Encandeado por um vaga-lume
Embora não sendo agrônomo, eu frequentava assiduamente a SEAC, Associação dos Engenheiros Agrônomos do Cacau. Meu irmão Roberto, conhecido pelos colegas agrônomos como Roberto Canoão, por causa do capim canoão, da família Poaceae(=Gramineae), gênero Setaria, espécie Setaria poiretiana (Schult.) Kunth, que ele combatia nas roças de cacau do Sul da Bahia, era sócio e sempre me convidava. Eu também recebia convite de outros agrônomos, pois morava na República dos Inocentes com mais cinco ou seis colegas de Ceplac: um Engenheiro Florestal, o Scárdoa, um Sociólogo, o Selem Rashid, e um Administrador de Empresa, o Eduardo Nascimento. Os agrônomos eram Francisco Ilton e Sérgio da Vinha.
A Ceplac, do Ministério da Agricultura, responsável pela cacauicultura brasileira, realizando pesquisa técnico-cinetífica, realizando trabalho de extensão e mantendo escolas agrícolas para formar técnicos agrícolas para a lavoura cacaueira, se firmava como um dos mais importantes órgãos do governo federal dedicado à agricultura. Tempo bom aquele.
Localizada no Bairro Jardim Vitória, em Itabuna, Bahaia, a SEAC, depois do Grapiúna, era o melhor clube de Itabuna, na Bahia. Promovia grandes festas, frequentadas por parte da sociedade grapiunense.
Para uma dessas festas, fui convidado pelo Charles José, agrônomo da Divisão de Geociências, unidade na qual eu também trabalhava.
A festa em questão, pré-carnavalesca, transcorria muito animada, todos se conheciam e nunca havia briga no recinto. Poucos eram os desacompanhados. Os não casados estavam sempre com suas namoradas. Em nossa mesa estávamos eu, Uilma, minha esposa, Charles José e sua esposa.
Meu anfitrião gostava muito de uma loira bem gelada, eu já caía para o lado de uma coca-cola, também bem geladinha. Durante toda a noite conversamos, dançamos, participamos de algumas brincadeiras com os outros colegas da Ceplac presentes na festa, uma noite bastante divertida e saudável.
Lá para as 4 horas da manhã a festa acabou. Charles, já bastante alterado pelo efeito da cervejada, não se cabia em pé. Esperamos que ele melhorasse e fosse capaz de dirigir seu veículo, com segurança, de retorno a sua casa, naquela época não havia bafômetro nem lei seca. A espera foi de trinta minutos, mesmo assim sua situação não melhorou muito.
Sua esposa preocupada pediu para Charles entregar a chave do carro para eu dirigir até a sua casa. Como toda pessoa em sua condição se torna intransigente, não logramos êxito e ele foi dirigindo.
A SEAC está localizada num elevado e a curta estrada que dava acesso a ela era estreita e íngreme, de piçarra, mato dos dois lados, sem acostamento e em alguma parte de seu trajeto havia um barranco, que despencava para um lamaçal.
Ficamos acertados que ele iria à frente e eu logo atrás, como precaução. Quase todos já tinham saído, restávamos nós e alguns foliões que ainda aguentavam a saideira.
Já na estrada, não foi possível acompanhar o Charles, ele imprimiu bastante velocidade ao seu carro, que rapidamente, se sumiu do meu campo visual. A preocupação foi instantânea, passei a dirigir lentamente, procurando ver se ele não caíra no barranco. Estava muito escuro, não havia lua. Logo a seguir, avistei uma pessoa agitando os braços, era a esposa de Charles, que, como eu suspeitava, tinha caído no barranco e estava estacionado no lamaçal.
Com dificuldade consegui chegar ao veículo sinistrado. Seu condutor dormia ao volante. Acordado, ele disse ter se encandeado pelo farol de um carro contrário ao seu.
Como eu vinha logo atrás dele e nenhum carro passara por mim, informei-lhe que não havia sido essa a razão de seu tombamento. A resposta veio de imediato:
- Então foi um vaga-lume, e caiu novamente em sono profundo.