CONTO – Nobre, uma lição de vida – Parte IV 28.02.2012
Os leitores vão observar que essa narrativa não pode ser rigorosamente na ordem cronológica dos fatos, eis que a memória do amigo está um pouco debilitada, e vamos escrevendo na medida em que nos conta cada passagem, podendo até haver repetição de parte de um acontecimento já relatado, razão por que espero que compreendam. Também estou tentando resumir os fatos, todavia há tantas nuances que penso na hora de publicá-los os interessados devam fazer uma peneira.
O Nobre deu o ar de sua graça
Finalmente, depois de algum tempo da última conversa, o velho amigo Nobre deu o ar de sua graça. Telefonara para me dizer que viria me fazer uma visita à noite de ontem. Eu o convidara da última vez em que nos encontramos, no shopping, a gravar nossas conversas e depois, se de seu interesse, se aprovasse, poderia ele transformar em um livro que contasse coisas da vida, casos e histórias que considerasse interessantes, jocosas, inclusive sobre os seus tempos do Banco do Brasil. Na oportunidade não manifestou qualquer interesse. Reclamava do sofrimento que passara nos últimos quatro meses, com sua saúde já bastante abalada. Mas esse telefonema foi assim como que um aviso de que ele, afinal, resolvera “topar” a proposta. Fiquei deveras animado, mas o melhor era esperar.
Finzinho de tarde, início de noite, noticiário local da TV. Chega, finalmente, o estimado amigo. Convidado a jantar não aceitou lembrando que vivia de “regime” rigoroso em face de ser diabético e de ter problemas cardíacos, estes herdados de seus genitores, sua mãe oriunda de portugueses e seu pai do nosso Rio Grande do Sul.
Entrou direto no assunto do livro. Foi claro que meditara, e muito. Mas que chegara à conclusão que de nada valeria tanto esforço e sacrifício: “Afinal, quem o prefaciaria, se não tinha ele nenhuma tradição de escritor e nem sua família houvera caminhado pelas avenidas da literatura! Teria de pedir, por favor, que um já conhecido autor o fizesse, mas seria um trabalho pago ou alguém o faria gratuitamente? Não, não era homem pra estar adulando a ninguém. Outra coisa, quem compraria um volume sequer dessa obra, qual a atração que ela poderia representar? Teria de distribuir, gratuitamente, pedindo por obséquio que os destinatários o lessem”. -- Insisti, com cautela, alegando que se tratava apenas de uma experiência, que para prefaciar qualquer pessoa de razoável cultura, até mesmo ex-gerentes e chefes seus poderiam fazê-lo. Quanto a vender ou não era problema de menor monta, porque o mais interessante era fazer os rascunhos, corrigir, editar e publicá-lo. Ofereci-lhe minha modesta ajuda para colaborar no que fosse possível, inclusive financeiramente.
-- Mas como começar, como dar os primeiros passos, perguntou-me o Nobre, se o que fiz na vida foi me dedicar integralmente ao banco? -- Ora rapaz você acaba de iniciar a criação de seu livro, não notou ainda? Lembre-me de como conseguira abrir as portas do banco, você ainda se recorda? – Claro, respondeu. -- Então conta, sugeri, fique à vontade, não quero interrompê-lo, falei. – Ah meu caro Pirilampo (era como me chamava), deu trabalho, foi tarefa árdua. Bem, ninguém mais acreditava que o concurso seria realizado, porque sendo o banco do governo federal, a renúncia de Jânio Quadros da Presidência da República, se não me falha a memória, em 25 de agosto de 1961, dia do soldado, certamente iria sustar a realização das provas. Mas a demanda por funcionários era tamanha, em face dos planos de financiamento para as lavouras da região no ano seguinte ser muito expressivos. Precisávamos produzir mais alimentos e algodão, este para as indústrias têxteis e exportação.
Prosseguindo: “Finalmente, marcaram o dia das provas ainda para o segundo semestre de 1961, cairia num domingo, não me lembro da data. Na época encontrava-me desempregado, somente me dedicando aos estudos, sozinho, no antigo ‘dancing’ de um clube praticamente desativado, no bairro da Encruzilhada, em Recife, pertencente aos Grandes Moinhos do Brasil, empresa onde o meu pai trabalhava, com a devida permissão do zelador, seu João Gambuza, um rapaz interiorano, de cor e de boa índole, que adorava futebol. Enganava como goleiro e tanto fazia a bola vir por cima como por baixo: era gol certo, ‘frangueiro’. Muito me ajudou. Desistira eu de continuar a trabalhar numa oficina de marcenaria, no Orfanato Ceci Costa, de origem espírita, baseada na doutrina de Allan Kardec, em Salgadinho, Olinda (PE) – cidade que é patrimônio da humanidade --, onde ganhava cinquenta mil réis por semana, quantia que era paga ao meu pai que a administrava. Já não suportava continuar naquele trabalho pesado, sempre fui magrinho, em face das dificuldades financeiras por que a família atravessava. Andava permanentemente com fastio, comia pouco. Sim, eu havia concluído o pertinente curso na Escola Governador Agamenon Magalhães, pertencente ao Estado, em 1955. Eu não era essas coisas na profissão, mas conhecia um pouco do riscado”.
Vou ficando por aqui para não me tornar extenso e não cansar os leitores.
Continuaremos no próximo.
Ansilgus