A GATA E O RATO

A GATA E O RATO

Jonnêz P. Bezerra

“ - Para onde vai a menina, ora perguntava eu como quem não sabia, aos outros parecia fingir não saber. Tantas e tantas vezes fingi entender somente por superestimarem minhas potencialidades e minha percepção, como sempre ignorava a resposta da tal questão, os outros parecem as vezes um tanto bobos em convicções como a de achar que eu faria uma pergunta á qual já conhecesse a resposta, sou orgulhoso, só pergunto o que não sei”.- Essa foi a última idéia presente no diário de Elano, Patrícia lia com surpresa aquelas palavras, não podia imaginar num rapaz como aquele, em sua quase certeza autista, uma forma de pensar tão lúcida. No entanto, o que de fato lhe chocou mais ainda foi perceber nele um gênio forte, impaciente e inquieto, não que percebesse isso ao ler aquele trecho, de fato ela não sabia nada sobre seu ímpeto ou personalidade, mas presumia de forma inconsciente, adivinhando assim algo como resultado de sua pouca convivência com o garoto. Ficou a pensar naquilo enquanto colocava novamente o caderno de anotações no lugar onde encontrara, numa mesa de leitura, sabia, certamente seria encontrado pela bibliotecária quando saísse, sem mais preocupações seguiu seu rumo, num “até logo” sem força nem a sinceridade bastante para se fazer mover dos seu lábios no parco cumprimento, nem ela mesma sabia porque fazia coisas assim. Lá fora as luzes eram agradáveis em sua penumbra, talvez não por serem aprazíveis mas somente pela mudança, algo cativava seus olhos refletindo numa fuga a alegria já a pesar quase oculta no seu coração. Era um sentimento bom, sua mente não divagava sobre aquilo, aprendera ela desde cedo á pegar o prazer permitido a si somente através de compensações, nisso se fosse boazinha seria recompensada, não se permitia um prazer como aquele; leviano, roubado de seu íntimo como se fugisse a razão, numa emoção própria de uma ânsia qualquer, aquilo seria para ela como a morte!. Seguia para sua casa, pensou em Elano ainda por alguns instantes, quereria ela ainda ler mais do seu diário? tinha curiosidade em saber da opinião que tinha sobre ela, agora, ao saber de sua antipatia pelas pessoas, ainda mais. No outro dia, com exceção a Adriano, esse já não contava, era o primeiro em tudo, fora a primeira a chegar na sala onde teria uma a aula de literatura, para ela massante, e bem pior por abordar como tema lirismos; poesias moderna e contemporânea, não via a hora de encerrar a aula quando sentiu uma pontada nas costas, era Elano, perguntava sussurrando algo que ela não compreendia, decerto, queria saber se ela não vira seu diário, não sabia onde havia deixado, como nunca era muito objetivo, perguntava solícito se ela não tinha visto um caderno em suas mãos quando por acaso se encontraram na biblioteca. Ela fingira não entender nada, olhava para ele com desconfiança, será que tinha suspeitas quanto a ela ter lido seu diário? Certamente não, afinal como poderia saber daquilo? Confiante e resoluta, disse-lhe que; se tinha algo a dizer-lhe, esperasse pelo intervalo. Foi o que fez ele. Tocara enfim, estremecia sempre ao som da sirene, porque não um sino? tinha que ser justo um alarme? nunca se acostumaria com aquilo, nunca gostou de mudanças e dessa então! Após equilibrar seu nervos, dirigiu-se a Patrícia a tomar água numa fonte próxima aos banheiros masculinos, não tinha lógica, um lugar para tomar água próximo a um banheiro, dizia a ela enquanto pensava, ao passo que a garota pouco se importava com tal lógica, almenos para ser-lhe sociável, balbuciou um quase inaudível “- E quem se importa?”, o que não fazia sentido, pois ao contrário da idéia que tentava passar, ela se importava tanto com aquele lamúria queixosa dele ao ponto de querer gritar-lhe nas fuças o quanto não se importava com o lugar dos bebedouros. Ignorava ele, aquilo de impaciente no rosto da jovem, não sabia Da ameaça ali presente e a ponto de tragar-lhe. Foi direto ao ponto então, queria encontrar o perdido caderno de anotações.

