A PERGUNTA
A PERGUNTA
- Mãe, meu pai era bandido?
A surpreendente pergunta provocou um susto em Elisete. Por alguns segundos ela só conseguiu olhar no rostinho curioso de Lucas. O menino de quatro anos, insistia na resposta, enquanto Elisete procurava uma forma de fugir do momento.
De súbito se viu de novo aos quatorze anos, época em que tudo parecia com a novela das seis. O despertar do corpo, seguia o ritmo da moda. Tudo era novidade. Tudo tinha o gosto de vida. Novas amizades, mudanças na forma de se vestir, a exposição do corpo, já que chamar a atenção dos meninos, era legal. Porém, havia um problema: a mãe, Juraci, senhora viuva, que com mais dois filhos para criar além de Elizete, desdobrava -se em faxinas nas casas das madames e ainda assim, procurava estar presente, e como tal percebera a mudança na caçula. Mas, para Elisete, descobrir a vida incluía também desenvolver habilidades e, enganar a mãe fazia parte do pacote. Assim, "matar" aulas, "estudar" na casa de amigas e "pesquisas" nos finais de semana, passaram a ser os passaportes para a "liberdade". Aos domingos, procurava se conter e até conseguia ir à Igreja junto com a mãe.
Um dia, ou melhor, uma noite marcou com algumas amigas para irem a um baile na comunidade vizinha. Ao chegar, uma explosão de alegria tomou conta do coração da menina. Dançou, brincou, paquerou e curtia cada momento, até que um recado chegou à Elisete por meio de um motoqueiro: "O patrão quer te conhecer". Um susto. "Eu?" pensou. Não sabia bem o que fazer, já que na realidade das comunidades, chamar a atenção dos "chefes" era um privilégio. Em meio a "festa" das amigas, subiu na moto e foi até uma rua próxima, lá viu um moreno, alto, vestido com roupas escuras e olhar sério. Tinha uma cicatriz do lado direito do rosto másculo. "Oi" foi só o que ouviu. Ele estendeu uma das mãos, e Elisete correspondeu. Ele olhou em volta como um sinal, em pouco tempo estavam sozinhos. Ele a aproximou e beijou o seu rosto, e aquela foi só a primeira noite de muitas.
Rapidamente, a vida de Elisete mudou. Onde passava, todos desviavam o olhar. Passou a receber presentes todos os dias. Vivia o momento com prazer. Viajava, passeava, conhecia locais que nunca imaginara. Cássio, era carinhoso, atencioso e muito bom de papo. Só que, um problema insistia em ser uma voz: "dona" Juraci A mãe insistia em buscar a filha. Em repreender, mas já não tinha como reverter a situação e para evitar mais problemas, Elisete decidiu aceitar a proposta de Cássio e foi morar sozinha numa casa na comunidade.
E foi aí que a vida passou a mostrar seu rosto. Numa madrugada, depois de chegar com ar de cansado, Cássio depositou uma arma na cabeceira. Elisete, perguntou se estava tudo bem, e sentiu a dor de uma pancada no rosto, seguido de um grito: "Não me enche o saco!". O momento foi superado no dia seguinte, com um pedido de desculpas e mais uma jóia. Porém, outras agressões aconteceram e com o tempo passou a ser parte da vida. Elisete, não sabia bem como lidar com a nova realidade, mas insistia num conceito prático de que "ser feliz tinha seus percalços", já que não admitia voltar a viver a realidade da casa da mãe. "Um filho" alguém sugeriu. "Um filho" a solução.
"Estou grávida". A novidade foi anunciada no dia do aniversário de Cássio, que ao invés de satisfação, ficou sério, disse um palavrão seguido de: "Te dou vinte e quatro horas para sumir daqui". Elisete não entendeu. Ficou sem saber o que fazer. Só restava, chorar a vida.
No dia seguinte, quatro "soldados" estavam na porta da casa para ajudar na mudança. Não tinha outra alternativa a não ser voltar para casa da mãe. Entrou no carro e foi. Ao passar numa rua transversal, viu Cássio abraçado com uma outra menina. Chorou a realidade que escolhera. Baixou a cabeça e pensou na vida pela primeira vez nos últimos meses.
Ao chegar na casa de Juraci, encontrou a mãe no portão. Logo que a porta do carro se abriu sentiu os braços maternos envolverem seu corpo. Chorou o amor. Chorou a realidade que o dinheiro não podia comprar.
O apoio da mãe foi fundamental para continuar, assim como as visitas do Grupo de Jovens da igreja, que procuravam ocupar o tempo dela com várias atividades. Entre elas o "Chá do Bebê" que aconteceu num Culto em Ação de Graças, ocasião em que sentiu na alma, como era amada por Deus.
Se sentiu nos braços do Pai ao dar a luz a Lucas, num parto normal realizado no hospital da região. Dias depois recebeu a noticia que Cássio morrera numa incursão policial. Desde então a vida tomara outro rumo. Arrumou emprego, trabalhava com a recuperação de jovens que passava por situações como a que ela passara e curtia o filho.
Agora, de volta ao presente, a pergunta do filho desafiava a sua fé. Sentia o peso do passado no olhar de Lucas.
Então, aproximou-se do menino. O abraçou e disse:
- Sim Lucas, seu pai era um bandido. Mas Deus é tão misericordioso que me deu você que é um filho maravilhoso.
O menino deu um beijo na mãe e voltou para a brincadeira. Elisete sorriu ainda que entre lágrimas. Sabia que a pergunta voltaria a ser feita em outras fases da vida do filho. Porém, não se sentia sozinha. Vivia confiante na verdade e no perdão. Vivia uma Nova Vida forjada numa Cruz.