CONTO – Nobre, uma lição de vida – Parte IX
 

CONTO – Nobre, uma lição de vida – Parte IX
           

          Quem vem acompanhando a publicação dessa história do Nobre, logo perceberá que ele não era só um exemplo de vida, mas de competência, dedicação e honestidade ao seu trabalho. Devem ter lido que eu havia arquitetado com ele, meu amigo, de ir relatando seus casos, episódios, os acontecimentos em sua vida e, quem sabe, ao final, reuniríamos a matéria num livro que pudesse retratar suas experiências e até mesmo sua biografia de homem sério, humilde, leal e de postura corretíssima no trato da coisa pública e de convívio absolutamente fino, delicado, um cavalheiro. Mas, como qualquer ser humano, tinha seus momentos de explosão.

            Animado, consegui captar algum material de nossas conversas, mas que daria para publicar apenas um folheto e, além do mais, suas últimas notícias não eram nada animadoras. É que terá de ser submetido a mais duas cirurgias arriscadas para desobstrução de artérias superiores, porquanto não o fazendo correria o sério risco de ter a visão comprometida de uma vez. É aquela história: “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”.

            Eu e meus amigos temos tentado, com certa habilidade, fazê-lo esquecer do que poderá vir depois, isso quanto a aspectos negativos, até porque entende não voltará vivo dos procedimentos, mas o nosso incentivo é maior, colocando em sua mente que tudo vai dar certo, que Deus é grande e saberá olhar por ele, cuja vida pode ser tida como um verdadeiro modelo para sua mulher, filhos e netos, assim como para os seus semelhantes. Julgamo-lo um protegido do Altíssimo, do Grande Arquiteto do Universo.

            Embora o de que consiga lembrar não obedeça a uma ordem cronológica rigorosamente certa, pois a memória na sua idade (quase 70 anos) vai claudicando um pouco; o sistema de gravação que temos em nossa cabeça se gasta como se fora um disco comum já reutilizado ou mesmo não vai sendo reproduzido normalmente, em face do já cansado “leitor”, a memória está como que esvaziando. Bom que fosse como um computador que nos possibilita introduzir uma de maior potencial, nova, num abrir e fechar de olhos. Tanto é assim que o seu “papo” deu uma guinada fora de série, passando do começo da carreira (1962) a uma gerência de uma grande filial (1975)... Fazer o quê?

            Da última vez que nos encontramos aqui em casa, conversávamos sobre as “falcatruas” de parte dos colaboradores do atual e de outros governos, do recebimento de “toco”, “presentes” caros por detentores de cargos da alta esfera e, até mesmo, de “dinheiro em espécie”, porque ninguém é besta de dar em cheques. O exemplo do “mensalão” está aí pra quem quiser se lembrar. Então ele relatara uma das passagens que ocorrera quando gerenciava o Banco do Brasil de Campina Grande, na Paraíba (relataremos no capítulo seguinte), mas pediu por tudo que não se publicassem os nomes dos envolvidos, até porque poderiam gerar ações judiciais, além de outros aborrecimentos.

            Pois bem, assumira as funções na primeira metade da década de 1970, em substituição a um funcionário com quase trinta anos de serviços, que gozava de verdadeira liderança na praça e também na jurisdição da filial, portando difícil de ser igualado ou até superado por quem tinha apenas treze anos de banco, um garoto, podemos assim dizer. Tanto que a sua nomeação causou “espécie” a políticos, empresários e classes produtoras, sindicados, etc. de então, que até tentaram junto ao Diretor de Pessoal arranjar um estorno da nomeação. Não conseguiram. O homem, que era de origem árabe, Doutor Admon Ganem, tinha muita moral e vinha acompanhando a carreira daquele meu amigo.

            Sabedor da nomeação de seu substituto o gerente o convidou a ir à Campina Grande, no mesmo dia, para jantar e ser de imediato apresentado a empresários, imprensa, etc. Poxa, 700 km separavam a cidade onde se encontrava da que agora tinha o compromisso de morar pra valer e exercer as suas “nobres” funções. Topara a parada, nunca foi homem de desanimar com tão pouco, embora dirigir sozinho fosse desaconselhável (não levaria sua família), em face dos perigos naturais que enfrentaria no caminho, notadamente na Serra de Santa Luzia, íngreme e de muitas curvas.

