Não precisava enganar o sacristão

Nascido em uma cidade do interior de qualquer estado do Brasil, no final da década de 20 do século passado, João Gomes fazia parte de uma pequena família, constituída somente de pai, mãe e uma irmã, além dele próprio. Religiosa ao extremo, essa família sempre se preocupava com o comportamento de seus membros. Sua mãe, o esteio da família, era quem ditava as regras a serem seguidas, dentro e fora de casa. A Bíblia servia como guia para acompanhar o desenvolvimento moral dos filhos e as censuras sempre acompanhadas de citações bíblicas.

Em sua casa, as refeições de domingo eram preparadas no sábado, pois naquele lar não se fazia nada no domingo por ser o dia de descanso e reservado ao lazer da família, com passeios no parque da cidade, sempre a pé, já que o pai não permitia a realização de esforço físico nesse dia, bicicleta, nem pensar. Não se podia trabalhar, vender nem comprar, nem mesmo pipoca, no domingo, dia do Senhor. As regras eram rígidas.

Seu pai vendia bíblias e revistas evangélicas pelo sertão brasileiro. Em suas andanças de trabalho tentou expor seu material de venda em uma praça de uma pequena cidade, era dia de feira.

Alertado por fiéis mais calorosos da igreja católica, o padre local ficou sabendo que havia uma nova seita na cidade vendendo uns livros de capa preta, que o vendedor dizia tratar-se da Bíblia. O padre juntou uma turma e rasgou todos os livros, colocou querosene e tocou fogo. O visitante vendedor voltou ao seu destino, para pegar novo material e seguir em frente.

Nessa época muitos padres nordestinos estimulavam os fiéis católicos a atacarem qualquer ser vivente que professasse outra religião que não a católica. Em algumas cidades os feirantes e comerciantes eram proibidos de vende qualquer tipo de alimento para os não católicos. Então, aqueles que fornecessem comida aos “bodes”, apelido atribuído aos crentes daquela época, seriam excomungados.

Já rapaz, João Gomes recebeu de presente de seu pai uma máquina de escrever, da marca “Remington”. Era para aprender a datilografar, segundo o pai, porque, no futuro, só arranjaria bom emprego quem soubesse trabalhar naquela máquina.

Sua preocupação com as restrições impostas pela sua religião o levou a se casar ainda bastante jovem. Assim, evitaria as tentações do mundo, não teria que procurar mulher, ter relacionamento fora de casa.

Infelizmente esse casamento, após certo tempo de convivência, deu com os burros nágua. Sua mulher, que era católica, se envolveu com um pastor da igreja que frequentavam, e a separação foi inevitável.

Para casar-se novamente, João Gomes recorreu à Igreja Católica, que no Direito Canônico admite o casamento misto, entre um católico e um evangélico, desde que se prove que um deles é realmente católico, possível pela Certidão de Batismo. O casamento misto não faz exigências quanto aos atos de se comungar, se confessar e de se batizar na Igreja Católica.

Entretanto, ao expressar desejo em se casar com um presbiteriano na Igreja Católica, a noiva de João Gomes foi ao seu confessor, Padre Freire, que fez a seguinte observação: “Olhe, eu não faço casamento de viúvo de mulher viva”. Seu noivo é apenas separado de sua primeira esposa.

Disposto a se casar o mais rápido possível, João Gomes procurou localizar onde a esposa anterior havia se batizado, embora achasse ser uma tarefa bastante complicada. Também não poderia perguntar à mãe dela, pois ela perceberia que a certidão era para se casar novamente.

Ele entrou numa igreja e falou com o Sacristão sobre o seu problema. Mostrou todos os elementos necessários para a localização do documento pretendido: o nome dela, dos pais, dos avós, dia do nascimento. Era uma quarta-feira e o Sacristão disse que ele viesse buscar a certidão na segunda-feira. Achando que o sacristão emitiria nova certidão apenas pelos dados informados, ele ofereceu mil cruzeiros para que o documento fosse entregue ainda naquele dia, pois não tinha tempo a perder. A oferta não foi aceita pelo sacristão, já que a taxa era de apenas duzentos cruzeiros e tinha prazo de entrega já que ele precisaria fazer consulta na igreja que realizou o batismo. Ao receber a Certidão, na sexta-feira, ele notou que além das informações que havia prestado, constava no documento a observação: “E foram madrinhas de apresentação e de crisma fulana e fulana.” A estratégia empregada por João Gomes, para conseguir o que queria, pela força do dinheiro, não prevaleceu nesse caso. Aquela Certidão era autêntica porque ele não havia entregue esses dados, madrinha de apresentação, nem madrinha de crisma.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 24/03/2012
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