- Paty... você não viu meu caderninho de anotações? Surpresa com tal pergunta, não reagiu de imediato, pois a resposta travou-se na garganta. Como podia ele ser tão impertinente, detestava-o agora, sabia. Perguntava por algo diferente do encontrado por suas mãos e provado por seus olhos; não era só “um caderno de anotações” como dizia; era coisa mais íntima e secreta. Da pessoa as reminiscências, impressões e opiniões sobre os outros, si mesmo e fatos vividos. Dessa forma foi fácil para ela dizer, que não havia visto aquilo, de fato não fora o que estivera em suas mãos na noite anterior.

- Não sei de livro nenhum!

- Mas Paty, é um caderno! Disse corrigindo-a com um ar submisso, como se temesse fazer tal correção.

- Não sei de caderno nenhum, e pode me chamar de Patrícia. Falou fitando-o de cima, olhando ele do lugar onde havia se colocado por conta própria, como era inferior a ela. Apesar disso não sentia pena, tinha um menosprezo natural por tudo que fosse como ele; estranho e vulnerável, tinha o desejo de ferrar com ele ou sempre que encontrasse alguém do mesmo tipo. “Não é pessoal”, sentia isso inconscientemente, usando de uma má fé enganadora e subjetiva; seu consolo: uma forma de não sentir-se como uma pessoa má. Elano, ainda não sabia onde se colocar, tamanho o constrangimento em admitir ter perdido algo importante, sabia disso, é certo e tinha medo dela censurá-lo também. Onde estaria então o bendito objeto, subitamente teve um lampejo, - A biblioteca, sim! SIM! - Ao que deveria acalmar-se, ficou mais agitado, na ansiedade de sair correndo atrás do seu precioso. De toda sorte era o único lugar fora do roteiro onde andara. Por ter encontrado com Patrícia no dia anterior e agora; lembrava-se do momento em que, com um sorriso constrangido realizara o cumprimento meio sem jeito, somente para responder ao sorriso tão pródigo, parecendo surreal aos seus olhos, como era pequeno o seu mundo, não entendia de boas maneiras nem de sinceridade, afinal normas de adequação social são muito úteis para o humor e evita que a espécie humana sai se digladiando por aí, sem contar na generosidade do ato, dado de forma tão abnegada a qualquer um, sem a discriminação nem a intenção verdadeira e por muitas vezes torpe. Pouco entendia disso tudo; se não gostava de alguém dizia ou se fazia entender, na maioria dos casos os ignorava, não que fosse superior, não se sentia assim. Há sempre um universo infinito em cada pessoa ou em cada ser, nem sempre, queremos compartilhar as mesmas experiências, muitas das quais são “boas” para os outros, para ele era um tormento, sempre dizia as pessoas que o estranhavam, que aquilo era uma questão de gosto, mas no âmago mais profundo do cerne sabia: “era uma questão de mal gosto”. Não era ruim discriminar todo o mundo, já que o ponto inicial da consciência humana é o reconhecimento de si mesmo e do restante que não compõe o si mesmo; primevo trabalho de discriminação. Jubilava-se por sua consciência e sabia do fardo que cada um carregava, quão enfadonho era a sua tristeza e a falta de um ente com quem compartilhar seus sentimentos o fazia sempre cabisbaixo, sentia-se só. Dizia o memorável Artur da Távola, algo sobre a solidão e o mal terrível que acometia a alma humana. De alguma forma, Elano também sabia disso: esse mal estar era maior por estar sozinho. Ele tinha seus escritos, no final de cada dia, tudo passava por suas considerações e racionalizações, avaliação feita de forma razoável e que aos poucos ia moldando o seu caráter. Tanto pensar, através de um sistema a se desenvolver no cotidiano, o fazia dele um sujeito ponderado. Por fim a aula teve cabo, Elano pôde ir para casa, onde por mais de trinta minutos embromou em frente a TV até enfim tomar banho e almoçar com o ar de reprovação de sua mãe. Comeu em