal nostalgia? A cada rua que o ônibus passa, uma nova ferida se abre na memória do garoto. Saudades daquela escadaria. Saudades do vizinho chato, da música idiota de pré-adolescente, do antigo apelido. Saudades das estrelas...

Amaldiçoado ele é, e assim será por toda sua vida... Pois atrás de cada gargalhada escancarada, há uma unha roída. Nunca nada mudará, é só a capa do diário que troca. O garoto está preocupado, porque esta noite, quando apagar a luz do quarto, sua sombra o abandonará. E assim vai ser pelo resto da vida.

Este conto é dedicado a todos que sofrem do mal da nostalgia, que a cada passo dado, deixam cair uma parte de si no caminho, e a recobra de pior maneira possível.

Eduardo Kuhn