A MULHER EMOLDURADA
Passou a tarde ouvindo repetidamente Depeche Mode. Aquele poema não sai de sua cabeça. Can you feel a little love? Acende o abajur, enquanto o Sol se esconde de suas tentativas ainda fracassadas de se tornar escritor. Procura algo em sua velha maleta. De um exagerado molho de chaves, escolhe a menor. - Por que tranco tantas portas na minha vida? Abre uma gaveta. Emoldurada há anos, observa a foto daquela que já foi sua mulher. A cinza do cigarro cai sobre um envelope recebido ainda naquele fim de tarde. Alguém mandando lembranças. A carta permanecerá fechada. Guarda a foto. Apaga o cigarro demoradamente, "preciso largar esses vícios". Sente a garganta seca, tosse doentiamente e procura a garrafa de uísque. Seus olhos acompanham o tremor da mão que solta a garrafa no chão. A noite prevalece. O abajur não é suficiente para neutralizar a escuridão de sua existência. – Em qual momento minha vida seguiu essa direção? Senta-se fechando os olhos. Adormece como quem já desistiu de lutar. Não há grandes acontecimentos nessa vida. Sua morte não ensinará nada afinal. Apenas dorme, esperando que seja a última vez que sonha com a mulher emoldurada...