CONTO – NOBRE, uma lição de vida – Parte VI
CONTO – NOBRE, uma lição de vida – Parte VI – 13.03.2012
Entre um café e outro o meu amigo Nobre, aposentado que é do Banco do Brasil, me contara que certa vez no auge dos financiamentos de lavouras, um matuto de apelido “Zé Veado” fora à carteira agrícola e mostrou interesse em plantar dois hectares de bananeiras. Afinal, suas terras eram férteis, dispunha de água em um pequeno barreiro, situava-se perto de uma razoável estrada para escoamento da produção, enfim tinha todos os trunfos para obter êxito no modesto empreendimento, até porque agricultor de longa data, com bastante experiência.
Naquela época, começo dos anos sessenta, quando ainda trabalhava em Limoeiro (PE), não era preciso se levar ao banco orçamentos bonitos, feitos por empresas de assistência técnica, como ANCAR (governamental) e escritórios particulares, a fim de que se evitassem, de qualquer maneira, despesas para os rurícolas, porquanto aumento de custo não combinava com os juros módicos que se cobrava de sete por cento ao ano. Havia empréstimos de quatro por cento. Além do mais, o orçamento obrigatório que era exigido pelas normas internas da CREAI (Carteira de Crédito Agrícola e Industrial) poderia ser feito pelo proponente até mesmo numa folha de papel de embrulho, porque o banco se encarregaria de copiar tudo na máquina de escrever. Ainda não dispunham as agências da modernidade do computador. Outro fato interessante era que normalmente o agricultor que planta para sobreviver, juntamente com familiares, é quem melhor sabe do dinheiro de que precisará para efetuar a tarefa a que se propõe.
Além do mais, o banco também tinha orçamentos padrão para quase todos os tipos de financiamento rural, organizado pelo serviço de fiscalização, que eram mais confiáveis, pois os custos eram apurados em cada localidade, havendo pequenas diferenças entre uma ou outra região, em face das distâncias, preço de sementes (quando necessárias, porque o agricultor sempre guarda parte de sua produção para plantar a próxima safra), etc. Por outro lado havia uma espécie de raciocínio completamente equivocado de algumas empresas quando superavaliavam as propriedades rurais, no que também se equivocavam porque o banco dispunha de dados de sua jurisdição com os valores aproximados de cada hectare de terra, assim como de benfeitorias, preço de gado, digamos assim era quase completo.
Na mentalidade de parte dessas instituições se o imóvel valesse 100, por exemplo, o financiamento do banco teria de ser 80, e isso gerava muito conflito, porque o agricultor não necessitava de tanto dinheiro, não estava vendendo seus bens, mas dando-os em garantia do financiamento, quando exigida, em face da facilidade que o banco criara de conceder empréstimos a pequenos e médios produtores sem garantias reais. Naquela época, anos sessenta, chegou-se a admitir empréstimos na base de até 80% do valor dos bens, mas em havendo necessidade, capacidade de pagamento e orçamento correto de aplicação do crédito. Se aceitas, no todo, propostas nos moldes do que falamos acima era o mesmo que recomendar ao mutuário que aplicasse a sobra a seu bel prazer. E depois, endividado, como liquidar o débito?
O pequeno produtor nordestino sempre fora bom pagador, chegava à época da venda da produção com o seu “dinheirinho” para liquidar a conta. Tinha muito medo de ficar “sujo” no banco e verdadeiro pavor a “juros de mora”. Na visão dele ficar “embaraçado”, com a ficha cadastral cheia de restrições, era um verdadeiro castigo e pesava na sua moral e nos seus princípios, porque aqui pra nós o nordestino sempre foi forte, cumpridor de seus deveres. Aprenderam a atrasar com alguns grandes proprietários que, quase sempre, ficavam inadimplentes em seus débitos, sem contar com desvios de verbas do orçamento contratual para outras finalidades: compra de mais terras, apartamentos, carros e outras coisas de luxo.
