MASSACRE DO CORONEL

No distante interior do Brasil, existia um fazendeiro muito próspero Sr. Ramiro que tinha dois filhos Raimundo e Anabela. Um casal de pequenos, que ele fazia questão de criar à moda da época, com muito rigor e nenhuma liberdade. À Anabela, era obrigada a labutar na cozinha ao lado das cozinheiras e nas horas de folga estagiava com as bordadeiras e costureiras das proximidades da fazenda que vinham especialmente para isso.

Já Raimundo, desde cedo aprendeu a montar, já que a principal meio de transporte da ocasião era o cavalo, pois estradas não haviam. Aprendeu a cuidar do gado e acompanhava o pai quando este ia inspecionar o trabalho nas lavouras de café. Tinha uma queda natural para o comando o menino Raimundo. Observava como o pai ralhava com os trabalhadores na lavoura exigindo cuidado, mais pressa, e eficiência. Seu Ramiro andava sempre com um chicote na mão e quando um trabalhador não gostava da repreensão, não hesitava em lhe cortar o couro com o chicote. Ao trabalhador só restava abaixar-se, lamentar baixinho e cumprir as ordens do patrão. Ninguém era maluco para desobedecer.

Nesse clima de mandar gritando, com todos obedecendo, sem nenhuma reação, criou-se o rapaz Raimundo que crescia e já queria imitar o pai no cafezal.

Enquanto Anabela suava o rosto e o corpo no calor do fogão a lenha da enorme cozinha, Raimundo ainda rapazote já dava as primeiras ordens aos trabalhadores, ameaçando-os com o chicote. O seu Ramiro sentia-se feliz e muito orgulhoso do filho que aprendia rápido e colocava, logo em prática, os ensinamentos do pai do qual, também se orgulhava. Assim foram crescendo e se tornando adultos os filhos do seu Ramiro.

De dia no trabalho pesado, Raimundo estatelando-se ao sol, fiscalizando os trabalhadores e Anabela da cozinha para o salão. Aprendia a arte da culinária e dos bordados.

A noite, os dois se sentavam à mesa da cozinha para aprender a ler, escrever e fazer contas. Era a rotina dos dois.

O tempo foi passando e o aprendizado continuava. Ainda não estavam prontos, afirmava seu Ramiro. Mas quando completou 19 anos, Raimundo teve que assumir a fazenda, pois seu pai ficara doente e o Dr, vindo da cidade recomendou repouso absoluto. Anabela cuidava do pai, enquanto Raimundo dava ordens para os empregados da fazenda e cuidava de todos os detalhes de pagamento, acerto de contas no armazém e do gado. Anabela já tinha 17 anos e seu Raimundo falava que ela tinha que arranjar um pretendente, pois já estava passando da hora de se casar e formar uma família. Com Raimundo não precisava se preocupar, pois o rapaz deitava-se com a maioria das filhas dos trabalhadores. Era o garanhão da fazenda. Seu Ramiro não gostou da recomendação do médico e voltou a fiscalizar os trabalhadores. Isso era o que não podia acontecer, segundo Anabela. Estava certa, em poucos dias teve um ataque e o coração parou de funcionar.

Era assim, antigamente. Aqueles que estavam acostumados a mandar, não se contentavam em ficar balançando em uma cadeira, enquanto todos estavam no trabalho. Fizeram o sepultamento, na própria fazenda, onde havia um pequeno cemitério da família. Lá estavam a mãe o pai e a esposa do seu Ramiro. Agora ele iria fazer companhia a eles.

Alguns fazendeiros vizinhos vieram cumprimentar a família e o filho de um deles se encantou com Anabela e logo, com a permissão de Raimundo, começaram o namoro.

O casamento não demorou muito para acontecer. Raimundo acabou ficando sozinho no casarão. A irmã que lhe fazia companhia mudou-se após o casamento, para a fazenda do marido onde iam viver de agora em diante. Sentindo-se solitário, não perdeu tempo e procurou uma moça para se casar. Era a dona Ana, filha do seu Genaro, também fazendeiro vizinho.

