_Sobre a nudez

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Logo cedo, ao folhear as páginas do matutino, deparo-me com belas modelos em trajes menores. Folheio o jornal e busco os prováveis 5% de informações úteis. Insatisfeito, abro uma revista semanal da qual sou assinante e me embriago nas coloridas páginas, buscando informação. Propagandas... Propagandas... E mais propagandas.

Noutra revista, as modelos estavam associadas a anúncios de bebidas (alcoólicas ou não), a carros, a sanduíches, a palitos de dentes. Em todos os apelos mercadológicos, lá estavam elas quase desnudas. Tentei imaginar a correlação causa-efeito, entre mulher e palito; entre as mulheres e os sanduíches. As associações que me chegavam ao consciente não eram muito salutares. Palito. Sanduíche. Mulher. Melhor esquecer.

Senti saudade das velhas propagandas de cigarros, onde as modelos pareciam mais bem vestidas e misteriosas, incitando a curiosidade masculina pela sugestão da nudez. O ato de fumar implicaria diretamente a posse efetiva daquelas mulheres? À época, sentia-me mais atento àqueles apelos comerciais. A pouca idade e o diminuto tempo exposto conscientemente às belezas peculiares do sexo oposto quase desnudo, gratuitamente, produziam encantamento. Ainda bem que sou alérgico a cigarros!

Abro outro semanário e lá estão elas novamente, as despidas mulheres. Claro que há todo um exagero poético nessa minha birra. Afinal, não estão completamente nuas, mas o que encobrem? São biquínis minúsculos. São poses apelativas; caras e bocas que dispensam comentários. Ou suscitam comentários...

Não me vejo como brotinho. Novo Século se iniciou. Mas tenho muitas revistas lidas, algumas antigas, lidas em salas de espera de consultórios médicos. Muitas páginas rodadas! Velho também eu não sou, ainda. Digamos que estou na fase áurea da puberdade, onde a energia inicial da imaturidade esteja num confronto quase equânime com o bom senso adquirido na velhice – não me vejo senhor de terceira idade num futuro próximo. Quero mesmo é ser velho, velho saudável e consciente das transformações do tempo. Um velho feliz.

Verdade é que olhar (escondido) uma senhorita nos momentos de intimidade dela, por detrás do buraco da fechadura, perdeu a graça. O encanto que sentíamos quando leve brisa, mas insana, erguia saias e/ou vestidinhos de donzelas despercebidas, propiciando, a cada um dos espectadores atentos, segundos de espantos risonhos, desapareceu. A nudez está às claras, sem maquiagem – o que personificamos são os escopos de mulheres perfeitas, aprimoradas com a tecnologia de programas computacionais. Vemos dupla irrealidade: falsa mulher e pseudo-imagem de perfeição. Elas nos mostram tudo e a toda hora e despudoradamente. Nudez sem mistério não levanta trogloditas.

Tenho ímpetos de rebeldia pueril, impotente. Decidi: buscarei, voluntariamente, a nudez feminina. Entro numa página de busca na internet e digito: fotos de sexo. Escuso-me revelar a ordem de grandeza da quantidade de páginas disponíveis sobre o assunto. Abro uma. Abro uma segunda. Abro uma terceira página. Abro várias. As nuances são espetaculares e agradariam ao mais apurado dos observadores, não havendo espaço para frustração de pesquisa.

Não me deterei à nudez televisiva, pois que é visceral, cadavérica e desproporcional aos nossos arcaicos mecanismos de defesa – o apelo visual que nos oferta, seduz-nos demasiadamente e nos embriaga outros sentidos, talvez todos eles, em menor ou maior escala. É a confirmação da impotência humana (masculina) diante da força da beleza perversa da mulher ao se desprover das vestes.

Quanta saudade do vovô Vicente. O velho, centenário, casou duas vezes. Foram quatorze filhos, vários netos, bisnetos e alguns tataranetos. Ele se orgulhava de nunca ter visto mulher nua. “Era no escuro, meu filho. Tudo era no escuro. Não havia luz durante a noite” – dizia ele. Talvez por isso fosse tão aficionado por singelos, meigos e inofensivos pezinhos de mulher. Talvez estivesse nessa benigna limitação visual o cerne do incomensurável valor que, para ele, existia num beijo – o velho adorava dar muxoxos nas mãos e nos rostos das mocinhas e de todas as mulheres que dele se aproximavam. Era um velho atirado... Bons tempos.

Como implorar “Vistam-se mulheres!” sem deixar suspeição?

Homem adora nudez feminina – nós as queremos nuas!... Mas uma nudez conquistada a duras penas; no mínimo, roubada pelo infenso despudor invulgar da emoção. Ao se despirem despojadamente, a nudez se torna fraterna, pois a intimidade feminina não deveria ser posta a um homem, por mais íntimo, sem o receio lúdico da primeira ausência. Nossos avós pastovaram o “mocotozinho” que surgia discretamente de quando em raro. A nudez permitida era conquista! Nós, homens modernos, desejamos que a nudez seja mais bem vestida e sonhamos com as mulheres antes da nudez plena, ainda de soutien, de baby doll – até um pijaminha seria aceitável. Vistam-se, mulheres! É isso o que queremos!

Crato-CE, 30 de janeiro de 2007.

02h17min

Nijair Araújo Pinto
Enviado por Nijair Araújo Pinto em 22/03/2012
Reeditado em 22/03/2012
Código do texto: T3568509
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