Voltando ao Sr. José dos Santos da Silva (Zé Veado). Pois bem, feita a sua ficha cadastral, em tempo recorde, e o orçamento, chegou-se à conclusão de que quatrocentos contos seriam suficientes para a empreitada. Plantio de dois hectares de bananas, com dois anos de prazo para pagamento, liberação feita em duas parcelas de duzentos contos, a primeira imediatamente e a segunda depois de que a fiscalização comprovasse que realmente fora feito o plantio, era exigência da lei e, depois do BACEN, que fora criado na revolução de 1964. Aquela seria a primeira operação do Sr José e quase que era a última.
Pois bem, tudo aprovado, contrato assinado, ainda não se operava com cédulas de crédito, seu José pegou os duzentos contos e partiu deveras entusiasmado para suas terras, ficando absolutamente comprometido a cumprir o que estipulava no instrumento de crédito, sob pena de, não o fazendo, responder pelos seus erros e até com medidas extremas. Mas na verdade o banco nunca fora muito chegado a executar dívidas de fregueses pequenos agricultores, diga-se de passagem.
Nesse ano a carteira fez cerca de quatro mil contratos, pois dotada de boa quantidade de funcionários, mas mesmo assim insuficientes para a demanda, utilizando-se de prorrogação de expediente, limitada a vinte horas mensais, embora se trabalhasse muito mais. O “patrão” era tão bom, o ambiente tão agradável, os proventos eram os melhores do país, não havendo por que se exigir mais vantagens. Todos adoravam a Casa, era como se fora uma irmandade, um por todos e todos por um.
O desfalque aparente no quadro de pessoal levou a que o gerente ficasse impossibilitado de colocar a fiscalização no campo, a fim de cumprir o seu papel. Resolvera utilizar-se do bem bolado artifício da “amostragem” e, na base do sorteio, selecionou quais os mutuários que seriam visitados. Afinal muita gente iria procurar a segunda parcela e sem laudo que comprovasse a aplicação da anterior ficava difícil de liberar a seguinte (depois de alguns anos o artifício foi oficialmente admitido, ponderados os riscos). O contrato do Sr. Zé não fora escolhido. Sorte?
Dois anos se passaram. Revisando as fichas de escrituração dos empréstimos notara o chefe da carteira que o do Sr. José ainda estava “em ser”, isto é, em aberto. Não o havia liquidado, estava vencida a obrigação. Chamou um dos fiscais e determinou que se deslocasse imediatamente à propriedade e fizesse um relato completo da situação, e levasse logo uma carta de cobrança amigável da conta.
Naquela época, começo dos anos sessenta, quando ainda trabalhava em Limoeiro (PE), não era preciso se levar ao banco orçamentos bonitos, feitos por empresas de assistência técnica, como ANCAR (governamental) e escritórios particulares, a fim de que se evitassem, de qualquer maneira, despesas para os rurícolas, porquanto aumento de custo não combinava com os juros módicos que se cobrava de sete por cento ao ano. Havia empréstimos de quatro por cento. Além do mais, o orçamento obrigatório que era exigido pelas normas internas da CREAI (Carteira de Crédito Agrícola e Industrial) poderia ser feito pelo proponente até mesmo numa folha de papel de embrulho, porque o banco se encarregaria de copiar tudo na máquina de escrever. Ainda não dispunham as agências da modernidade do computador. Outro fato interessante era que normalmente o agricultor que planta para sobreviver, juntamente com familiares, é quem melhor sabe do dinheiro de que precisará para efetuar a tarefa a que se propõe.
Além do mais, o banco também tinha orçamentos padrão para quase todos os tipos de financiamento rural, organizado pelo serviço de fiscalização, que eram mais confiáveis, pois os custos eram apurados em cada localidade, havendo pequenas diferenças entre uma ou outra região, em face das distâncias, preço de sementes (quando necessárias, porque o agricultor sempre guarda parte de sua produção para plantar a próxima safra), etc. Por outro lado havia uma espécie de raciocínio completamente equivocado de algumas empresas quando superavaliavam as propriedades rurais, no que também se equivocavam porque o banco dispunha de dados de sua jurisdição com os valores aproximados de cada hectare de terra, assim como de benfeitorias, preço de gado, digamos assim era quase completo.