Raimundo gostava muito de conversar com o sogro. Seu Genaro tinha umas idéias arrojadas, pretendia ampliar seu domínio na região comprando, compulsoriamente, pequenos lotes de terras pertencente a produtores sem muito recurso, que faziam divisa com a sua fazenda. Raimundo gostou da idéia e resolveu colocá-la em prática. Andou comprando alguns pedaços de terra de um e de outro, alguns, simplesmente, expulsava e tomava posse da terra, mas não possuía a mesma esperteza de seu sogro, o velho Genaro. Mas não demorou muito veio o primeiro filho, o qual, também chamou de Raimundo, e este desde cedo ficou conhecido como o Mundinho. Seu Genaro, ficou todo bobo com o primeiro neto, pois Ana era sua única filha, isso despertou nele e em sua mulher, Jacinta, a esperança de ver de novo a casa grande cheia de crianças correndo, brincando de esconder entre as saias das empregadas da casa. Raimundo e dona Ana tiveram mais um filho, dessa vez uma filha que se chamou Rosa Maria em homenagem à mãe de Raimundo que tinha esse nome. Mais animado ficou o seu Genaro e dona Jacinta. Agora sim, nossa família será de novo numerosa e teremos a casa cheia de verdade. Seu Genaro não conseguiu ver seu sonho realizado, pois um ataque do coração o levou repentinamente, deixando Ana órfã e dona Jacinta viúva. A fazenda, por falta de opção, passou a ser comandada por Raimundo que uniu as duas, mais as terras anexadas de forma um pouco, digamos discutíveis, formando um verdadeiro mega latifúndio, que quase não dava conta. Trabalhava demais o agora conhecido como Coronel Raimundo pois era o maior fazendeiro de toda região. Para cuidar daquela extensão de terras, às vezes precisava dormir fora de casa, deixando a esposa com os filhos e a sogra aos cuidados de criados, enquanto permanecia em outra parte da propriedade sempre cuidando do rico café que rendia um dinheirão, tornando-o cada vez mais rico e poderoso. Seus filhos foram crescendo e Mundinho logo teve que ser mandado para a cidade onde deveria começar seus estudos. Lá então, comprou uma bela casa para onde a esposa e a sogra, se mudaram, deixando o Coronel Raimundo sozinho na propriedade, a ausência da mulher e dos filhos o deixaram mais rabugento e implicava muito com os empregados.

Não contente com a vasta extensão de terras que possuía, fez uma oferta ao proprietário de uma pequena fazenda que ficava entre a que havia sido de seu pai e a que seu sogro lhe deixara. Nessa pequena fazenda morava a família Pereira, composta de lavradores simples que trabalhavam a terra sem utilizar mão de obra de outros que não fossem da família. Assim viviam ali há muitos anos e ninguém os desprezavam, apesar de serem os menores proprietários daquelas paragens. Eram produtores tranqüilos, muito trabalhadores e unidos. A família eram muito grande, haviam construído muitas casas uma próxima da outra, quase equiparando-se a uma pequena vila. A medida que algum membro da família ia constituindo família, mais uma casa era erguida.

Coronel Raimundo encasquetou com a compra daquelas terras. Fez propostas de todo tipo, todas rejeitadas pelos Pereira, que nem sabiam quem era o verdadeiro dono das terras, pois eram numerosos e viviam em uma comunidade familiar harmoniosa, onde tudo era dividido de acordo com o numero de braços que trabalhavam a terra.

Como as propostas não deram resultado, o Coronel Raimundo começou a boicotar os vizinhos, pois queria, a todo custo aquelas terras que estavam entre as duas fazendas e para atingir a que recebera do sogro precisava cruzar as terras dos Pereira que não se importavam. Caso contrário teria que dar uma volta enorme, isso queria dizer que ele tinha uma pedra em seu caminho e precisava removê-la.

Suas ameaças também não deram resultado, pois os Pereira eram em grande número e não temiam o Coronel e seus jagunços.

Passou-se o tempo e o Mundinho, que terminara os estudos, formou-se em direito, voltou da cidade grande com toda a família, diploma debaixo do braço e muita arrogância no comportamento. Era agora doutor advogado e o mundo estava aos seus pés. Aprendeu na cidade grande que tudo pode ser feito. Transferir terras sem a presença dos vendedores, além de outras mazelas em conluio com o cartório local.

