Mel, sua dona e o time do Corinthians

Mel é uma cachorrinha vira-lata, isto é, sem raça definida, mas sua dona insiste em lhe dar a aparência de portadora de pedigree. Embora não use saiote, daqueles que algumas dondocas vestem em suas cadelas, Mel recebe, quando sai a passeio, alguns badulaques e enfeites, que a deixam mais faceira e mimosa. Sua dona, para estes passeios, também se enfeita muito, ficam parecendo duas patricinhas a desfilar nas calçadas da Avenida Angélica, artéria sofisticada da cidade paulistana, onde as duas moram.

Todas as manhãs sua dona a leva para passear, é quando Mel tem a oportunidade de fazer suas necessidades fisiológicas. Durante o passeio a cachorrinha recebe o afago de muitos, principalmente dos porteiros dos prédios da Avenida Angélica e de alguns vendedores de frutas e verduras que naquela artéria resolveram se instalar. Mel não se faz de rogada e a todos agradece balançando seus quadris – pois teve sua calda cortada ainda muito jovem -, demonstrando que fica feliz por eles. O afago das crianças a faz se derreter de alegria. Tudo isso é terapia para a sua dona, que vem tendo perdas inestimáveis nesses últimos anos. Hoje, morando sozinha, Mel é sua companhia constante. Até nos seus momentos de depressão e angústia, quando toma consciência do sofrimento ou da solidão em que se encontra, a vira-lata suaviza e acalma sua dor.

Em uma manhã desses passeios pela calçada da Avenida Angélica, partindo da Rua Maranhão, as duas personagens de nossa estória faziam sua caminhada, descendo e subindo a avenida, com a tranquilidade de costume. Ao passar pela porta de um famoso hotel da localidade, a dona da Mel percebeu imponente ônibus estacionado. Era a primeira vez que ela via aquele veículo por aquelas bandas. Ao chegar mais próximo, verificou que se tratava do ônibus do Corinthians, conhecido como Mosqueteiro. A cor preta e branca dominava toda a extensão do ônibus rodoviário, modelo K380 6x2, fabricado pela Scania. Apresentava com destaque o distintivo do clube em tamanho grande nas suas laterais, além dos logotipos dos patrocinadores e no para-brisa o nome Mosqueteiro.

Chegando mais perto da porta, a dona da cachorrinha procurou ver a área interna do veículo e percebeu que suas poltronas eram forradas por um material de cor azul, que lhe conferia ambiente sóbrio e confortável. Interessada em obter mais informações sobre aquele veículo que mais parecia uma espaçonave, Glorinha, como é conhecida a dona de Mel, não notou que sua cachorrinha estava fazendo suas necessidades fisiológicas naquele momento e bem em frete da porta do Mosqueteiro. Também, neste momento, os jogadores do Corinthians se preparavam para entrar no ônibus. Diante daquela situação inusitada, todos pararam e começaram a gritar solicitando a retirada do animal e limpeza do local.

Glorinha, assustada e aos gritos, pedia para que os jogadores esperassem até que sua cachorrinha completasse o serviço, pois interrompê-lo a deixaria estressada, podendo até ficar doente.

O time do Corinthians, que jogaria naquele dia com o São Paulo, estava atrasado e os policiais que escoltariam os jogadores até ao Pacaembu resolveram intervir. Aos gritos pediam a retirada da vira-lata, situação que irritou ainda mais a sua dona. De dedo em riste para os policiais, Glorinha falou que aquilo não era caso policial, que eles voltassem para as suas motos, no que foi prontamente atendida.

A dona da Mel tentou convencer aos jogadores e aos dirigentes do Sport Club Corinthians Paulista que aquela situação poderia ser prenúncio de bom presságio para o time. Na França é costume desejar merda para os atores que estão prestes a entrar em cena, significando augura de sucesso para eles, costume herdado quando pelas cidades só se andava a cavalo; a quantidade de merda de cavalo em frente da casa de espetáculo indicava peça de sucesso, muita gente assistiu.

Para reforçar essa convicção entre os jogadores, a senhora passou a gritar Corinthians, Corinthians, Corinthians, campeão, campeão!!! E saiu puxando sua cachorrinha garbosamente, tendo antes apanhado os excrementos deixados por Mel na calçada do luxuoso hotel.

É oportuno esclarecer que Glorinha é são-paulina roxa e que o timão perdeu para o seu time naquela tarde de verão escaldante. Mesmo assim, ela não perdeu o interesse pelas informações sobre a nave espacial do timão. Ao chegar em casa procurou na Internet e encontrou que o modelo K380 6x2, que levará a equipe paulista a todos os jogos do Campeonato Paulista de 2010, apresenta 380 cavalos de potência, torque de 1900 Nm entre 1100 e 1300 rpm, equipado com freios EBS, controle de tração e caixa de câmbio com Scania Retarder (freio hidráulico auxiliar que ajuda na frenagem, poupando as lonas do freio de serviço), considerada uma das mais altas tecnologias em termos de segurança desenvolvidas pela Scania. Seu chassi, que faz parte da família de modelos Scania da Série K, também equipado com gerenciamento eletrônico de suspensão, computador de bordo integrado ao painel de instrumentos, piloto automático e Comfort Shift (sistema que auxilia o condutor durante a troca de marchas).

Com carroceria Marcopolo Paradiso 1550 G6, o novo ônibus do Timão conta com aparelho de DVD, cd player, quatro monitores de LCD, ar-condicionado, cafeteira, geladeira e banheiro à disposição dos passageiros, opcionais que garantem ainda mais conforto aos jogadores.

Apesar de todo o conforto, Glorinha prefere fazer seus passeios a pé pela Avenida Angélica, carregando a Mel. Sentar-se confortavelmente naquele veículo depois de perder o jogo, porque não deu o máximo de si para alcançar a vitória, é bastante frustrante.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 29/02/2012
Reeditado em 24/03/2012
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