Na mentalidade de parte dessas instituições se o imóvel valesse 100, por exemplo, o financiamento do banco teria de ser 80, e isso gerava muito conflito, porque o agricultor não necessitava de tanto dinheiro, não estava vendendo seus bens, mas dando-os em garantia do financiamento, quando exigida, em face da facilidade que o banco criara de conceder empréstimos a pequenos e médios produtores sem garantias reais. Naquela época, anos sessenta, chegou-se a admitir empréstimos na base de até 80% do valor dos bens, mas em havendo necessidade, capacidade de pagamento e orçamento correto de aplicação do crédito. Se aceitas, no todo, propostas nos moldes do que falamos acima era o mesmo que recomendar ao mutuário que aplicasse a sobra a seu bel prazer. E depois, endividado, como liquidar o débito?
O pequeno produtor nordestino sempre fora bom pagador, chegava à época da venda da produção com o seu “dinheirinho” para liquidar a conta. Tinha muito medo de ficar “sujo” no banco e verdadeiro pavor a “juros de mora”. Na visão dele ficar “embaraçado”, com a ficha cadastral cheia de restrições, era um verdadeiro castigo e pesava na sua moral e nos seus princípios, porque aqui pra nós o nordestino sempre foi forte, cumpridor de seus deveres. Aprenderam a atrasar com alguns grandes proprietários que, quase sempre, ficavam inadimplentes em seus débitos, sem contar com desvios de verbas do orçamento contratual para outras finalidades: compra de mais terras, apartamentos, carros e outras coisas de luxo.
Voltando ao Sr. José dos Santos da Silva (Zé Veado). Pois bem, feita a sua ficha cadastral, em tempo recorde, e o orçamento, chegou-se à conclusão de que quatrocentos contos seriam suficientes para a empreitada. Plantio de dois hectares de bananas, com dois anos de prazo para pagamento, liberação feita em duas parcelas de duzentos contos, a primeira imediatamente e a segunda depois de que a fiscalização comprovasse que realmente fora feito o plantio, era exigência da lei e, depois do BACEN, que fora criado na revolução de 1964. Aquela seria a primeira operação do Sr José e quase que era a última.
Pois bem, tudo aprovado, contrato assinado, ainda não se operava com cédulas de crédito, seu José pegou os duzentos contos e partiu deveras entusiasmado para suas terras, ficando absolutamente comprometido a cumprir o que estipulava no instrumento de crédito, sob pena de, não o fazendo, responder pelos seus erros e até com medidas extremas. Mas na verdade o banco nunca fora muito chegado a executar dívidas de fregueses pequenos agricultores, diga-se de passagem.
Nesse ano a carteira fez cerca de quatro mil contratos, pois dotada de boa quantidade de funcionários, mas mesmo assim insuficientes para a demanda, utilizando-se de prorrogação de expediente, limitada a vinte horas mensais, embora se trabalhasse muito mais. O “patrão” era tão bom, o ambiente tão agradável, os proventos eram os melhores do país, não havendo por que se exigir mais vantagens. Todos adoravam a Casa, era como se fora uma irmandade, um por todos e todos por um.
O desfalque aparente no quadro de pessoal levou a que o gerente ficasse impossibilitado de colocar a fiscalização no campo, a fim de cumprir o seu papel. Resolvera utilizar-se do bem bolado artifício da “amostragem” e, na base do sorteio, selecionou quais os mutuários que seriam visitados. Afinal muita gente iria procurar a segunda parcela e sem laudo que comprovasse a aplicação da anterior ficava difícil de liberar a seguinte (depois de alguns anos o artifício foi oficialmente admitido, ponderados os riscos). O contrato do Sr. Zé não fora escolhido. Sorte?
Dois anos se passaram. Revisando as fichas de escrituração dos empréstimos notara o chefe da carteira que o do Sr. José ainda estava “em ser”, isto é, em aberto. Não o havia liquidado, estava vencida a obrigação. Chamou um dos fiscais e determinou que se deslocasse imediatamente à propriedade e fizesse um relato completo da situação, e levasse logo uma carta de cobrança amigável da conta.
Agora vamos rir um pouco...
