Cavalo do cão
Cavalo do cão
Vando
Elas conversando na frente e eu atrás ouvindo, vi Tia Zefa chegar bem perto de Eulina e disse “Hoje vamos vê um objeto nunca visto por aqui”. Esmeraldo e Lindaurinha se aproximaram e perguntaram “O quê”, tia Zefa repetiu, “Hoje vamos vê um objeto nunca visto por aqui”. Lourdes, disse “Zefa tá ficando doida, fica dizendo que hoje vamos vê, e não diz o quê”. Gerovina acrescentou, “É mesmo, vige Maria”.
As beatas foram para suas casas, fazerem o café da manhã para depois irem a feira, pois já tinham cumprido suas obrigações para com Deus. Acompanhei Gerovina que morava no fim da rua e era caminho que eu ai também. E ouvir Mané de Dourinha, seu esposo, que estava fumando um cigarro astoria dizendo “Geró, hoje você vai vê um objeto que nunca viu” ela respondeu “Tá endoidando igual a Zefa, diga logo o que é home”, ele respondeu “Não digo, é surpresa”.
Meu pai me chamou as 05:00 da manhã, para eu ir até o sítio buscar o cavalo, pois ele ai viajar. Quando coloquei a cara na rua, visualizei Tia Zefa, Esmeralda Jaqueira, Eulina Batista, Dourinha, Gerovina, Lourdes e Lindaurinha que acabavam de sair da pequena capela. Diariamente das 04:00 as 05:00horas da manhã essas senhoras rezavam um terço cantando melodia religiosa, sendo também assistido por alguns homens. Sendo o mais assíduo Mané Gonzaga assistia o terço todos os dias, viúvo não quis se casar, só rezava. A maioria das mulheres que participavam do culto eram viúvas. Na verdade, naquela época os homens morriam em média com 45 anos de idade.A maioria das viúvas não se casava, vestiam de preto todo o tempo e eram fiéis aos maridos mortos.
Fui rápido ao sítio, e em menos de meia hora estava de volta, já que aquela conversa das mulheres me deixou curioso e queria saber também o que era. Coloquei a sela no cavalo e entreguei ao meu pai. E fiquei zanzando pela cidade Era dia de sábado e tinha feira na cidade, que amanhecia tranqüila como sempre, seus moradores começavam a arrumar-se para irem fazer as compras. Nas casas ouvia-se o barulho dos ralos, eram as pessoas ralando milho para fazer cuscuz. Ao mesmo tempo se via fumaça saindo das chaminés dos fogões de lenha. Alguns homens de caldeirão nas mãos iam ordenhar as vacas. E nos poucos rádios existentes na cidade, tocavam música sertaneja. Na noite anterior e começo da madrugada seis reses tinham sido abatidas no improvisado e anti-higiênico matadouro para serem vendidas no começo da manhã. Os vendedores de peixe do rio São Francisco ai arrumando seus produtos. Pequenos comerciantes arrumavam suas mercadorias e se deslocavam para o local da feira. Os moradores do município se deslocavam para sede montado em cavalos que esquipando fazia barulho com as patas em atrito com as pedras nas veredas.
Lá pelas 8:00 horas, vi Augusto ligar seu rádio phillip em ondas curtas na rádio Bandeirante de São Paulo, para ouvir música regional do Estado paulista. No século passado, jovens nordestinos iam para São Paulo em busca de trabalho; quando voltavam a sua terra natal trazia sempre um óculo ray-ban e um rádio, e ficavam ouvindo as rádios da terra da garoa. Augusto foi um deles, viajou para o sul do país trabalhou um ano na capital paulista como garçom. E quando conseguiu um dinheirinho, comprou um óculo ray-ban e um radinho de pilha e voltou para o Nordeste de trem da Leste Brasileira.
Era um jovem inteligente e criativo escreveu para o Instituto Universal e recebeu uma série de informação de cursos patrocinado pelo Instituto. Fez a inscrição para o curso de protético. Começou a fazer prótese dentária, e para ganhar mais alguns trocados começou a extrair dentes, exercendo a profissão de dentista, não tinha nível superior, era charlatão.