            Na sua chegada foi logo festejado por todos. Sim, o povo da Paraíba é muito tratável, sabe cativar as pessoas. Dizem até que quem toma a água de lá uma vez nunca mais deixa de voltar. De “cara”, a reportagem da TV Borborema que, em primeira mão, faria uma entrevista ainda para o jornal das oito; o Jornal da Paraíba e o Diário da Borborema também não queriam perder a oportunidade de registrar, como furo, a chegada dele. Uma festa que lhe causara espanto, vez que como homem humilde, jamais pensara ser noticiário da imprensa. Depois, todos ao jantar, numa boa, sendo somente muito chata a parte de discursos, em especial depois que se toma alguma bebida. Não bebera, mas falou dizendo de seu modo de trabalhar, de que gostava de prestigiar sempre a clientela, estendendo a ajuda do banco à democratização do crédito a um número maior de clientes, ricos ou pobres, mas que era amigo de fé dos que pagavam seus compromissos em dia e dos que davam preferência aos serviços do banco. Alguns se entreolharam surpresos, eis que era costume o sujeito tomar o empréstimo no BB, a juros baratos, e depositar o numerário nos bancos particulares em aplicações financeiras de alto rendimento.
 
Uma pequena parada para que os leitores possam respirar...
           
          Continuando: Sua fala foi razoavelmente bem recebida, até porque dissera da dificuldade de sair-se a contento da missão, porquanto o substituído era muito mais gabaritado do que ele, e ser posto no lugar de pessoas assim constituía-se num grande desafio a sua carreira funcional. Claramente demonstrara que é sempre melhor valorizar a terceiros do que a si próprio, mas na verdade nada tinha a dever ao referido gestor. Dissera apenas para agradar e encher a “bola” do então gerente.   
    

          Cidade altamente politizada havia um pensamento quase geral de que o banco não era para dar lucro e nem captar depósitos, porque sendo do governo federal não lhe faltariam suprimentos para atender à demanda de empréstimos com verbas oriundas do tesouro nacional. Até tinha sentido, mas e quando o banco deixasse um dia, por acaso, de ser o caixa do governo! Naquela época já existia o BACEN, que fora criado em 1964, com a Lei 4595. Era uma ameaça! Onde conseguir recursos para assistir de crédito os setores carentes da economia se o BB fosse “amarrado” pela nova autoridade monetária?

          Marcada a posse, o Nobre dispensou qualquer tipo de solenidade, eis que não poderia gastar o dinheiro do povo com festas, pois de formação pobre e austera, mesmo porque proibidas pelas normas internas. Preferiu que se fizesse uma reunião em seu gabinete com os funcionários detentores de cargos de confiança, isso logo para as 07.00 horas, regada a cafezinho. Tinha pressa, não poderia perder tempo. As notícias oriundas da cidade e da redondeza a respeito da agência não eram assim tão animadoras, quer na parte disciplinar, relegada a plano secundário, ou mesmo nos resultados financeiros, que eram acanhados, tendo em vista o porte da sucursal; afora alguns boatos que corriam pela cidade. Também ficara patente do verdadeiro valor que os rodízios de cargos e funções representavam para a saúde do banco e do aprendizado da equipe de pessoal, dos quais era um de seus praticantes. Da reunião, todos ficaram cientes de sua maneira de trabalhar, de sua preferência por funcionários dedicados, mesmo sem serem “cobras”, mas que oferecessem esforço integral ao “patrão”. Somente abriria mão para servidores que exercessem o magistério, até porque previsto em lei.

            Na verdade, aquela reunião deixara muita gente com as “barbas de molho”, parecendo que a “coisa” mudaria e muito na novel administração. Com excelente formação em crédito e empréstimos, resolvera de impacto conhecer toda a jurisdição da agência, cerca de dez municípios, abarcando agreste e cariri, terras próprias para cultivo de palma forrageira, agave ou sisal, algodão arbóreo e outras lavouras regionais. Aqui e ali em áreas beneficiadas com boas aguadas, criatórios de gado bovino para corte e leite. Com a chefia da carteira agrícola e do cadastro organizara equipes móveis de crédito, a fim de ao visitar uma cidade aproveitar a estada desses funcionários e tomar propostas de financiamentos agropecuários com rápida liberação do numerário. Esse tipo de negócio já existira no banco nos anos 1960, mas fora extinto. Eram as chamadas MOVECs – Unidades Móveis de Crédito. Alguns chegaram a dizer: “esse cara é doido”.

            Como o Nobre nada escondia de sua direção geral, expediu uma carta comunicando da sua reinvenção, pensando que estaria abafando. Foi então que recebera uma carta meio “grosseira” exigindo que justificasse a medida com a máxima urgência. Não deu outra, pegou um papel e respondeu de imediato, sem pestanejar (ele mesmo batia suas cartas, nunca mandava que o secretário o fizesse). Ora, se as instruções obrigavam a que os gerentes conhecessem a jurisdição, exigiam que o cadastro fosse colher informações dos clientes nas suas localidades e, se o fiscal da CREAI tinha de estar no campo, nada havia a justificar. Era o mesmo que dizer que as normas assim o permitiam. Convenceu, num instante, a diretoria do banco, que o elogiara.

Continuaremos depois.
Ansilgus
Em revisão.

Foto: GOOGLE - BB Campina Grande (PB)

ansilgus
Enviado por ansilgus em 22/03/2012
Reeditado em 21/05/2012
Código do texto: T3568842
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