Relativamente perto não demorou muito o funcionário para chegar ao local indicado. Na entrada, veio logo uma criança abrir a porteira, querendo um agrado, uma “gorjeta”, como era de praxe e se dizia na gíria. Prontamente o devedor veio ao encontro do fiscal, cumprimentando-o com muita educação, respeito (sim, o nordestino é respeitador). Indagado do por que daquela situação, respondeu: -“Dotô eu aprantei as bananeira bem pertinho do quintá, num baixio muito bão, o melhor locá que existia quando tomei o empreste, vossemecê pode acreditar, venha comigo”. E lá se foram, caminhando, acompanhado de um dos filhos do cliente (seis rebentos vivos num total de onze), que levara consigo uma enxada. Não havia um pé de banana!
Percorrendo o terreno viram que havia muitas partes rachadas, havia sido um ano seco, sem chuvas. O pequeno barreiro secara. Chamou então o rapazinho e ordenou com certa rispidez: -“Cave aqui, vamo vê qui negoço é esse”. Cumprindo a ordem, à medida que retirava a terra, foram aparecendo cachos de banana, aqui, acolá, em toda parte; frutos enormes, produto de primeira. Nascera ali um novo tubérculo!!! – “Ta vendo dotô que eu cumpri a minha palavra, sou home de bem”, exclamou. E o fiscal: - “É verdade, mas como ocorreu isso, por que o senhor não foi ao banco, depois desse tempo todo, embaraçando sua situação?”. Ouvira a seguinte resposta: -“Seu dotô, o sinhô tá pensando o que? Meu fio mais veio aprantou as bananeiras cum o ôio pra baixo. Não assinei quatrocento?” – Foi, respondeu o fiscal. – “Num me entregaro duzento?” – Exatamente, disse o funcionário. –“Ora, se tumei quatrocento, truve duzento fica uma coisa pela outra, o banco pega os duzento que ficou cum ele e liquida o que me deu”.
Convidado a ir ao banco conversar com o gerente este arranjou uma maneira de não prejudicar o devedor, concedendo-lhe um prazo compatível para liquidação da conta, registrando no seu cadastro as opiniões do fiscal.
Embora satisfeito com a dilação concedida o cliente chegou ao ouvido do gerente e disse: “Dotô, tudo bem, mas se vosmicê me informá qual foi o fio da puta qui falô que me chamavam de “Zé Veado” eu ainda hoje arranjo dinheiro pra pagá esse empreste”.
Da conversa particular ouviram-se gostosas gargalhadas. Mas que matutinho besta!
Por hoje basta, até outro dia.
Nota: A parte final desse conto é mera criação, a fim de tornar o texto mais agradável.
Em revisão.Percorrendo o terreno viram que havia muitas partes rachadas, havia sido um ano seco, sem chuvas. O pequeno barreiro secara. Chamou então o rapazinho e ordenou com certa rispidez: -“Cave aqui, vamo vê qui negoço é esse”. Cumprindo a ordem, à medida que retirava a terra, foram aparecendo cachos de banana, aqui, acolá, em toda parte; frutos enormes, produto de primeira. Nascera ali um novo tubérculo!!! – “Ta vendo dotô que eu cumpri a minha palavra, sou home de bem”, exclamou. E o fiscal: - “É verdade, mas como ocorreu isso, por que o senhor não foi ao banco, depois desse tempo todo, embaraçando sua situação?”. Ouvira a seguinte resposta: -“Seu dotô, o sinhô tá pensando o que? Meu fio mais veio aprantou as bananeiras cum o ôio pra baixo. Não assinei quatrocento?” – Foi, respondeu o fiscal. – “Num me entregaro duzento?” – Exatamente, disse o funcionário. –“Ora, se tumei quatrocento, truve duzento fica uma coisa pela outra, o banco pega os duzento que ficou cum ele e liquida o que me deu”.
Convidado a ir ao banco conversar com o gerente este arranjou uma maneira de não prejudicar o devedor, concedendo-lhe um prazo compatível para liquidação da conta, registrando no seu cadastro as opiniões do fiscal.
Embora satisfeito com a dilação concedida o cliente chegou ao ouvido do gerente e disse: “Dotô, tudo bem, mas se vosmicê me informá qual foi o fio da puta qui falô que me chamavam de “Zé Veado” eu ainda hoje arranjo dinheiro pra pagá esse empreste”.
Da conversa particular ouviram-se gostosas gargalhadas. Mas que matutinho besta!
Por hoje basta, até outro dia.
Nota: A parte final desse conto é mera criação, a fim de tornar o texto mais agradável.
Ansilgus.