Menina bordada

Menina bordada em sentimentos, em planos e renúncias. Mas ela de nada quer perder ou sacrificar, feito que quando seu sonho desmorona, tijolo por tijolo, com toda a estrutura do castelo, cai em frangalhos ao rasgar mais um rabisco no papel. Cada traçado, desenho incompleto, é uma vida morna. Veja só como tenho tido trabalho para concluí-la nos meus pensamentos e poesia…um dia desses eu me pego desprevenido e ela interrompe todo o meu processo criativo! E tenho palpitações. A criatura já ameaçara rasgar todos os meus planos no papel para que eu parasse de “invadir” sua privacidade (tenha dó!). Onde já se viu tamanho descaso e desonra! Uma musa se queixar de ser a inspiração de alguém, assim como um amante se queixar daquele que o espera à porta com o coração e olhos desprevenidamente – porém castamente – apaixonados. “Só procuro entendê-la porque te amo.” digo a ela. “Nem que seja ao compartilhar (o que tu chamas de invadir) a integridade de cada peça que compõe o teu quebra-cabeça com defeito de fábrica – que de certa forma, eu acho um charme.”. Ela ri e sua garganta rasga um tom de deboche. Mas, apesar de todos os pesares, eu sei que ela continua desenhando, bordando fantasias e utopias na renda de seu vestido como que em sua segunda pele. VALHA-ME DEUS, ELA DIVAGA DEMAIS! Transfere a mim todos os seus pesadelos e inseguranças! “Mas eu não vou embora. Fico aqui parado em sua frente se quiseres, mas não deixarei de te proteger como um casulo…até que me rompas e voe livremente pelas cores de suas belas asinhas imaginárias! Que o vento sopre então. Queres voar, meu bem?” (Re)fabulo e pergunto milhares de vezes, com ela me dando sempre a mesma olhadela. Ainda corrijo com “meu benzinho” para acalmar-lhe a alma e calar-lhe os lábios. Ela é feita de desenhos, música, poesia e bordado. Ela é a parte de mim a qual eu mais sou apaixonado. Semana passada até lhe falei que os desenhos vão se criando sozinhos – como que com vida própria – e não depende de nós a forma que as linhas decidirem tomar. “Teremos de nos adaptar e isso nem sempre vai ser ruim. Deixa eu te desenhar e te decifrar, menina. Não pretendo com isso definir as nossas vidas…muito menos te fazer ficar. Mas tenho certeza que não deixarei de te resgatar nos recônditos da minha essência, do meu ser – quem quer que isso seja.”, dizendo assim me expus para alcançar a sua alma, “Só quero que saibas que se tu te tornares alguém que não és, eu estarei te cavando por dentro até reencontrar a melhor parte de ti – e olha que eu nem vou exigir um croquete de recompensa como aquele danado do teu cachorro faz!” e terminei por fim. Ela beija meus ouvidos e pálpebras, saindo pela porta da frente sem me dizer nada. E como numa cena de filme hollywoodiano (versão brasileira, herbert richers), ela some com seu guarda-chuva aberto – acredito eu que para impedir qualquer perda de si mesma que esteja por vir ou que a chuva possa roubar.