COISAS VELHAS

Hei! Vê se joga essa velharia no lixo.

Ultimamente ele andava ouvindo muito esse tipo de coisas. Ta certo que tinha na estante e sobre a mesa, algumas coisas que não eram novas, mas também não quer dizer que eram velharias inúteis. Cada peça era um guardo emoldurado pelo tempo.

Veja só aquela almofada de carimbo. Esta um tanto suja é verdade, mas quando a comprou disseram que a tinta era eterna. Tirando o exagero, pois ele já renovou a tinta por duas vezes, ela já varou a casa dos trinta anos.

A sua mesa de trabalho era de madeira maciça, e pra carregar tinha de ser no mínimo 3 pessoas. Ela tinha uma tampa que se movia para traz e levava para cima uma maquina de contabilidade f. Era bem antiga. Foi a primeira de seu tipo a operar na cidade. Um antigo patrão seu a trouxera direto da Suíça.

-Não. Não deixa estas folhas aqui não, esconde ali ou mande pro lixo.

Eram pequenos pedaços de papel onde , quando estava tenso, desenhava umas garatujas. Tinha o costume de guardá-las. Ultimamente andavam sumindo de sua mesa quando ali as esquecia.

- Não. Esses carrinhos não podem ficar ali na estante. Ou leva para casa ou joga no lixo,

Caramba! Ele gostava de miniaturas de carros e motos. Gostava delas ali na estante. Pra dizer a verdade achava até bonito. Foram dadas por amigos, clientes, e familiares. Fazia gosto vê-las e acreditava que outras pessoas gostassem também.

- Olha só esta gaveta. Tanta coisa inútil. A metade ou mais deve ir pro lixo.

Guardava canetas, lapiseiras, chaveiros, cortador de unha, relógios antigos que ainda funcionavam e alguns que tinham de ser reparados..

Olha que cada uma destas coisas tinha para ele um significado especial. Guardava-as porque lhe contavam um detalhe de sua vida, ou mesmo um acontecimento inteiro. Como jogar fora o primeiro exemplar do jornal “Integração”,

do tempo da universidade, quando ele era o redator chefe. E aquele gibi do Patinhas, já bem antigo o n.3. Digam. Como coisas deste tipo podem ir para o lixo? Mesmo a foto da Xuxa nua. Como?

- Esse drive velho ai, e estas outras peças usadas, e aquela cadeira velha ali, leva pra chácara ou... lixo.

Ele não sabia ao certo porque guardava este tipo de coisa. Algumas ele tinha até conseguido recuperar. Mesmo que estivessem fora de uso estavam boas novamente. Outras estavam quase irrecuperáveis. Qauase. Guardava-as talvez porque um dia bem mais adiante poderiam ter algum valor para colecionadores, ou gente que como ele gostava de coisas antigas.

- Olha mais isto, mais aquilo e aquilo outro, tudo porcaria. Bota no lixo.

Pois bem. De tanto ouvir este tipo de coisas, num fim de semana prolongado, reservou um dia para fazer uma “faxina”. Tudo que fosse velharia, que não servisse mais, ou que estivesse fora de uso seria posto fora. Arranjou uns sacos de lixo, daqueles bem grandes, pretos, para mais de 100litros e resolveu fazer uma verdadeira operação limpeza. Levantou cedo. O semblante estava um tanto abatido. A noite não fora muito boa. O caçula chorou um pouco. Apesar da idade avançada tinha um filho ainda de colo. Outro motivo era o sentimento antecipado de perda que já procurava espaço em seu coração. Só em imaginar quantas coisas suas seriam lançadas fora, dava um frio na barriga. Cada peça daquela guardava uma pequena porção do tempo. Mas tudo bem, a decisão era irrevogável. Vestiu aquela velha bermuda, bem surrada. A que já tinha um costurado entre as pernas e estava bastante descorada. A camisa, uma bem colorida que ele costumava chamar de praieira.

- Olha este tipo de roupa não se usa mais. Melhor por no lixo,

Pensou em quantas e quantas vezes já ouvira este comentário. Na verdade não se importava, levava na brincadeira. Pegou na estante um boné velho e colocou na cabeça. No armário pegou um antigo capacete, com o qual gostava de viajar de moto e lá se foi. Lá foi ele, cabisbaixo mas de passo firme. Entrou na sala e deu uma rápida olhada por todos os lados. Já sabia de cor e salteado o que era “lixo”. Neste momento parou um caminhão na porta. Três grandalhões entraram na sala e levaram a mesa maciça. As coisas que nela guardava já estavam jogadas no chão. Lá se foi a mesa. Uma gota de lagrima desceu pelo seu rosto. Mas era preciso trabalhar. Foi pegando folha por folha, objeto por objeto e jogando nos sacos pretos que mais pareciam a boca de um monstro devorando suas coisas. Aquele relógio, aquele jornal velho, aquela almofada de carimbo de tinta eterna, um cortador de unha já enferrujado. Os sacos foram se enchendo. Dois sacos enormes bem cheios. Tudo que era velharia encheu dois sacos até a boca. Sentou num canto da sala e foi tomar uma cervejinha gelada. Como descia gostoso. Leva o pó pela garganta abaixo tentando desatar o nó que ali se instalara. Uma vistoria no que estava ficando para traz. Tudo bem, eram coisas ainda aproveitáveis, ou pelo menos, não tinham sido mencionadas por ninguém como candidatas ao lixo. Mais uma cervejinha. Como era gostosa. Jogou um saco de lixo vazio nas costas e foi para a porta. Já estava na hora do caminhão de lixo passar. Arrastou os dois sacos cheios e os colocou na calçada.

Transcorreram-se alguns minutos, parentes e amigos seus passaram pela porta. Viram três sacos de lixo na calçada, e imaginaram que finalmente uma grande limpeza estava sendo feita ali. Certamente tudo quanto é velharia estava sendo despachada. Realmente toda velharia estava ali.

O caminhão chegou. Três sacos de lixo bem pesados foram arremessados na caçamba.

Depois deste dia o velho nunca mais foi visto.

j rau
Enviado por j rau em 16/03/2012
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