Doutor Mundinho mal se continha, tamanha a vontade de mostrar para o pai a sua habilidade em fazer esse tipo de mazela. Coronel Raimundo muito satisfeito com a esperteza do filho andou expulsando alguns pequenos proprietários da região, e colocando as terras em seu nome.

Foi então que surgiu a idéia de fazer o mesmo com a propriedade dos pereira.

Conversou com o filho e incentivado por este, resolveu ir até a propriedade dos Pereira fazer a última oferta. Não deu certo, os pequenos proprietários continuavam irredutíveis e também consideravam o valor ofertado pelo Coronel muito abaixo do que valiam aquelas terras. Terras férteis cafezais bem cuidados, com alta produtividade e era exatamente nessa produtividade que estavam os olhos do Coronel.

Certo dia, já impaciente e nervoso com a recusa dos Pereira, chamou Mundinho e com ele traçaram um plano para expulsar os proprietários de suas terras. Levariam alguns jagunços armados e entregariam uma certa quantia de dinheiro, menos, é claro do que havia oferecido da última vez. Agora eles seriam obrigados a pegar suas tralhas, colocar nos lombos dos burros e deixar as terras. Que fossem acampar em outro lugar, pensou o Coronel.

Pensou, amadureceu a idéia planejou até o discurso que faria no meio do cafezal, onde os Pereira estavam sempre trabalhando, tudo isso apoiado pelos seus jagunços. Não ia se aventurar sozinho, pois os Pereira eram em grande número.

Decidido, chamou os melhores jagunços, em número de seis e contou o plano, combinaram de sair no dia seguinte bem cedo, por isso precisavam verificar as armas e as montarias, para que nada pudesse dar errado.

No dia seguinte, bem cedo, rumaram para o sitio vizinho dispostos a colocar em prática o plano que traçaram. À frente iam o Coronel, ao lado Mundinho e logo atrás os seis jagunços cada qual com uma espingarda e um facão na cintura. Estavam preparados para qualquer eventualidade, como dizia o Coronel “estamos prontos pro que der e vier”, assim chegaram no cafezal, mas já estavam sendo esperados pelos proprietários do sítio. Lá estavam todos os homens, camuflados nos pés de café e até as mulheres, cada uma com sua espingarda, prontos para botar o coronel e seu filho almofadinha para correr, com jagunço ou sem jagunço a coisa ia ferver.

Coronel Raimundo foi chegando e já dando ordem:

- Eu fiz tudo para adquirir essas terras na paz e pagando bem. Vocês não aceitaram nenhuma de minhas propostas. Agora eu estou impondo a minha última e vocês não têm saída terão que aceitar ou serão escorraçados a tiros de espingarda.

O mais velho e líder do grupo respondeu ao Coronel.

- Seu coronel, daqui ninguém sai, só se for para a cova ou para a cadeia. E dê meia volta com essa sua tropa e desocupem as nossas terras. De agora em diante não serão mais bem vindos por aqui, nem usar como passagem poderão mais.

O Coronel não esperava uma reação tão decidida como aquela e ficou um pouco na dúvida, foi quando seu filho avançando sobre o velho feriu-o com o facão e os jagunços logo tomaram posição para atirar, mas foram surpreendidos de trás de cada pé de café aparecia um Pereira atirando e derrubando os jagunços um a um, inclusive Mundinho que caiu ferido de morte ao o lado do pai. Este vendo aquela cena, apeou e foi tentar socorrer o filho, foi quando levou um golpe de facão desferido por um dos Pereira e também caiu ferido. A anciã, que comandava as mulheres gritou:

- Tragam café. Tragam grãos de café. E logo as mulheres começaram a trazer os aventais cheios de grãos misturados às folhas do café que colhiam às pressas. Com a raiva que estava guardando a anciã encheu a boca do Coronel, que ainda se encontrava vivo e começou a socar com o cabo da foice e dizendo:

- Não queria mais café, Coronel, pois tome. E socava o café para dentro da boca do Coronel, até que este morreu sufocado.

Fim da escaramuça, colocaram os mortos e feridos sobre os cavalos e mandaram tocar dali o mais rápido possível.

Chegaram à fazenda do Coronel com os corpos e os feridos.

