CONTO – Nobre, uma lição de vida – Parte X
 
 
CONTO – Nobre, uma lição de vida – Parte X – 23.03.2012
 
        
Bem, voltando à Campina Grande... e deixa o Nobre falar sem interrupção:
         
          No dia seguinte à assunção da gerência, logo na primeira parte da manhã, reunira-se com os três funcionários que trabalhavam no gabinete, ocasião em que fez algumas ponderações e disse como gostaria que as coisas acontecessem a partir dali. Achou estranho que o chefe do serviço fosse já um funcionário antigo, tanto no banco como na função, que a exercia por mais de oito anos. Entrava e saía gerente, mas ele ficava “abarrancado”, como um verdadeiro entrave, nem todos podiam falar com o primeiro gestor; na verdade, aqui pra nós, ele era o verdadeiro titular da agência. Seria o primeiro a entrar no rodízio, claro, lógico e evidente.


         Preliminarmente, falara que nenhum cliente poderia receber um não, porque a palavra final caberia a ele, gerente. Ao ser examinada, em princípio, qualquer proposta, não admitiria que o proponente voltasse com uma resposta negativa sem que ouvisse a sua decisão, lembrando até que qualquer proposição somente poderia ser estudada se formalmente apresentada, a fim de que ficasse no arquivo o porquê da concessão ou negativa do crédito. Ademais, caberia recurso a escalões superiores, se do interesse do que se considerasse prejudicado. Além do mais, a jurisdição da agência era muito grande com potencial econômico extraordinário de crescimento e a presença do banco era irrisória. Queria expandir todos os negócios e fazer o crédito chegar ao maior número de beneficiários possível, porquanto era essa a política sadia que o BB queria prosseguir implantando.

         Tudo entendido minha gente, perguntara? Todos responderam sim. Pediu, então, a relação dos títulos vencidos nos últimos cinco dias. Não é que havia três pendentes de pagamento há mais de dois meses! Foram logo explicando, assim meio sem jeito: “Chefe, são débitos de dois deputados federais e um senador, todos da ARENA – Aliança Renovadora Nacional, gente de prestígio”. O Castello Branco, primeiro presidente da revolução de 1964, havia extinguido uma infinidade de partidos políticos e criado apenas dois, quais sejam a Arena e o MDB, um da situação, outro da oposição. Aí o Nobre se encrespara, perguntando em que capítulo das instruções regulamentares havia tal regalia, qual seja a de “encostar” a dívida de gente grande. Claro que não teriam resposta, até porque em se tratando de um pequeno “bodegueiro” o título no máximo em três dias estaria em cartório para protesto. Não era justo. Recomendou que se telefonasse aos três em Brasília, anotando-se os débitos das pertinentes ligações, para que deles fossem cobradas as despesas, mas seus gabinetes informaram que não estavam presentes. Na impossibilidade de falar expediu cartas com AR cobrando o pagamento dos débitos.

         Decorridos quinze dias da ocorrência, sem qualquer resposta positiva, ordenou fossem as promissórias enviadas a cartório para efetivação de protesto (não havia direito de regresso a ser garantido, mas só para moralizar) por isso que ficaram os seus auxiliares abismados com tal recomendação. Até o próprio subgerente, segundo homem na hierarquia de então, demonstrara sinais de estupefação. Para o Nobre, que nunca foi político e nem demagogo, diferente dele, isso era uma prática normal, corriqueira, apenas faltara alguém de coragem (se é que assim pode-se chamar o cumprimento do dever).

         Não sei se por sorte ou se azar do amigo, o dono do cartório era suplente de senador pelo MDB (Dr. Ivandro Cunha Lima). Não sabia.  Mas que coisa! Pois bem, ele telefonou para os três grandes políticos, dando-lhes ciência do fato, dizendo que ainda não protestara e que guardaria as Notas Promissórias por alguns dias até que resolvessem o impasse (políticos, mesmo de partidos diferentes, são leais na hora do aperto). Foi o suficiente para que os devedores inadimplentes, utilizando-se do prestígio de que gozavam os parlamentares do governo marcassem audiência imediata com o Diretor da Região Nordeste, Dr. Aristóphanes Pereira, paraibano do sertão, político, claro, ex-diretor da SUDENE, uma sumidade em matéria de política econômica e financeira, conhecedor a fundo dos problemas brasileiros e em especial do nordeste, além de haver sido um dos maiores diretores do Banco do Brasil.