frente ao aparelho já fora de época; com sua tela grande e o peso imenso a comprimir a pequena mesinha cuja vista também já estava gasta por ser mirada pelos que ali habitam. Como envelhecem as coisas, e não só em forma de presença gasta por nossa percepção, porém esta se faz maior, tal egocêntricos que somos, além dessa passagem do tempo abstrata e racional, apesar de nem sempre consciente, existe também a verdade do desgaste natural ou fenômeno de passagem do tempo ou distância percorrida pelos astros, o que não se sabe, tempo ou espaço. A tarde tinha sido longa e enfadonha e ainda faltavam quase duas horas e meia para o turno da bibliotecária, Lorena, a chegar sempre à noitinha no prédio espremido entre outras construções também da mesma época, era distinta em seus modos porém não vestisse o mesmo traje soberbo, marca de sua indiferença pelo que não se portasse a sua altura, quando jovem havia sido professora, conta-se através de boatos, os quais na certa nunca ninguém sabe do onde vem, o quanto era autoritária e como sofriam os alunos em suas mãos, na verdade apenas alguns alunos, para ser mais específico apenas os que tinham problema de conduta. Não tardava a entregar suspensões por coisas mínimas como, postura errada e atrasos além de outras minúcias mais. Como se estivesse prestes a repreender sempre alguém exigia do mundo a mesma dignidade tão elegantemente oferecida a seu preço exato. Muitos dos seus antigos alunos tinham-lhe considerável apreço, fora ela quem os ensinara a se portar, sem essa lição básica e elementar de adequação ao mundo social e prático, fundamental para qualquer êxito nas relações entre humanos, já que somos humanos em teoria, e se isto é comprovado através da vivência social, então é sem dúvida o melhor meio para pô-la em prática, o cotidiano. Algumas lições ficam para sempre, e até os excluídos reconhecem que passaram a querer participar daquele rito, o exercício de concentração e centramento que compunha o estudo da gramática inflexível em suas aulas, depois de ficarem por fora, dessincronizados do restante da turma tão garbosa por serem dignos de ter mais uma aula com ela, e por mais fraca que fosse a idéia que passasse por suas mentes, se esta culminasse com a expulsão, somente a possibilidade de tê-la lhes causava arrepios na alma. Impressionantemente, ela gostara de Elano desde o primeiro momento que o vira, sempre muito calado, com expressões comedidas ou tomando notas no caderno. Ela nunca soube do que se tratava, não chegou a ler os inscritos, fez bem então; era tratada apenas como “a bibliotecária mal humorada”, ele nunca soubera distinguir humor de postura, ora o primeiro trata de um estado de ânimo, o segundo de uma norma de etiqueta gestual, de tão familiar em sua natureza adquirida com o tempo. Elano esperava receber uma bronca por ter esquecido um pertence seu ali, surpreendeu-se com a atitude dela, assim que se pôs a vista, no longo balcão da bibliotecária. Esta, sem esperar por qualquer, palavra cumprimentou-o, em seguida lhe disse o que havia esquecido na noite anterior, em seguida, após retirar uma etiqueta do Caderno de capa roxa, entregou o tão aguardado pertence de Elano. Após tê-lo nas suas mãos, agradeceu e pôs-se a andar até sua casa, só felicidade. Após comemorar-se pela ventura obtida tão fácil, pensou em como o mundo seria melhor se não sofrêssemos tanto por antecipação, se não levasse a vida tão a sério, o homem teria menos angústia, sua vida seria mais leve. A preocupação em demasia era um fardo, seu problema teria cabo de qualquer modo, independente de ter ou não tal preocupação. Precisava ir a biblioteca onde terminaria o trabalho de inglês cujo último prazo de entrega era o dia seguinte, assim encontraria seu manuscrito, foi nesse ponto de reflexão que sua mente escureceu:

- ‘O maldito trabalho de inglês’, dissera bem alto como se o pensamento ganhasse vida no momento em que o teve. Perturbou-se, a alegria o fez esquecer da obrigação do dia seguinte, se sentia estúpido, o mérito anterior apesar de presente, não apagava o fracasso iminente e até atenuava-lhe o peso. Já ia bem próximo de chegar em casa, não voltaria para a biblioteca dali, o tempo não era seu amigo e o aproveitamento caso retornasse pelo mesmo caminho não seria numa quantidade satisfatória, restou-lhe apenas lamentar-se pelo lapso, sabia disso, mesmo assim fez outras conjecturas mais, como passar na casa de alguém que estivesse em posse de um dos cinco volumes do qual precisava, pensou no que dizer a tal pessoa caso passasse por sua cabeça um nome, só um nome... Falaria sobre a falta de tempo e da impossibilidade de levar o único volume para cópias, nunca saía da biblioteca, estava sempre a disposição para a consulta, na falta dos outros. Buscava em suas reminiscências um único nome, isto lhe salvaria a pele. Não passou por sua mente o nome tão desejado. Pensava ele o quão impressionante era a nossa faculdade de desejar o que não dispúnhamos nem mesmo na lembrança, a simples possibilidade de ir de encontro com a recordação não tida é sustentada com o prazer, e talvez o “achado”, caso houvesse; não seria tão bom quanto a expectativa de encontrá-lo. Findou então que não teve mais nada a fazer, não lembrava o que queria, talvez não existisse realmente o que lembrar. Dormiu bem apesar da culpa, em tempos remotos acreditava Elano, ser tal sentimento uma boa razão para o justo sono dos arrependidos, sempre desfrutado por ele quando encontrava-se assim. Acordou sem lembrar do que outrora o fazia aflito, ao tomar café tentava lembrar de algo importante, um detalhe crucial deixado de lado por uma distração qualquer, quando enfim pegou seus livros e atravessou a soleira da porta lembrou do trabalho de inglês, desejou não ter lembrado, como era feliz ignorando aquele fato impossível de existir em conformidade com sua felicidade a mesma dos que ignoram determinados fatos. No caminho pensou na possibilidade única de seu insucesso, sem mesmo atentar para como seria de fato realizada tal potencialidade, até mesmo de certa forma errônea. Tratar isto como potencialidade? hora potencialidades são sempre positivas não? nunca negativas. Deixado de lado tal pensamento voltemos ao pobre mancebo, enamorado pela vida, seja ela boa ou ruim, temos que ser gratos e vivê-la como se não tivéssemos outra, afinal, ao cabo de tudo não temos mesmo outra se não esta, porque então não desfrutá-la? O amor a vida invade o coração e o que se sente não é mais do que acreditamos, há um equilíbrio de fato, mas aos olhos que tudo vê, na mente á qual nada escapa, somos infelizes, de todas, a razão é a mais culpada, no mais esta nunca teve uma relação harmônica com os sentimentos nossos de cada dia, deixamos de lado certas coisas, ignoremos o mais atenuante; e somos bobos de tanta felicidade, está aí uma fórmula que apraz apenas as sistematizações de pensamentos coordenados de forma a compor um significado lógico, bom apenas para o ego, quando explicamos pois, algo de forma bem elaborada ficamos satisfeitos, mesmo que no fundo ainda saibamos estar em inescapável desvantagem. Não ignoremos aqueles que sabem pouco, em sua falta de conhecimento não sofrem, vivem melhor, e querer ensinar-lhes algo a mais do que lhes cabe é por sua vez um crime terrível. Assim Elano ainda era feliz e nada podia estragar-lhe em seu momento, tão fechado em introspecção que era, vivia mergulhado em pensamentos. A vida não era tão ruim e apesar dos sofrimentos vinha uma alegria para atenuar-lhe a dor acariciando-a simultaneamente.

jonnez
Enviado por jonnez em 13/03/2012
Código do texto: T3552400
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