Logo ao avistar o cortejo, Dona Ana que já estava preocupada com a loucura do marido e do filho, começou a gritar e pedir por ajuda. Todos os empregados correram ao terreirão da fazenda e socorreram os feridos e retiraram os mortos que Dona Ana, sua mãe e filha ajudaram a preparar para o velório.

Um vaqueiro foi encarregado de ir até a cidade chamar um médico e o delegado, para tomar as providências.

Com a chegada do delegado, que ouviu a história desde o início, anotou alguma coisa em seu famoso bloco de notas e pôs-se a caminho da propriedade dos Pereira os quais já o aguardavam. Conversaram, também e explicaram, mas tiveram que ir até a cidade, onde teriam que prestar depoimento e ficarem à disposição da justiça.

Assim fizeram. Mas um advogado que vagava, quase sem causas pelas ruas daquela cidade, resolveu defender os Pereira, pois já estava sabendo das malvadezas do Coronel Raimundo, tanto que arranjar testemunhas foi muito fácil. Todos queriam falar o que sabiam sobre o mal comportamento do coronel expulsando famílias e tomando posse das terras.

Assim aconteceu, um certo dia, o julgamento dos Pereira. A cidade ficou em polvorosa. A viúva contratou um causídico da capital, sujeito famoso que já deu o caso como ganho antes mesmo de consultar os autos.

O advogado de defesa, humilde, com seu terno surrado, todo amarrotado, ficou tranqüilo no cantinho a ele reservado.

Começou o julgamento com todos os rituais legais. O primeiro a falar foi o Sr Promotor, que formalizou a denúncia de assassinato. Falou e considerou hipóteses e disse me disse, mas nada acrescentou. Foi a vez de ouvir as testemunhas. A maioria delas vítimas do Coronel Raimundo que os teriam expulsados e passado as terras para o seu nome em conluio com o escrivão da cidade. Falaram e contaram, até que o último confirmou todas as denúncias contra o Coronel. O Advogado da Capital, nem sabia se havia testemunhas para falar bem do Coronel Raimundo. Para sua surpresa, o único nome que constava para falar não compareceu.

O Advogado de defesa, levantou e começou a sua defesa.

Começou elogiando o Coronel Raimundo pela sua tenacidade e pela sua gana pelo trabalho e pelo acúmulo de patrimônio. Claro que houve um burburinho e ninguém estava entendendo nada. Foi quando o Meritíssimo Juiz bateu o martelo e exigiu ordem. Então o Advogadozinho voltou a falar:

- Imaginem os Senhores que o Coronel Raimundo, homem respeitado em nossa comunidade, tinha poderes para eleger prefeitos e vereadores, fazia tudo contra a lei. Expulsava os verdadeiros proprietários de suas terras e as anexava à sua propriedade, tudo contra a lei e em conclui com o escrivão, o qual usava o seu ofício que tem fé pública em nome de falcatruas cometidas por verdadeiros facínoras. As testemunhas que aqui depuseram o disseram. Portanto, Meritíssimo Juiz, Senhores Jurados, Sr. Promotor e Dr. Assistente da acusação. Nada mais tenho a dizer, senão pedir a absolvição de meus clientes, por se tratar de homens trabalhadores, de bons antecedentes, que já vinham sofrendo ameaças do Coronel e que nada mais fizeram que defender sua propriedade, quando esta estava sendo assaltada pelo Coronel Raimundo e seus capangas.

O Advogado da capital, fechou sua pasta, levantou-se, pediu a palavra e declarou. Sr. Meritíssimo e Senhores Jurados, diante das circunstâncias, nada tenho a dizer, pediu licença e retirou-se.

A família enlutada e envergonhada foi deixando o fórum enquanto os jurados se reuniam para decidir sobre a culpa ou inocência dos réus.

Quando retornaram ao salão do júri, poucas pessoas ainda estavam presentes. O Juiz, fez a clássica pergunta:

-Então Senhores Jurados, chegaram a uma conclusão? O Presidente do Júri respondeu:

- Sim, Sr. Meritíssimo.

- Qual foi a decisão desse corpo de jurados?

- Julgamos os réus inocentes, Meritíssimo.

Neodo Ambrosio
Enviado por Neodo Ambrosio em 14/03/2012
Reeditado em 01/06/2012
Código do texto: T3553373
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