O bandido Manchinha: o engano
Contratar profissional sem qualificação quase sempre resulta em conflito, que pode chegar às raias de consequências imprevisíveis.
Clodivaldo é vigilante ou segurança, não sei definir, terceirizado, em banco estatal em cidade do interior do Ceará. De instrução equivalente ao ensino fundamental, ele jamais foi capacitado para exercer essa função. Era faxineiro e quando o vigilante ou segurança, qualificado para tal função, trabalhava nessa função e nesse banco há mais de 15 anos, morreu, ele assumiu o lugar desse companheiro morto e encontra-se até hoje no posto e na atividade.
Na verdade, ele sempre foi chamado para receber instruções de como agir em ocasiões especiais, mas seu grau de intelectualidade e assimilação encontra-se muito abaixo da maioria das pessoas que exercem funções subalternas, principalmente nesse tipo de emprego ou subemprego, impedindo-o de enxergar um palmo adiante do que aprendera até a idade de 20 anos ou um pouquinho mais. Tudo era difícil, mas ele gostava de atender a pessoas, de mostrar aos indecisos onde encontrar, no banco, o que estavam procurando. O gerente do banco o mantinha porque se beneficiava de seus préstimos. Clodivaldo, aos sábados, cuidava de seu carro, dos cachorros e de sua casa, em troca de algumas merrecas.
Na cidade onde funcionava a agência desse banco estatal o governo estadual construía grande obra, para levar água à região da grande Fortaleza, estendendo até ao complexo Industrial e Portuário do Pecém, distante 90 quilômetros de Fortaleza.
Muitos profissionais foram contratados: engenheiros, economistas, técnicos e pessoal de apoio. Alguns recrutados localmente, outros como engenheiros e pessoal de direção vieram de outras localidades. Entre estes, cinco portugueses. O mais jovem, economista, veio assumir a área de pessoal e financeira. Calmo, comedido e de poucas palavras.
Sexta-feira, final de semana de muito trabalho, os portugueses se preparavam para conhecer Fortaleza, pegaram suas sacolas de roupas e artigos de higiene pessoal, suficientes para dois dias, e rumaram para o banco, trocar euro por real. Em lá chegando encontraram a porta fechada, 16h05, o expediente se encerrara às 16h. Na verdade, o relógio do banco estava adiantado 8 minutos. No interior da agência havia muita gente, como acontece geralmente às sextas-feiras de cada início de mês. Os portugueses tentavam convencer Clodivaldo a deixá-los entrar, pois queriam trocar os euros deles por real. O homem não entendia nada do que os conterrâneos de Camões diziam.
Eles pediam para chamar o gerente ou qualquer outra pessoa para explicarem sobre as suas necessidades. Irredutível, o vigilante ou segurança, agarrava a porta firmemente, só deixando passar os clientes que saíam do banco. Em dado momento, após a passagem de um cliente, o português mais jovem do grupo, o economista, nervoso, colocou um pé à frente, impedindo que a porta fosse fechada. O nervosismo de Clodivaldo aumentou, começou a gaguejar, a gesticular muito, que chamou a atenção do gerente. Rapidamente ele acionou a polícia e se dirigiu à porta de entrada do banco, onde reinava a maior confusão.
Com receio de causar mais celeuma, os portugueses saíram apressadamente e se dirigiram à praça principal da cidade, para esperar a condução que os levaria ao fim de semana nas praias de Fortaleza. Procuraram uma mesa no bar local, pediram algumas cervejas e, descontraídos, faziam piada do ocorrido no banco. De repente, eles perceberam que estavam cercados por quatro policiais, portando fuzil automático, um pouco desgastado, e um paisano, que dava ordens aos militares e aos portugueses. Ele queria saber quem era o Manchinha, o chefe da quadrilha que tentara assaltar o banco há pouco tempo. Assustados, os gajos procuraram explicar o ocorrido, quem eram eles e por que precisaram ir ao banco. O delegado insistia em conhecer o Manchinha, que pela descrição do segurança do banco era o menor de todos, tinha uma mancha de cabelos brancos e falava esquisito, parecia inglês.
Desconfiado, o Manchinha deu as caras, o delegado caiu na gargalhada, reação acompanhada por todos, pediu desculpa e afastou o grupo de curiosos que se aglomerava em volta dos portugueses. A condução que os levaria até Fortaleza chegou, todos tomaram seus lugares e chegaram ao destino ainda comentando o ocorrido. Aliviados, eles se perguntavam: e se tivéssemos ido direto para a estrada, o que teria acontecido?