O DESPACHO

O DESPACHO

Era um dia de semana qualquer, na madrugada recente chovera bastante, dava para ver os caminhos ao redor do campo de futebol improvisado, estavam cheios de poças de água, onde o sol se mostrava, e se escondia, para aparecer em outra poça lá adiante, provocando reflexos dourados nos olhares dos meninos que passavam para ir jogar bola no campo.

Era uma turma bem grande, eles vinham descalços, dispostos a bater bola, e brincar como faziam todas as manhãs, antes do almoço. A maioria morava por perto.

Três irmãos faziam parte daquela turma, Antônio, o mais velho, Argemiro, o mais novo, e a Adelino, o do meio. O ventinho fresquinho que brincava nos capins ao lado do campo batia também nos cabelos dourados do Adelino. O menino estava especialmente agitado esta manhã. Como sempre acompanhava os irmãos e vinha sempre se mexendo, gesticulando e falando sozinho. Os outros meninos não ligavam para ele. Sabiam de sua condição, ele era especial. A situação econômica da família, a ignorância dos pais, a falta de informação para tratar a saúde precária do filho, deixaram Adelino a margem da vida. Ele frequentava a escola, mas não conseguira ser alfabetizado. Muitos o chamavam maldosamente de “retardado”, devido as suas ações, e seu descontrole motor.

A partida começou e eles ficaram no campo parte da manhã. Na hora de ir embora, foram pela outra rua. Adelino ficou para trás, pois encontrara um verdadeiro achado em cima da grama.

Em cima de uma toalha colorida de papel, estava disposta de forma diversa, uma variedade enorme de doces, balas, bolo, chicletes, brinquedos. Alguém aproveitara o gramado verdinho, e tinha arriado “o despacho”. Adelino em sua inocência começou a catar o que lhe agradava, e guardava alguma coisa nos bolsos, enquanto enchia a boca de com um suspiro enorme, e tentava devorá-lo com muitas lambidas. Estava muito feliz. O sol estava quente, ele suava, e se fartava comendo os doces. Seus irmãos chegaram a casa e deram por sua falta. A mãe Dona Ana, mandou-os depressa atrás do irmão.

A cena que eles encontraram foi terrível. Deitado ao chão, debatendo-se como um louco, com as duas mãos na garganta, tossindo, com os olhos esbugalhados, Adelino, agonizava, enquanto seu corpo se misturava aos doces do despacho. Os irmãos ficaram apavorados e saíram correndo. A primeira pessoa que o encontrou esticado no chão, cheio de doces ao redor, foi o próprio pai, que tentou reanimar o filho, sem êxito. A notícia correu rapidamente pelas ruas do bairro, e todos repetiam a mesma história. Adelino sofrera um castigo, comera os doces do despacho. No hospital para onde foi levada já sem vida, a explicação dos médicos foi outra. Adelino sofrera um ataque cardíaco fulminante.

Aradia Rhianon
Enviado por Aradia Rhianon em 16/03/2012
Código do texto: T3557078
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