         Imediatamente, o chefe de gabinete do diretor, também um homem fino e culto, Dr. Almany Maia de Farias, telefonou para a agência, a fim de falar com o gerente.  Então lhe disse que a remessa dos títulos ao cartório estaria complicando a vida do nosso diretor, porque os clientes mobilizaram verdadeira pressão lá em Brasília. Daí o Nobre perguntara se ele gostaria que se mandasse retirá-los do protesto, ao que respondera afirmativamente. Cumprida a ordem foi feito um “aerograma” à diretoria comunicando a ocorrência de que por recomendação superior fora sustada o pedido de protesto.  A missiva fora feita para, na hipótese de inspeção na filial, qualquer preposto da direção geral pudesse ficar ciente dos fatos. O diretor ficara puto da vida com a comunicação. Ordenou que se convocasse o gerente para uma conversa em João Pessoa, capital do Estado, dois dias depois. Por segurança, cópia do aerograma fora enviada à INGER – Inspetoria Geral em Brasília, cujo titular era um grande baiano, Dr. Riella, que vinha acompanhando toda a carreira do Nobre, que passou a ser visto como um exemplar administrador.

         Pois bem, cumprida a ordem, apresentara-se e tal qual fora a sua surpresa com a presença, também, do titular da gerência da filial da capital, Senhor Marinho, que, diga-se de passagem, também estava tentando colocar as coisas nos devidos lugares, uma vez que havia substituído, igualmente, um gerente tido como “pródigo”.

         Perguntados qual dos dois queria começar, falara o Nobre que sendo o Marinho mais antigo era normal que o mais moderno, como se diz na gíria militar, fosse interpelado em primeiro lugar. Ouvira atentamente as colocações do Dr. Aristóphanes. Concedida a palavra, o Nobre foi logo pedindo desculpas àquele bom homem, em face de tê-lo colocado em situação chata junto àqueles políticos, mas que fizera aquilo apenas para preservar a imagem austera do banco, julgando que o tratamento deveria ser igual para todos os clientes. Jamais imaginara que pudesse haver interferência política. E se confessou culpado e também vítima daquilo tudo. Abrira-se por completo, quando enumerou as falhas: a) as NPs foram feitas ao arrepio das instruções, que limitavam tais empréstimos a vinte mil por cliente, observados o patrimônio e os antecedentes cadastrais. Eram de cem mil cada; b) já haviam sido “reformadas” em completa desobediência às normas, pois de modo integral e sem a amortização obrigatória mínima de trinta por cento, e ainda por cima mantiveram o prazo anteriormente concedido. Não o reduziram em trinta dias. O diretor ficara admirado, de nada sabia. Invadiram sua alçada sem qualquer comunicação.

         Prosseguindo – pedira pra continuar --, disse que atendera em sua gerência os três devedores. O senador o visitara para pedir orientações a respeito de cooperativas, porque teria uma reunião/palestra sobre a matéria e gostaria de ficar por dentro do assunto já que completamente leigo sobre o cooperativismo. Fora atendido com a maior presteza; um dos deputados, o mais “ousado,” houvera feito um pedido para “sacar” duzentos mil em Recife, sem provisão de fundos, e que se guardasse o cheque no cofre que depois faria a cobertura, procedimento corriqueiro (?) para o que recebera um sonoro não. O cheque seria devolvido. Desconversou, fez-se de mal entendido. Noutra oportunidade o convidara a financiar-lhe mil bois magros para engorda e racharia o lucro no final do prazo, depois da pertinente venda. Não poderia receber outra resposta salvo mais intenso não. O outro deputado era mais decente, apenas não pagava em dia.

         Ciente de tudo, o diretor levantou-se, liberou o Nobre e recomendou que continuasse trabalhando assim, de maneira séria, de vez que não compactuava com procedimentos imorais de quem quer que fosse. Ficara conversando com o Marinho, mas era de boa política que falassem a sós, embora de assuntos parecidos.

         O Nobre passara três anos em Campina Grande. A sucursal nunca dera tanto lucro (Suplantou o de João Pessoa, Teresina, São Luís, Caruaru, Aracaju e outras boas cidades) e nem havia experimentado tamanho incremento em depósitos, assim como reduzira substancialmente as operações de curso anormal. Missão mais do que cumprida. Houve desdobramentos, é claro, mas fica para outra oportunidade, se houver. O homem anda com a saúde tão deprimida!

Nota: Nobre permitiu que se revelasse o nome de algumas pessoas. Disse que o Dr. Aristóphanes se tornara um seu defensor perante os demais diretores e presidência do Banco.

Por hoje é só. Sem revisão de texto. Até a próxima.
Ansilgus
Nota: A foto é do doutor José Aristóphanes Pereira, via GOOGLE.
ansilgus
Enviado por ansilgus em 23/03/2012
Reeditado em 26/12/2014
Código do texto: T3570907
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