A BARATA

Tinha um evento novo na vida de Elano, o pobre garoto acabara criando enorme afeição por Patrícia e para sua própria perda, ela não guardava para ele os mesmos sentimentos, sempre fria estava aquém de um mundo de idéias ou abstrações meramente especulativas, gostava mesmo era da ação, não via porque ser de outra forma. Enxergava em Elano algo fora do comum, com um mundo de complicações e incertezas, Elano era indecifrável, Patrícia não podia prever suas respostas nas ações, muito duvidosas, como se agisse levado pela maré, não parecia saber o que queria de fato, mesmo sem se fazer notar ela observava seus atos, perscrutando as intenções escondidas por trás dos gestos, nada era percebido, faltava-lhe unidade e certa firmeza com a qual as coisas são feitas pelos homens e mulheres de carne e osso, como poderia ele ser tão mosca morta, dissimulado, pensava ela nervosa por levar uma idéia assim vaga, simples conjectura, a tais proporções tão avançadas do seu costumeiro modo de decidir as coisas com um sim ou um não. Nesse ponto ela teve medo de si e detestou o garoto ainda mais por criar nela sentimento tão contraditório; uma aversão a si mesma. A culpa sem dúvida seria dele, não só esta, também tinha dolo por ser tão incoerente, talvez fosse um louco, pensava ela, talvez devesse temê-lo; e se tudo aquilo fosse uma farsa? Pensava nessa possibilidade sem acreditar que pudesse construir uma mentira tão bem sustentada, fugia-lhe o nome para isso, termo mais técnico e exato, mas logo, ao ver uma criança na rua com um ornamento característico do carnaval, passado há poucos dias, lembrou; “máscara”. Seria isso aqueles modos incoerentes de Elano? Uma máscara? A resposta era difícil, logo cansou de esperar, desistira no primeiro embate, sabia de seu fracasso, dava-lhe apenas outro nome, o dele. Em sua mente o garoto era o único fracassado, por não ter passado pela sua criteriosa seleção de pessoas toleráveis, na realidade poucas pessoas romperam essa crosta ao ponto de conseguir um contato próximo com ela, e estes não freqüentavam o colégio. Eram amigos de bairro, pessoas familiares por convivência, não muito diferentes do restante da humanidade, no entanto eram dignas da amizade dela, o que os faziam especiais aos seus olhos era a familiaridade, conhecia-os bem, sabia onde estava pisando e nunca caía em precipícios nem se arranhava em floras desconhecidas, diferente do mundo presente no colégio, nunca ficava muito tempo na mesma turma, temia que o contato exagerado com os outros pudesse criar uma aproximação com o tempo, acreditava que seus vizinhos eram o suficiente, não carecia de mais amigos, além do mais era desconfiada, temia contatos íntimos demais, os mesmos nos quais, acreditava; as pessoas demonstram todas as suas fraquezas e fragilidades, tornando-se vulneráveis, indefesas ao olhar alheio. Tinha quanto a Elano aquela sensação indesejada, para ela semelhante ao que lhe dava quando, por mais que cuidasse da limpeza de sua casa, aparecia uma indesejável barata. Apesar da sua acuidade em evitar o garoto este sempre estava ali. Ignorá-lo já não seria mais possível.

jonnez
Enviado por jonnez em 16/03/2012
Código do texto: T3558505
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