Férias na Volta da Jurema

Era comum, lá pelos anos cinquenta do século passado, nosso pai alugar uma casa de praia que existia na Volta da Jurema, nas proximidades da construção do Jardim Japonês. Antes dos prédios, naquele local, em cima das dunas havia duas casas grandes, com alpendres em forma de arcos.

Separando a nossa casa de férias, que ficava bem próxima da praia, e as duas mansões sobre as dunas, passava uma rua estreita, calçada com pedra tosca, que terminava logo depois do Iate Clube.

Praticamente aquele trecho não passava de uma vila de pescador, constituído de pequenas casas e apinhado de jangadas ainda construídas com paus de piúba, madeira hoje quase extinta.

Essas jangadas eram construídas com 6 paus: dois no centro, formando os "meios", outros dois colocados ao lado dos “meios”, formando as mimburas, palavra de origem tupi, e os dois restantes nos externos, chamados de "bordos". Os quatro paus mais centrais (meios e mimburas) eram unidos por cavilhas de madeira mais dura que a desses paus. Já os paus de bordo são encavilhados nas mimburas, de modo a ficarem um pouco mais elevados.

Para os que não sabem, a jangada é um dos barcos mais seguros, de custo muito baixo e bastante apropriada para as condições do Nordeste brasileiro.

Nesse ambiente simples e tranquilo, passamos algumas vezes as nossas férias. Não sei quem era o dono daquela casa, meu pai sabia, mas não era coisa que nos interessava.

Lembro-me muito bem que era uma casa grande, pois cabia muita gente, principalmente as nossas primas, as sobrinhas de meu pai. Que eu me recorde tinha de três a quatro quartos, sala e cozinha enormes e ficava bem próximo das primeiras águas da maré. Entre a casa e a praia tinha uma cacimba, que é um poço cavado até a um lençol de água. Quando cavado em ambiente de areia ou muito úmido, suas paredes são protegidas por muro de tijolos, que se entende além da superfície do terreno, mais ou menos um metro. São geralmente construídas de forma arredondada, que permite maior segurança.

Essa cacimba escavada entre a casa e a praia foi palco de um acontecimento inusitado.

Eram as férias de junho, mês das festas de São João e São Pedro. Meu pai costumava comprar fogos de artifício para soltar à noite, em frente de uma bela fogueira construída com material conseguido pelos filhos de pescadores que rondavam sempre nossa casa nessas ocasiões. Cada estaca ou pedaço de madeira valia dez centavos.

Morteiros, estrelinhas, traques, bombinhas, chuveirinho, rodinhas faziam a nossa alegria. Não posso me esquecer da canjica, preparada por meu pai, do bolo de milho, do milho assado, do pé-de-moleque e do aluá, iguaria de origem indígena que no Ceará recebeu adaptações. Minha mãe fazia com casca de abacaxi maduro, pão dormido, rapadura, cravo-da-índia, gengibre ralado e água, tudo colocado em um pote de barro, para descansar durante três ou quatro dias, até fermentação completa. Coava e servia durante toda a festa.

Meu pai soltava os fogos mais perigosos, a criançada ficava apenas olhando. Um desses artefatos, o aviãozinho, era o mais esperado. Colocado sobre uma pedra e aceso o seu pavio, bastava esperar um pouco para ele subir a uma determinada altura e depois cair rapidamente.

A criançada acompanhava sua queda como quem acompanha a queda de uma pipa. A algazarra era completa, todos nós participávamos. Em uma dessas decidas do aviãozinho, ele tomou a direção da praia. Como búfalos sem orientação, corremos nessa direção, empurros, quedas na areia, tropeços nas palhas do coqueiro espalhadas pelo chão, uma confusão completa, que só terminou quando alguém levantou o seu troféu e gritou: - É meu, eu peguei. Foi uma inveja só, era o ultimo aviãozinho daquela noite e daquele ano.

Depois de tudo calmo, meu pai sentiu falta do filho mais velho, o Roberto. Fomos todos procurá-lo na praia. Alguém passando pela cacimba ouviu um grito abafado:

- Quero sair daqui, me tirem daqui. Espantado, o garoto também gritou: - Ele está aqui dentro da cacimba. Todos correram para lá.

Depois de o Roberto ser içado por uma corda, ouviu-se a Maria, nossa empregada, falar, já chorando: - Padim Aloísio, era assim que ela chamava meu pai – não brigue com o menino, ele caiu porque é milton. Na verdade ela queria dizer que o mano era míope.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 24/03/2012
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