AS TRAPAÇAS DAS PAIXÕES

Bem de repente, assim como a matutina luz do sol que vaza pela fresta duma janela, ela certo dia despertou assustada com a luminosidade tão clara.

Ainda não conseguira entender como tão rapidamente seus olhos trocaram de paisagem interior, então, passou a se perguntar se o que sentia havia mudado, ou se o cenário sempre lhe fora o mesmo, apenas trapaceado pelos olhos do coração.

Era uma mulher delicada cujos sonhos estavam nas prateleiras da vida, tal qual uma jóia que se cobiça de longe.

Adorava as pedras lapidadas.

Porém, certo dia, ela o conheceu, um homem meio pedra, genuíno da terra virgem, um ser viajante das estradas contínuas e infinitas do tempo, e por ele largou tudo que construíra de concreto só porque acreditou que a sua jóia bruta ficaria ali, não restrita aos seus mesmos sonhos das prateleiras mas a lhe presentear com a felicidade.

Contou-me que todos diziam ser diferentes demais, mas ela ainda sonhava que as paixões eram tão fiéis quanto transformadoras das desigualdades.

Eu lhe escutei com a lógica das razões porque já entendi que felicidade é algo muito mais construído do que idealizado.

Ademais, até a física nos ensina que a água nunca se mistura homogeneamente com o óleo, mas as paixões, doenças que são, iludem todos os sentidos...mesmo os das mais complexas misturas.

De nada adiantou lhe alertar.

Mais recentemente sentiu a clarividência das distâncias humanas, aquelas que, mesmo quando nitidamente persistentes mas entorpecentes, sempre nos negamos a enxergá-las...

E como nos é impossível percorrer um caminho ofuscado pelos sentimentos convulsivos!

Quando , mesmo sem querer, voltou da sua ilusória viagem percebeu então que havia sido traída, não pela sua vontade legítima, mas pelo ilegítimo desejo da sua paixão.

Quando acordou incomodada pelas diferenças sequer reconheceu aquela sua pedra bruta e angular que lhe fizera tropeçar para bem distante de si mesma.

E como é difícil se reencontrar no caminho das voltas...

Nota: baseado num relato verídico.