A Estória de Juan ( Ou O Clube dos Endiabrados)
Juan Carlos é um jornalista de certa fama, e apesar do seu nome ser de origem hispânica, ele não tem nada de espanhol, ele é cearense de Pacajus, pequena cidade situada na região metropolitana de Fortaleza. Vive no Rio de Janeiro há mais de 20 anos. Mora no bairro de Vila Isabel, na Avenida 28 de setembro, num espaçoso apartamento de dois quartos, com dependência completa de empregada, desses de construção antiga, que são bem maiores que as caixas de fósforos que se constroem nos dia de hoje. O antigo prédio fica quase em frente ao Hospital Universitário Pedro Ernesto. Juan tem três grandes amores na vida; a escrita, o Clube de Regatas do Flamengo e Luciana, sua eterna noiva. Seu estilo bonachão o faz uma pessoa bastante querida no trabalho e nos botequins do aconchegante bairro que reside. Não troca aquele lugar por nada, além de ser próximo ao Maraca, palco principal do fuderoso e todo poderoso Mengão, é um bairro de vida noturna intensa, coisa que ele muito aprecia. Luciana tentou muitas vezes que ele se mudasse pra Barra da Tijuca, ele relutou bravamente até que ela desistiu da idéia, ao menos é o que parece, já tem quatro meses que ela não toca no assunto. Ele trabalha na redação de um jornal diário na seção policial. Tem 43 anos, 1,83cm de altura e pesa 115 quilos. Alimenta o sonho de um dia escrever um romance policial. É glutão, beberrão e fumante...
Para o começo tá bom. Ficou melhor do que os outros trezentos e doze que eu iniciei e depois deletei. O que mais eu poderia escrever sobre o Juan, antes de entrar no assunto do assassinato? Eu poderia falar que ele enrola a Luciana, que ela é uma incauta, que acreditou na conversa fiada dele, nos seus diálogos flácidos para acalentar bovinos, traduzindo, sua conversa mole pra boi dormir. Só que, se eu escrevo isso, não seria verdadeiro, há muito que Luciana sabe que Juan não se casará com ela e nem com qualquer outra, não faz parte do estilo dele, ele gosta mesmo é de liberdade. Além disso, ela sabe muito bem que só ele mesmo para aguentar todo o seu falatório e sua hipocondria. Conheço-os muito bem, por isso sei disso tudo, hehehe. Acho que pra apresentação do personagem principal tá bom, durante o desenrolar da trama vou adicionando outras características a ele. Acho que vocês perceberam que estou escrevendo um romance policial, esse livro vai mudar a estória da literatura ficcional no mundo, aguardem. Vai revolucionar sim, tenho certeza. O que eu queria escrever mesmo era sobre duas anãs, irmãs gêmeas e ninfomaníacas, que cortavam o Brasil fazendo apresentações circenses e participando de surubas romanescas. Não consegui evoluir no assunto, e acabei matando-as, antes de terminar o livro, depois de uma orgia entre elas, a equilibrista, dois palhaços, o domador de leões e os leões. Fiquei muito deprimido, porém, agora me empolguei de novo e se tudo der certo, esse livro policial vai dar o que falar. Mas, depois eu continuo, estou meio sonolento. Ao lado daqui do notebook tem uma garrafa de vinho pela metade, estou bebendo enquanto escrevo. Interessante como as coisas mudam, nunca gostei muito de vinho, principalmente os vinhos metidos a besta, sempre os achei ruins, amargos, não descia de jeito nenhum. Gostava mesmo era de vinho de tampinha, cerveja, cachaça e maconha. Inclusive tô fumando unzinho agora hehehe, e acompanhado com o vinho a lombra fica muito maior. Dizem que maconha deixa a gente meio sem memória e coisa e tal, isso nunca me aconteceu, se um dia aconteceu eu não lembro hehehe, sério mesmo agora, não sei por que falam isso... Não sei mesmo, quero dizer..., não sei mais do que eu tava falando... Tava falando do que mesmo??? Há sim, lembrei. Tava falando que não gostava de beber vinho, é verdade, não gostava. Achava que era coisa de gente esnobe e fresca. Porém isso mudou. Minha opinião mudou. Comecei a sair com um grupo de amigos da Ludmila, minha noiva, um pessoal bem legal mesmo, e foi com eles que peguei o gosto por vinhos. Esse grupo, formado por um casal, e mais outros três amigos, - e agora por mim e Ludmila-, só bebem vinho. Eles se encontram umas cinco a seis vezes por ano, mais ou menos uma vez a cada dois meses, às vezes mais às vezes menos. E esse vinho que eu estou bebendo agora, eu conheci num desses encontros do grupo. O nome do vinho é Casilhero Del Diablo, conhecido a boca pequena por “El Diablo”, o nome é bem sugestivo, já que toda vez que eu bebo esse sacana eu fico encapetado. Ele é um dos vinhos chilenos mais consumidos aqui no Brasil. É do ano de 2005. Ele é uma mistura de duas cepas de uva, é um assemblage. 