Além de ouvir as rádios do sul, Augusto ouvia as programações das rádios de Sergipe, principalmente a rádios Jornal, Cultura e Liberdade. Esta tinha um noticiarista bastante ouvido, era Silva Lima, com famoso Informativo Cinzano. Foi neste noticiário que Augusto ouviu a notícia e falou a sua mãe, Zefa, que um objeto desconhecido ia chegar na cidade.
De repente, eu vi a cidade sendo invadida por vários carros de propaganda política, e junto com vários meninos corri para vê quem estava chegando. Um dos carros com alto-falante tocava um jingle “meu voto é de valor, seu Vieira pra senador”. Depois o locutor falava “não vote na ARENA, esse partido é ditadura, vote nos candidatos do MDB o partido da democracia”. E a música continuava “, meu voto é de valor/ seu Vieira pra senador/ ao entrar na cabine eleitor/ seu Vieira pra Senador”. O locutor de vez em quando anunciava, daqui a pouco o nosso candidato está chegando, e fará um grande comício.
Curiosamente, eu tinha ouvido meu pai falar que estávamos passando por uma ditadura militar, o Brasil estava sendo comandado por militares, estes instituíram dois partidos. ARENA (Aliança Renovadora Nacional), era o partido dos militares e o MDB (Movimento Democrático Brasil), que fazia “oposição” ao regime.
Os carros ficaram rodeados de curiosos, as pessoas já estavam impacientes esperando o político que não chegava. Emidio, que já tinha tomado umas quatro cachaças, disse “esses políticos não chega não, quero pedir uma pinga a ele”, João Biriba perguntou “Ele vem de que”. “Vem numa Aero Willian novinha” respondeu Emidio, “Você sabe de nada, cachaceiro safado” retrucou Caetano. “Vá tomar no seu fiofó” disse Emidio.
Augusto estava próximo dos carros, olhou para o alto espantado, exclamou “Oi ele, tá vindo, oi ele”. Todo mundo se virou e passaram a observar aquele ponto preto lá no céu. A aproximação do objeto foi rápida, menos de um minuto, o avião estava dando volta na cidade. Emidio disse “parece um cavalo do cão”.
João Biriba olhou, epa “parece um lava cu”. A pequena cidade entrou em alvoroço a feira esvaziou-se, todos os habitantes saíram de suas casas para vê a máquina voadora, objeto jamais visto pelas aquelas bandas. Esta deu meia volta e posou no pequeno campo de futebol. A maioria da população correu para vê o helicóptero, até tia Zefa, foi junto com Augusto para vê aquela coisa estranha. No tumultuo foi derrubada por Beguê, um moleque de cor morena, que na ânsia de vê o objeto voador de perto a atropelou. Emidio todo espantado falou novamente “Olha, o Zé lhecobre, olha, o Zé lhecobre” Augusto corrigiu, “Né, Zé lhecobre não, cachaceiro safado, é um helicóptero”. De dentro saiu seu Vieira, o candidato a Senador e Zé Vieira seu filho candidato a Deputado Federal. Dirigiram-se a feira e em um pequeno palanque discursaram. Seu Vieira afirmou se ganhasse iria melhorar a qualidade de vida dos pobres sertanejos, prometeram o mundo é um fundo. Emidio de tão bêbado que estava não conseguiu chegar perto do candidato para pedir uma cachaça. Mas declamou um verso em “homenagem” aos políticos.”A ponto do alambique é feita de vergalhão/ por baixo passa água/ por cima caminhão/ rico só liga pobre/ em tempo de eleição”. E em tom de protesto finalizou “e todo político e ladrão”. “Eles ricos, nos arrombarão” rematou, João Biriba.
Terminado o comício, seu Vieira e Zé Vieira voltaram para o campo acompanhado pelo um grande número de pessoas, subiram no helicóptero. O piloto acionou o motor e as hélices começaram a girar, levantando poeira por todos os lados, os dois candidatos acenaram com as mãos, se despedindo. O avião começou a se levantar, fez uma pequena manobra e acelerou e se foi. Tia Zefa, disse “que coisa linda, nunca vi objeto tão interessante”.