65% de Carbenet Sauvignon e 35% de Syrah. Ele tem uma cor púrpura intensa, um vermelho bem escuro mesmo e seu gosto é marcante. Ele é indicado para acompanhar carnes vermelhas, massas com molhos vermelhos e queijos. Entretanto, em nossos encontros, independente do que formos comer, sempre tem duas ou três garrafas do Diablo. Fiquei fã do dito cujo, além dele ser um bom vinho é bastante acessível, seu preço não passa de 16 reais. Nessas reuniões que eu tenho frequentado também tem mesa farta e de fino gosto. A cada encontro tem um prato diferente. No primeiro dia em que eu fui me disseram que o prato principal era codorna. Eu pensei cá com meus botões, que no mínimo, pelo meu tamanho e largura, eu tinha que comer, por baixo, umas três, também pensei no inconveniente de sujar as mãos e lambuzar a boca. Não dá pra comer codorna com garfo e faca, tem que pegar com a mão. Contudo, eu estava enganado, redondamente enganado, as codornas eram muito mais sofisticadas do que minha vã filosofia de boteco pé sujo poderia conceber. Os passarinhos eram desossados e recheados e eram acompanhados de cuscuz marroquino. Uma coisa de maluco de tão bom. Comi numa satisfação barulhenta, acho até que fiz Ludmila passar certa vergonha. Repeti três vezes, e só não comi mais, por que a anfitriã disse que tinha acabado. Por falar em anfitriã, uma moreninha bem jeitosa, foi ela mesma quem preparou o prato, bom, assim ela me disse depois que eu quis conhecer o responsável por aquela gostosura. Depois de alguns encontros comecei a perceber que nosso grupo se assemelhava com o grupo de amigos do livro Clube dos Anjos de Luís Fernando Veríssimo, com algumas diferenças, a principal é que nos nossos encontros, graças a Deus, ninguém morre. O nosso grupo poderia se chamar o clube dos endiabrados, ou dos encapetados, em homenagem ao vinho Diablo. O telefone está tocando, aposto que é a Ludmila.
_Alô
È ela, a Ludmila.
_Alô, Ju, sou eu, tudo bem? - Não sei por que ela cisma de me chamar de Ju, ela sabe que eu fico muito puto com isso -. Eu passei aí pela manhã, você já tinha saído pro trabalho. A dona Isaura disse que tá faltando pagar a última conta do gás, você já pagou?
_Eu já...
_Escuta, falei com sua mãe sobre o aniversário de seu pai, vai ser no salão de festas do jornal, eu liguei pro Miranda e ele aceitou. Eu coloquei suas roupas que estavam sujas na maquina você viu?
_Eu vi, e...
_Já tá vindo pra cá? Vem logo, quando vier, passa antes na farmácia e compra um analgésico pra mim, compra o de 750 mg, o de 500 mg não resolve meu problema. Tô com uma dor de cabeça lascada, a minha nuca tá doendo, eu não consigo mexer o pescoço direito, meu pescoço tá duro, tá travado. Eu vi no jornal da TV, hoje pela manhã, que tava tendo um surto de meningite por aqui, acho que eu peguei esse maldito vírus, se não for isso só pode ser o aneurisma que eu já lhe falei e você não acreditou. Vem logo viu, beijo. Ah, outra coisa, não se esquece de colocar um casaco, tá muito frio hoje. Fiz aquele pudim que você gosta. Não demore, e passe na farmácia, beijo.
Essa é a Ludmila, minha noiva, cuida de mim como se eu fosse uma criança, pra falar a verdade, não tenho do que reclamar. Gravei o que acabei de escrever numa pasta com o título “A Estória de Juan”, vai ser esse o nome do livro, acho que ficou bom. Mas, por hoje chega de escrever, vou pra casa da Lu ver o jogo do Flamengo, aqui em casa cortaram minha TV a cabo, esqueci de pagar a conta hehehe. Quando cheguei ao térreo, o seu Antônio, o porteiro do prédio, Fluminense doente, não falou comigo direito. O Fluminense perdeu domingo pro Mengão e eu sacaneei ele, acho que ele ficou chateado. Quando eu passei, ele apenas balançou a cabeça e falou
_Boa noite seu Julio Charles.